Liberdade sindical
Autor | Georgenor de Sousa Franco Filho |
Ocupação do Autor | Desembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região |
Páginas | 412-419 |
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Devemos entender a liberdade sindical como um direito humano fundamental, representado pela vontade coletiva de formação de entidades agrupando empregados e patrões, separadamente, que nelas buscam reunir esforços para a melhor consecução de seus respectivos objetivos.
A Constituição de 1988, no art. 5º, contempla o direito de reunião para fins pacíficos (inciso XVI). É um direito de exercício efêmero, com tempo limitado de duração, onde os interessados, findo o motivo do encontro, se dispersam. A reunião deve transcorrer sem armas, em local aberto a todas as pessoas, não havendo necessidade de autorização para sua realização, desde que não se prejudique outra reunião convocada anteriormente para o mesmo local, devendo ser previamente avisada a autoridade competente.
Diversamente, o direito genérico de constituir associação é consagrado de maneira ampla no inciso XVII do art. 5º da Constituição em vigor, tem caráter duradouro, devendo se destinar a fins lícitos, proíbida a formação de associações paramilitares. A própria Constituição cuidou de contemplar algumas regras para a criação de associações:
1) não dependem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento (inciso XVIII);
2) somente podem ser dissolvidas compulsoriamente, por sentença judicial transitada em julgado, ou ter suas atividades suspensas igualmente por decisão judicial (inciso XIX);
3) é livre o direito da pessoa se associar ou se manter associada (inciso XX); e,
4) as associações, quando expressamente autorizadas, são legítimas representantes de seus associados, judicial ou extrajudicialmente (inciso XXI).
O sindicato, por sua vez, é um tipo específico de associação, consagrado no art. 8º da Constituição, tocando-lhe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (inciso III). Outros traços peculiares serão vistos nesta parte desta obra.
A origem dos sindicatos pode ser encontrada na Roma Antiga quando Numa Pompílio, seu segundo rei, dividiu o povo por grupos de acordo com suas artes e ofícios1. No ano 59 a. C., a Lex Clodia reconheça o direito de associação, e, no ano 56 a. C., a Lex Julia, editada por Augusto, transformou os colégios romanos em órgãos do Estado. Certamente, porém, a corporação de ofício pode ser tida, passando pela coalizão, como o embrião do sindicato contemporâneo, que se revelou em toda a sua grandiosidade a partir da Revolução Industrial.
No Brasil, a primeira lei especificamente dedicada aos sindicatos foi o Decreto n. 19.770, de 19.03.1931, consagrando a unidade sindical, mas restringindo demasiadamente a atividade dessas entidades.
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É nesse aspecto que sobressaía um dos pontos da maior relevância para o Direito Coletivo do Trabalho, qual o relativo ao princípio da liberdade sindical, que, reconhecido e consagrado, pode ser tratado sob dois ângulos: individual e coletivo. Enquanto individual, deve ser examinado sob os aspectos positivo e negativo, tendo como titulares os trabalhadores e os empregadores.
Positivamente, é o direito que possui a pessoa de filiar-se a um sindicato para desenvolver a atividade sindical, objetivo primordial dessa liberdade positiva, no entendimento de Vazquez Vialard2.
Na visão negativa, a liberdade sindical refere ao direito de não se filiar ou desfiliar-se de sindicato, como apontam, fora do Brasil, Gino Giugni3 e Krotoschin4, entre outros, originando-se, segundo Lyon-Caen & Pélissier, da cautela do trabalhador em impedir lhe sejam impostas condições grupais com as quais não concorde5. Daí se pode considerar os caracteres passivo e ativo da liberdade negativa, o primeiro como sendo o da não afiliação, e o segundo, como o de deixar de ser filiado.
A liberdade sindical coletiva, cujo sujeito é o próprio sindicato, está consagrada na Convenção n. 87, da OIT6, que incluiu a autonomia em dois aspectos: a interna, de constituir-se, estruturar-se e dissolver-se sem intervenção do Estado; e a de ação, onde aparecem a negociação coletiva e o direito de greve.
É no grupo profissional que se assenta a organização sindical, o que, nesse particular, revela uma realidade sociológica. Não se trata de simples direito de reunião ou de associação, consagrados no art. 5º, XVI e XVII, da Constituição de 1988. Aquele é efêmero. Este, embora o vínculo seja permanente, pode ter objetivos gerais, inespecíficos. E, é justo do direito de associação que deriva o direito de sindicalização, de formação de associação profissional, ou, como ensina Octavio Bueno Magano, de associação institucionalizada7.
Define-se o sindicato, costumeiramente, como a associação de pessoas físicas ou jurídicas, exercentes de atividade profissional ou econômica para a defesa e a promoção dos respectivos interesses, contestando ou participando da elaboração e efetivação da política econômica e social de âmbito nacional, como quer J. M. Verdier8.
Assim, como agrupamento associativo institucional, pode o sindicato surgir por três modalidades, tomando-se por base o princípio da liberdade sindical: a unidade, a unicidade e a pluralidade sindical, conforme a conveniência dos que o constituirão ou através de imposição legal.
Com efeito, a unicidade é a unidade imposta por lei, verdadeira agressão à autonomia sindical, diversa da preconizada na Convenção n. 87 da OIT. Trata-se de um critério legal que impede a existência de mais um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial, representando um monopólio de representação. Registre-se, por oportuno, que, no Peru a unicidade é parcial porque em nível de empresa.
A unidade é voluntária, surgindo um só sindicato espontaneamente, por manifestação do grupo, e não por imposição de lei. É o que ocorre na Alemanha, Inglaterra, Suécia. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT, no verbete n. 287, recomenda que a unidade não deve vir da lei, heteronomamente. Ao contrário, deve ser fruto de ato volitivo do grupo interessado, pena de transformar-se em unicidade, como quando assinala:
apesar de os trabalhadores poderem ter interesse em evitar que se multipliquem as organizações sindicais, a unidade do movimento sindical não deve ser imposta por intervenção do Estado, via legislativa, pois esta intervenção é contrária ao princípio enunciado nos arts. 2º e 11 da Convenção n. 819.
A pluralidade, por sua vez, é a contemplada na Convenção n. 87 da OIT, representando a tendência geral, verificada na Itália, Espanha, Portugal, México, Colômbia e Venezuela, dentre outros países, e reconhecendo a
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possibilidade de criação de mais de um sindicato na mesma base. Em França, como observam Rivero & Savatier, foi encontrada uma solução intermediária: manteve-se a pluralidade sindical, mas as principais tarefas relativas à organização profissional foram reservadas aos sindicatos representativos10.
No regime da pluralidade sindical, com liberdade de estruturação e representatividade, doutrina Arnaldo Süssekind,
a lei pode e deve omitir-se a respeito, cabendo aos próprios grupos de trabalhadores exercer, em sua plenitude, a liberdade sindical coletiva, constituindo sindicatos de categoria, profissão, ofício, empresa e até estabelecimento, com a dimensão e conceituação que julgarem convenientes.
E, prossegue, a lei, nessa hipótese, quando existente, deve dispor apenas sobre a aferição do sindicato mais representativo para fins de negociação coletiva e, bem assim, definir critérios para solucionar conflitos de representatividade11.
No Brasil, podemos considerar uma fase pré-histórica do sindicalismo que seria a que antecedeu às primeiras normas legais a respeito. Foi uma fase de abstenção legislativa, considerando que as Constituições de 1824 e 1891 não se dedicaram à matéria, ressalvada a tênue referência à abolição das corporações de ofício da Imperial.
Historicamente, a evolução do movimento sindical brasileiro costuma ser dividida em cinco etapas, a partir dos primeiros anos do século XX.
A etapa inaugural começou com os Decretos ns. 979/1903 e 1.637/1907, quando foram criados os primeiros sindicatos, e contemplou-se, pelo menos em tese, o princípio da pluralidade sindical. Aziz Simão, em interessante estudo onde abordou as relações entre o sindicato e o Estado, identificava, nessa primeira fase, três espécies de sindicatos: os profissionalmente diferenciados, com os trabalhadores reunidos por profissão, com a mesma atividade, que eram os chamados sindicatos de ofícios; os profissionalmente indiferenciados, com trabalhadores de qualquer profissão, sem critério específico; e os profissionais articulados, reunindo operários de diversas espécies, mas considerando o mesmo setor de atividade12.
A segunda fase começa com a revolução da Aliança Liberal, de 1930, ganhando seus contornos definidos com o Decreto n. 19.970/1931, considerada a lei brasileira dos...
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