A liberdade de morrer em um país de idosos

AutorJosé Luiz Toro da Silva
CargoAdvogado em São Paulo
Páginas12-13
TRIBUNA LIVRE
12 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 654 I OUT/NOV 2018
“Essa época, que mostra seu
tempo a si mesma como sendo
essencialmente o giro acelerado
de múltiplas festividades, é tam-
bém uma época sem festa.”1
Não foi a primeira vez que
o ministro Roberto Barroso se
manifestou curiosamente; em
2017, em uma palestra proferida
no dia 11 de agosto, em São Pau-
lo, no 7º Congresso Brasileiro de
Sociedades de Advogados, ao
defender a prisão antes do trân-
sito em julgado, af‌irmou que “a
criminalidade se difundiu na
sociedade brasileira porque não
havia nenhum tipo de punição.
As pessoas tomam suas decisões
baseadas em incentivos e riscos.
Você tinha o incentivo do ganho
fácil e farto e não tinha o risco de
qualquer punição, porque a deci-
são tardava, os recursos procras-
1 A sociedade do espetáculo, Rio
de Janeiro: Contraponto, 2017, p.
130.
tinatórios se eternizavam e você
tinha prescrição. Nós criamos
uma sociedade em que, frequen-
temente, o crime compensa”.
Ora, ora... Será?
Será que o ministro tem co-
nhecimento de que no Brasil
temos a terceira população car-
cerária do mundo, e não mais a
quarta?
Será que é do conhecimento
dele que quase metade destes
presos são provisórios, portanto,
sem condenação def‌initiva?
Será que toda essa gente en-
carcerada foi investigada, pro-
cessada ou condenada por cor-
rupção ou qualquer outro tipo
de crime contra a administração
pública ou contra a ordem eco-
nômico-f‌inanceira?
Será que estamos mesmo sob
um “surto de garantismo”?
Será mesmo que não estarí-
amos, na verdade, vivendo um
surto odioso e perverso de pu-
nitivismo capitaneado, exata-
mente, por alguns ministros da
suprema corte?
Pois é, como escreveu Roger
Scruton, “o Estado de Direito não
é uma realização simples, para
ser pesada contra os benecios
de algum esquema social rival
e renunciado em seu favor. Pelo
contrário, ele def‌ine nossa con-
dição social e representa o ponto
alto da realização política euro-
peia. Há um Estado de Direito,
contudo, somente onde todo
poder, ainda que amplo, esteja
sujeito à lei e limitado por ela”2.n
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA
Procurador de Justiça do Ministério
Público da Bahia e Professor de Di-
reito Processual Penal da Faculdade
de Direito da Universidade Salvador
.
2 Pensadores da Nova Esquerda.
São Paulo: É Realizações Editora,
2014, p. 305.
José Luiz Toro da SilvaADVOGADO EM SÃO PAULO
A LIBERDADE DE MORRER EM UM PAÍS DE IDOSOS
No Brasil há poucos
trabalhos acadêmi-
cos sobre o tema da
liberdade de mor-
rer. Julgados, então,
praticamente, ine-
xistem. Tal fato se
justif‌ica porque, até
outro dia, era um país de jovens,
onde as pessoas morriam antes
dos 60 anos, vítimas das mais
diversas mazelas que af‌ligem
países subdesenvolvidos. Porém,
percebe-se que a situação come-
ça a mudar e, em pouco tempo, o
país será um lugar de idosos. Pro-
jeções do  indicam que, até
2050, o número de idosos no Bra-
sil deve ultrapassar os 64 milhões.
Com o avanço da medicina,
muitas pessoas passaram a ter
condições de viver mais. Existem
recursos médico-tecnológicos
que possibilitam a continuidade
da vida, mesmo que seja em esta-
do vegetativo.
Portanto, a discussão sobre
a liberdade de morrer, diante
dessa nova conjuntura, passa a
ser plausível, não podendo ser
tratada como tabu ou heresia. É
claro que questões religiosas de-
vem ser trazidas para o debate,
porém, racionalmente, é possível
imaginarmos situações em que a
continuidade da vida é realizada
sem qualquer qualidade ou até
mesmo de forma atentatória à
dignidade da pessoa.
Rev_BONIJURIS__654.indb 12 13/09/2018 15:56:11

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT