Liberdade e igualdade

AutorAlexandre Agra Belmonte
Páginas129-150

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Inspirada na Revolução Americana de 1776 e nas ideias iluministas, em meio à Revolução Francesa, de 1789, foi editada em 26 de agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ela proclamou as liberdades e os direitos fundamentais do homem, estabelecendo, no art. 1º, que eles são livres e iguais em direitos. Serviu de base à Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU.

A Organização Internacional do Trabalho — OIT foi criada pelo Tratado de Paz assinado em Versalhes, em junho de 1919. A OIT é a agência mais antiga do Sistema das Nações Unidas. Foi constituída com o objetivo de definir e promover políticas sociais em nível internacional, numa fase marcada pela revolução industrial.

Em 2 de maio de 1944, a Conferência Internacional do Trabalho, por meio da Assembleia Geral da Organização, reunida em Filadélfia, nos Estados Unidos, aprovou declaração relativa aos fins e objetivos da OIT, conhecida pela Declaração de Filadélfia. Ela reafirma os princípios orientadores da OIT, inspiradora da política a ser adotado pelos países membros e que são os seguintes:

• o trabalho não é uma mercadoria;

• a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante;

• a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos;

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• todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança econômica e com oportunidades iguais.

Por meio do Decreto Legislativo n. 24, de 1956, o Congresso Nacional aprovou a Convenção n. 100, da OIT, vindo a ser promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto n. 41.721 em 25 de junho de 1957. Adotada pela Conferência em sua Trigésima Quarta Sessão, em Genebra, a 29 de junho 1951, ela prevê a igualdade de remuneração para a mão de obra masculina e feminina por um trabalho de igual valor.

Considerando o que afirma a declaração de Filadélfia, que os seres humanos devem ser tratados com liberdade, dignidade e de forma igualitária para o seu progresso material e desenvolvimento espiritual, tem-se que a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A Convenção n. 111, OIT, adotada pelo países membros em Genebra, em 25 de junho de 1958, foi aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n. 104, de 1964, e promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto n. 62.150, de 19 de janeiro de 1968.

A referida Convenção repudia qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por fim alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A Constituição de 1988, em seu preâmbulo, demonstra destinar-se a assegurar, entre outros valores

“a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

O direito fundamental à igualdade, previsto no art. 5º, caput, CF, determina que, verbis:

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”

Outrossim, o art. 5º, I, da CF, garante a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações.

O art. 5º, caput, e inciso I, dizem respeito ao princípio da igualdade ou isonomia. Não à igualdade formal proposta pelo Estado Liberal, limitada à utilização de critério uniforme de tratamento, mas à igualdade do modelo de Estado Social, em que a intervenção estatal, por meio de medidas positivas, prevê meios destinados ao tratamento das desigualdades com igual valor, na busca da igualdade material

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e que, no modelo de Estado Democrático de Direito, atua de forma a garantir a dignidade da pessoa humana.

A respeito, observa Uriarte, “a igualdade que orienta o Direito laboral não é a igualdade formal e abstrata do liberalismo, segundo a qual ‘todos são iguais perante a lei’ — uma lei cega que não distingue entre pobres e ricos, entre poderosos e débeis, entre possuidores e despossuídos — senão a igualdade real ou material, que intenta corrigir aquelas diferenças”.113

O princípio da não discriminação, por sua vez, atua na preservação do direito à diferença e da eliminação de desigualdades injustificadas, ou seja, na eliminação de tratamento diferenciado, em decorrência de critério injustamente desqualificante. Decorre, portanto, do princípio da isonomia, mas adquire feições próprias, mais específicas.

A Constituição veda a discriminação, ao determinar, no art. 3º, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.

Discriminação pode ser definida como a conduta atentatória e injustificada da igualdade de oportunidades ou de tratamento, distinguindo pessoas ou grupos por preconceito ou estigma e assim negando-lhes tratamento igual por critérios desqualificantes. Daí as discriminações por gênero, raça, nacionalidade, etnia, atividade sindical, sexo, idade, orientação sexual, opção política, religiosa etc. Observa ainda Uriarte: “O princípio da igualdade é o maior, que inclui o de não discriminação. Este é um derivado daquele, uma concreção, efeito ou reflexo da igualdade ... um instrumento da igualdade ... a igualdade opera verticalmente (reduzindo a diferença entre capital e trabalho), enquanto que a não discriminação opera horizontalmente, procurando que não se prejudique (ainda mais) aos trabalhadores mais débeis ou expostos.”114

De forma prática, como corolário do princípio da isonomia, não se admite a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual (art. 7º, XXXII); a todo trabalho de igual valor corresponderá o mesmo salário (art. 461 da CLT); o art. 3º, parágrafo único, da CLT, veda distinções à espécie de emprego, condição do trabalhador e ao trabalho intelectual, técnico e manual; os arts. 460 e 461, CLT, dispõem, respectivamente, sobre salário equitativo e equiparação salarial sem distinção de qualquer natureza, ressalvadas as hipóteses justificadas por lei e quadro de carreira; e, o art. 12, a, da Lei n. 6.019/74, determina a isonomia remuneratória do trabalhador temporário aos trabalhadores do tomador. Ao passo que o tratamento diferenciado por motivo de sexo, raça, etnia, cor, religião, idade, nacionalidade,

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orientação sexual ou política, origem social ou qualquer outro parâmetro que revele preconceito, racismo ou concepções estereotipadas, decorre de ofensa ao princípio da não discriminação. Como consequência, o art. 5º, CLT determina salário igual, sem distinção de sexo, para o trabalho de igual valor e proíbe-se diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil é decorrência do princípio da não discriminação, eis que tais critérios não justificam o tratamento diferenciado.

Cabe, portanto, concretizar, diretamente ou por meio da legislação infra-constitucional, políticas governamentais e interpretação do direito, os princípios e regras que determinam a igualdade de tratamento em sua repercussão nas relações privadas, incluindo as de trabalho.

O Código do Trabalho português estabelece, no art. 23, sob o título “Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação” o seguinte:

1 — Para efeitos do presente Código, considera-se:

  1. Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

  2. Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para alcançar sejam adequados e necessários;

  3. Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

  4. Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.

2 — Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.

A CLT, em diversos de seus dispositivos, proíbe o tratamento desigual ou discriminatório e protege os desiguais com justiça (cf. entre tantos, arts. 6º, 389, 391, 392, 392-A, 403, 405 etc.).

Sobre o princípio da isonomia e trabalho, José Afonso da Silva destaca que “[...] em primeiro lugar, o princípio significa que a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, reconhecida no art. 5º, XIII, da Constituição, pertine a qualquer pessoa em igual condição. Assim, o acesso ao emprego privado como aos cargos, funções e empregos públicos há de ser igual para homens e mulheres que demonstrem igualdade de condições.

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A regra completa-se com as normas de igualdade que se encontram inscritas no já citado inciso XXX, do art. 7º, mas especialmente no inciso XXXII do mesmo artigo que veda distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. A paridade de tratamento aqui garantida diz respeito às condições de exercício de funções e de critério de admissão que têm que ser...

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