Liberdade de expressão: biografias não autorizadas

AutorRoberto Dias
CargoAdvogado, professor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/SP
Páginas204-224
Liberdade de expressão: biograas
não autorizadas*
Roberto Dias**
1. Introdução
Pretendo, neste artigo, discutir a constitucionalidade das proibições,
impostas judicialmente, de publicações de biograf‌ias não autorizadas de
notórias personalidades brasileiras. Tais proibições fundam-se, basicamen-
te, nas normas constitucionais que protegem a honra, a imagem, a intimi-
dade e a privacidade das pessoas, bem como no art. 20 do Código Civil
brasileiro, que exige autorização para a divulgação de escritos sobre uma
pessoa, caso atinjam sua honra, boa fama ou respeitabilidade ou se se des-
tinarem a f‌ins comerciais.
Para tanto, iniciarei analisando a transição pela qual passou o Brasil
na segunda metade do século XX, quando o regime militar foi f‌inalmente
superado pela promulgação da Constituição de 1988. Na ocasião, surgiu
a esperança de que o Brasil não se depararia mais com a censura, mas as
perspectivas não se concretizaram de forma plena, especialmente se voltar-
mos os olhos para as tentativas de publicações de biograf‌ias não autoriza-
das. De fato, nos últimos anos, parte do Judiciário brasileiro tem impedido
* Gostaria de agradecer ao amigo Lucas Catib de Laurentiis pela leitura crítica e pelas relevantes sugestões
às versões preliminares deste artigo.
** Advogado, professor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/
SP. Mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP. Coordenador do curso de Direito da PUC/SP e
coordenador acadêmico do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional da PUC/SP
(Cogeae). E-mail: rdiasdasilva@pucsp.br.
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a publicação de biograf‌ias de importantes personalidades da vida esporti-
va, política, musical e literária brasileira.
Biógrafos, após vários anos de pesquisa sobre personagens da história e
da cultura nacional, se veem impedidos de publicar o trabalho produzido,
sob o argumento de que tais livros violam a honra e a intimidade do bio-
grafado ou se destinam a f‌ins comerciais e não foram autorizados por ele
ou por sua família.
Dois exemplos, um da década de 1990 e outro do início dos anos 2000,
são suf‌icientes para ilustrar o problema1.
A publicação da biograf‌ia de Garrincha, um dos maiores jogadores de
futebol de todos os tempos, escrita por Ruy Castro2, foi proibida judicial-
mente em 1995, em razão de uma ação judicial movida pelas f‌ilhas do
craque. As herdeiras argumentaram que não houve prévia autorização para
a publicação e teria ocorrido violação ao direito de imagem, nome, inti-
midade, vida privada e honra do pai falecido3. Revertida a decisão inicial
após um ano, o livro foi publicado com uma tarja vermelha na capa, com
os seguintes dizeres: “Finalmente Liberada”. Mas, em 2006, o Superior
Tribunal de Justiça condenou a editora pagar às f‌ilhas do falecido jogador
de futebol,
(...) as indenizações, a título de dano moral, no valor correspondente a cem
salários mínimos para cada uma, com incidência de juros de mora de seis por
cento ao ano deste a data do lançamento do livro, e, a título de dano material,
no valor correspondente a cinco por cento sobre o total do preço do livro4.
O cantor Roberto Carlos também se socorreu do Poder Judiciário para
impedir a publicação de sua biograf‌ia, feita por Paulo César Araújo5. A ale-
1 É possível lembrar muitos outros casos, menos rumorosos, como os das biograf‌ias: (a) do diplomata e
escritor Guimarães Rosa (Sinfonia Minas Gerais – A Vida e a Literatura de Guimarães Rosa), de Alaor Barbosa;
(b) do cantor e compositor Raul Seixas, que está sendo preparada pelo jornalista Edmundo Leite; (c) do can-
gaceiro Lampião (Lampião – o Mata Sete), escrita por Pedro de Morais; (d) e do sambista Noel Rosa, publicada
pela editora da Universidade de Brasília e feita por João Máximo e Carlos Didier (Noel Rosa – Uma Biograf‌ia).
2 CASTRO, 1995.
3 Um dos argumentos das f‌ilhas de Garrincha era a de que o livro narrava, segundo elas, de modo chulo,
particularidades físicas da genitália do jogador, com o intuito de obter lucro.
4 Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, Recurso Especial 521.697/RJ, relator Ministro Cesar Asfor Rocha,
julgamento ocorrido no dia 16 de fevereiro de 2006.
5 ARAÚJO, 2006.
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