A liberdade de expressão religiosa e sua repercussão na relação de emprego

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas156-162

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1. Apontamentos iniciais

A proposta principal do presente texto é discutir os limites do poder diretivo do empregado, na relação de emprego, frente o direito fundamental de liberdade de expressão religiosa.

Nas sociedades democráticas, cujos direitos individuais estão garantidos constitucionalmente e a participação popular nas decisões se presume, as discussões acerca da importância da liberdade de expressão parecem terem per-dido força. Entretanto, neste mesmo contexto, violações a este direito põem em xeque a própria democracia.

Neste contexto, na esfera do trabalho, especialmente no contexto da relação de emprego, os atos decorrentes do poder diretivo, por vezes, suprimem direitos decorrentes da liberdade de expressão, em especial da liberdade de expressão religiosa, haja vista que restringem os hábitos e costumes inerentes as religiões adotadas pelos empregados.

E, é nesta dicotomia que a presente análise se foca: qual é o limite do poder diretivo frente à liberdade de expressão religiosa do empregado?

Para enfrentar esta questão, necessário se faz a fixação de conceitos e premissas acerca da liberdade de expressão, do poder diretivo e, em especial, de parâmetros para ponderação deste enfrentamento, o que será feito a seguir, sem a intenção de esgotamento do tema, e, em especial, considerando o contexto da democracia, na qual as relações de emprego estão reguladas por legislações constitucionalizadas.

2. Liberdade de expressão

Antes mesmo do enfrentamento da questão central ora debatida, necessária se faz a busca pela mínima definição acerca da liberdade de expressão na contemporaneidade.

Segundo Canotilho1, a liberdade de expressão é um dos “direitos constitutivos do próprio princípio democrático”.

Paulo Gustavo Branco2 assevera que a liberdade de expressão deve ser enaltecida pois, é instrumento para o funcionamento e a preservação do sistema democrático, haja vista que o pluralismo de opiniões é vital para a formação de vontade livre, sendo a comunicação essencial para a sociabilidade e para a pessoa humana.

A liberdade de expressão é o direito que todo e qualquer indivíduo tem de manifestar seu pensamento, opinião, atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sem censura. É direito da personalidade, inalienável, irrenunciável, intransmissível e irrevogável, essencial para que se concretize o princípio da dignidade humana. É uma forma de proteger a sociedade de opressões. É elemento fundamental das sociedades democráticas, que têm na igualdade e na liberdade seus pilares.

Historicamente, a liberdade de expressão foi consagrada em 1789 pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 10º, o qual estabelece que nenhuma pessoa pode ser molestada por expressar as suas opiniões, incluídas as religiosas, desde que estas não perturbem a

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ordem pública. Ainda nesta mesma Declaração, está previsto no art. 11º que um dos maiores direitos do homem é o de poder expressar livremente o seu pensamento, sabendo, porém, que este responderá por eventuais abusos. Esta primeira declaração é, portanto, um marco da liberdade de expressão, e continua hoje sendo uma garantia para os regimes democráticos3.

Adiante, este direito foi sendo discutido e incluído nos mais diversos tratados internacionais de direitos humanos e nas constituições nacionais de diversos países. Dentre eles, citemos a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, art. 19º; o pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1976, art. 19º, inciso 2; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, art. 4º; a Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH), também conhecida como o Pacto de San José, de 1969, art. 13º, e, finalmente, o Convênio Europeu de Direitos Humanos (CEDH) de 1950, art. 10º.

Constitucionalmente, a liberdade de expressão é consagrada nos Estados democráticos como direito individual.

A Constituição Brasileira de 1988 prevê este direito em seu art. 5º que garante a liberdade de pensamento, de convicções filosóficas e ou políticas, assim como de crença religiosa.

Da mesma maneira, a Constituição da Espanha o faz em seu art. 20º, a Constituição da Itália em seu art. 21º e a Alemã em seu art. 5º.

Claro, portanto, que as normas internacionais e constitucionais garantem a liberdade do indivíduo de expressar suas ideias, pensamentos, opiniões, ideologias e crenças, por ser este o ideal da democracia.

2.1. Conteúdo e formas de manifestação da liberdade de expressão

Para além da garantia da livre expressão, o conteúdo desta expressão também é objeto de direito.

Canotilho e Moreira4 asseveram que o campo normativo da liberdade de expressão deve ser amplo, de tal forma que possa abranger opiniões, ideologias, crenças, tomadas de posição, pontos de vista, convicções e críticas sobre qualquer matéria ou assunto.

Cumpre, portanto, observar que a amplitude desta liberdade pressupõe uma multiplicidade, tanto do conteúdo, quanto de formas e motivações. Neste sentido, podemos observar que a liberdade de expressão, como direito garantido a todos os cidadãos, se concretiza quando estes podem expressar quaisquer pensamentos, ideias, crenças, opiniões ou juízo de valor, inclusive quando estas manifestações se realizam no ambiente de trabalho.

Os meios de manifestação deste direito compreendem, de um modo geral, todas as formas possíveis de expressão, como a palavra, a imagem, as mensagens, por qualquer meio de comunicação5.

A livre manifestação do pensamento abrange também uma dimensão de liberdade negativa6, que refere-se ao direito ao silêncio, ou o direito de não manifestar suas opiniões, pensamentos, ou ideias7.

Assim sendo, o conteúdo religioso é um dos conteúdos da liberdade de expressão, e, portanto, sua definição é necessária para esta proposta.

2.2. Liberdade de expressão religiosa

Antes mesmo de tratar da liberdade de expressão religiosa, importante é destacar a relevância da religião no contexto global.

Muitos pensaram que a religião não sobreviveria ao processo de modernização. Todavia, a mesma resistiu ao iluminismo, ao positivismo, ao cientismo, ao darwinismo e ao materialismo. Do mesmo modo, ela superou os processos de urbanização, industrialização e proletarização.

No entanto, a sua expressão nestes espaços fora reduzida intensamente, e a cada dia mais, mesmo sendo a liberdade de expressão religiosa consagrada como direito humano e fundamental.

Especificamente, quando tratamos de liberdade de expressão religiosa, consideramos não somente a liberdade individual de professar determinada religião, mas, também de externar seus caracteres consubstanciados em vestimentas, hábitos e proibições, por exemplo.

Portanto, o exercício da liberdade religiosa não está adstrito ao direito de optar por uma ou outra religião, mas sim de pleno exercício desta religião, socialmente, e, inclusive no trabalho.

Neste ponto cumpre destacar que o objeto central deste artigo é a discursão acerca da liberdade de expressão religiosa, ou seja, a liberdade de materialização do direito de crença.

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Ou seja, a efetiva liberdade de expressão religiosa se perfaz não somente diante da laicidade Estatal, mas também na possibilidade do indivíduo transitar em locais públicos com vestimentas incomuns à maioria, ou, fixar em seu carro, por exemplo, símbolos religiosos, ou, promover comemorações públicas das figuras representativas de sua religião, sem represália, ou, ainda, de abster-se de trabalho em determinado dia da semana, por exemplo.

Por ser a liberdade religiosa um direito fundamental consagrado na generalidade dos instrumentos internacionais de direitos humanos e das constituições estaduais. A mesma é indissociável da autonomia moral e racional da pessoa humana, da sua liberdade de consciência, de pensamento e de expressão.

Lado outro, a liberdade religiosa não é um direito absoluto, pelo que deve haver ponderação frente a outros direitos e bens constitucionais protegidos, limites estes como a segurança, ordem pública e saúde pública.

3. Liberdade de expressão no contexto laboral

Na esfera do trabalho, o limiar entre os direitos da pessoa que trabalha e o poder diretivo é frágil.

Em que pese serem as normas constitucionais de observância imperativa, na esfera do trabalho, não há, no Direito do Trabalho, definições claras acerca dos limites do poder diretivo frente a liberdade de expressão do empregado.

No contexto do cumprimento do contrato de trabalho é possível detectar diversos conflitos entre a expressão religiosa e as regras impostas pelo empregador, em razão da definição do modus operandi do trabalho.

Cumpre destacar que trataremos neste artigo especificamente dos problemas afetos à liberdade de expressão religiosa na esfera da relação de emprego, durante o trabalho, dentro da jornada de trabalho, frente ao poder diretivo.

Neste contexto, surge a questão central do presente artigo: quais os limites do poder diretivo, frente à liberdade de expressão religiosa, no contexto da relação de emprego, especialmente, durante a jornada de trabalho?

Quais são os principais conflitos decorrentes da limitação da liberdade de expressão religiosa pelo empregador? Quais os limites do poder diretivo frente o direito fundamental de liberdade de expressão religiosa?

Na tentativa de apresentar hipóteses de dissolução destas questões refletiremos acerca da ponderação de valores e normas afetas ao caso.

3.1. O exercício da liberdade de expressão religiosa no emprego

Diversas são as nuances do exercício da liberdade de expressão religiosa que podem gerar conflitos no curso do...

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