A lex mercatoria enquanto direito: uma análise da natureza das normas que regem o comércio internacional à luz da teoria do ordenamento jurídico de norberto bobbio

AutorMadson Douglas Xavier da Silva - Aurélio Agostinho da Bôaviagem
CargoMestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco - Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco
Páginas178-198
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Edi
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o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
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mica
SILVA, Madson Douglas Xavier da; BÔAVIAGEM, Aurélio Agostinho da. A LEX MERCATOR IA ENQUANTO DIREITO:
UMA ANÁLISE DA NATUREZA DAS NORMAS QUE REGEM O COMÉRCIO INTERN ACIONAL À LUZ DA TEORIA DO
ORDENAMENTO JURÍDICO DE NORBERTO BOBBIO. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-
2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 178-198. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Dispo nível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/252575>
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A LEX MERCATORIA ENQUANTO DIREITO: UMA ANÁLISE DA
NATUREZA DAS NORMAS QUE REGEM O COMÉRCIO INTERNACIONAL
À LUZ DA TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO DE NORBERTO
BOBBIO
THE LEX MERCATORIA WHILE LAW: AN ANALYSIS OF THE NATURE RULES
THAT CONDUCT THE COMMERCE IN THE LIGHT OF THE NOBERTO BOBBIO’S
LEGAL ORDER THEORY
Madson Douglas Xavier da Silva
1
Aurélio Agostinho da Bôaviagem
2
RESUMO
No âmbito do Direito Internacional Privado, a Lex Mercatoria, teorizada como um
conjuntos de normas criadas e utilizadas pelo comércio internacional, é um tema profundamente
debatido, especialmente nas últimas décadas. A discussão acadêmica abordou desde a existência
ou não deste conjunto de normas costumeiras desde tempos remotos e seu conceito, até a análise
mais contemporânea quanto à natureza da Lex Mercatoria, se esta forma um sistema jurídico, se
pode haver um Direito sem o Estado ou além deste. Com efeito, o presente trabalho pretende
analisar a Lex Mercatoria enquanto Direito, à luz da Teoria do Ordenamento Jurídico de Norberto
Bobbio, investigando se as normas consuetudinárias do comércio internacional possuem os
elementos típicos à constituição de um ordenamento jurídico apontados pelo jurista italiano. Como
parâmetro necessário, este artigo analisará se as normas da Lex Mercatoria constituem uma
unidade, se demonstram coerência e completude, e se são aptas a estabelecerem relações com
outros ordenamentos jurídicos, uma vez que estes quatro critérios são apontados pela Teoria do
Ordenamento Jurídico como constitutivos de um ordenamento jurídico, ao passo que o autor
entende que uma definição satisfatória do Direito só é possível sob a ótica do ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Teoria do Direito; Teoria do Ordenamento Jurídico; Lex Mercatoria; Direito
Internacional Privado; Comércio Internacional.
ABSTRACT
At the scope of Private International Law, the Lex Mercatoria, theorized as a set of
standards created and used by the international commerce. It is a topic that has been deeply
discussed, especially, in the last decades. Since the existence or not, the academic’s discussion
approached this set of usual standards syne the remote time and its concept, even the most
contemporary analysis as many as the Lex Mercatoria’s nature. If it can make a law system, if it
can have a law without state or beyond that. With effect, the actual work pretends to analyze the
Lex Mercatoria as Law in the light of the Noberto Bobbio’s legal order, investigating if the
international consuetudinary’s commerce rules have the typical elements to the constitution of
legal order indicated by the Italian lawyer. With the necessary parameters, this article will analyze
1
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Fed eral de Pernambuco.
Advogado. E-mail: madsonxavier@hotmail.com
2
Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco. Professor Permanente do Programa de Pós -Graduação
da Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco. Mestre e Douto r em Direito pela
mesma instituição. Advogado. E-mail: aurelioboaviagem@gmail.com
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
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o Comemorativa dos 1 30 anos da Revista Acad
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SILVA, Madson Douglas Xavier da; BÔAVIAGEM, Aurélio Agostinho da. A LEX MERCATOR IA ENQUANTO DIREITO:
UMA ANÁLISE DA NATUREZA DAS NORMAS QUE REGEM O COMÉRCIO INTERN ACIONAL À LUZ DA TEORIA DO
ORDENAMENTO JURÍDICO DE NORBERTO BOBBIO. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-
2307, Edição Comemorativa dos 130 anos da Revista Acadêmica, p. 178-198. Nov. 2021. ISSN 2448-2307. <Dispo nível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/252575>
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if the Lex Mercatoria rules compose a unity, if demonstrate coherence and completeness and if it
is able to establish relationship with others legal orders, once this for criteria are pointed by the
Legal Order Theory as constitutive as a legal order while the author understands that a satisfactory
definition of law is just possible under sight of the legal order.
Keywords: Theory of Law; Legal Order Theory; Lex Mercatoria; Private Internacional Law;
Internacional Commerce.
1 INTRODUÇÃO
Especialmente a partir da segunda metade do século XX, o comércio internacional alcançou
um grau de relevância e ramificação ao redor do globo em proporções nunca antes atingidas. Tal
cenário, em parte derivado da crescente aprimoração dos meios tecnológicos no pós II Guerra
Mundial, deu origem ao conceito de “aldeia global” desenvolvido por Marshall Mc Luhan, em
1964, que defendia que uma nova realidade estava sendo moldada através da aproximação dos
povos pela tecnologia, e que o mundo estaria se tornando cada vez menor, ante a facilitação das
trocas de informações e mercadorias entre fronteiras.
Contudo, o comércio entre fronteiras, hoje tido por “internacional”, não é um fenômeno
novo na humanidade, havendo fartas evidências de que desde a Antiguidade a prática do comércio
entre diferentes povos já era comum. Aos antigos fenícios, por exemplo, é atribuída a característica
de terem sido os melhores comerciantes de seu tempo, exercendo comércio em todo o
Mediterrâneo, desde a região do Levante até onde hoje se situam o sul de Portugal e o norte do
Marrocos, e desenvolvendo um dos primeiros modelos de “economia mundial”. No mesmo esteio,
as origens da civilização grega estão calcadas no comércio marítimo entre as cidades por meio do
Mar Egeu e Mediterrâneo.
Desde a Antiguidade, as relações de comércio, como qualquer outra relação humana, são
pautadas por normas que regulamentam as trocas entre pessoas, muitas vezes de diferentes povos,
que determinam o comportamento a ser observado entre os negociantes.
Nesse contexto, parcela dos doutrinadores do Direito Internacional Privado passou a
defender a existência desde a Antiguidade e a Idade Média de um conjunto de normas reguladoras
do “comércio internacional
3
”, denominada de Lex Mercatoria, que seria aplicado pelos
comerciantes em maior ou menor grau de homogeneidade no mundo conhecido até então.
Grandes debates já foram feitos questionando a existência da Lex Mercatoria, se os antigos
costumes de comércio entre os povos formavam ou não um conjunto normativo coeso e
amplamente aceito, sua eventual natureza jurídica e abrangência. Outros debates mais recentes,
que ultrapassaram a antiga discussão quanto à existência da Lex Mercatoria, cuidaram de analisar
se a “nova” Lex Mercatoria, derivada das relações de comércio internacional desde a Idade
Moderna até a contemporaneidade, poderia ser considerada uma continuação da “antiga” Lex
Mercatoria, debate este temperado pela indagação sobre ser possível ou não a existência de lei
sem o Estado ou além deste.
Com base nesse prelúdio, o presente artigo se destina a investigar especificamente se a Lex
Mercatoria pode ou não ser considerada Direito e se este conjunto de normas costumeiras do
comércio internacional pode ser classificado como um ordenamento jurídico.
Como recorte metodológico necessário à abordagem do objeto, o estudo utilizará a Teoria
do Ordenamento Jurídico de Norberto Bobbio como referencial que estabelece as premissas e
fundamentos de um ordenamento jurídico. Este parâmetro servirá para testar a hipótese de que a
3
O termo “internacional” é utilizado aqui com a devida licença, haja vista que no contexto em debate não existia
sequer a ideia de Estado-nação ou de fronteiras nacionais, sendo certo que a existência do “internacional” presume
antes a existência do “nacional”.

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