Liberdade sindical

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas76-105

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Como afirmamos no primeiro capítulo, no item 1.5, que trata dos princípios do Direito Sindical, o princípio fundamental da disciplina, para a Organização Inter-nacional do Trabalho, é o princípio da Liberdade Sindical.

Não só, apenas, para a OIT, mas, também, para boa parte do ordenamento jurídico dos países democráticos, sendo esta liberdade espécie de unanimidade na doutrina, muito embora exista quem a veja presente em modelos que conservam restrições, como teremos oportunidade de verificar mais adiante.

Neste capítulo trataremos desta liberdade, a liberdade sindical. Primeiro, fazendo breve exposição sobre os modelos de sindicalismo que se formaram após o reconhecimento do direito de criar associações sindicais, no mundo, entre eles o com liberdade. Depois, verificando os aspectos relevantes deste modelo em dois tópicos: um sobre a liberdade sindical na ótica da OIT e, o outro, sobre o modelo brasileiro, à luz da liberdade sindical.

Dimensões do sindicalismo depois de seu reconhecimento pelo Estado

Para iniciar este item, é preciso relembrar alguma coisa do que foi visto no capítulo anterior.

A união de trabalhadores em associação, com o objetivo de proteger seus interesses, passou por diferentes momentos. Conforme já afirmamos:

“O Estado, a princípio, pretendeu proibir as associações de trabalhadores, não tendo logrado êxito, pois estes persistiram em seu intento.

Mudou, então, o Estado seu posicionamento, começando por simplesmente aceitar, de forma tácita, as associações de trabalhadores e, depois, por reconhecê-las, tornando a reunião dos trabalhadores em associações, com o objetivo de defesa de seus interesses, um direito.”1

Os autores, regra geral, da forma como colocado acima, identificam três fases para o Direito Sindical.

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Um deles é Amauri Mascaro Nascimento que, assim como Antonio Ojeda Avilés, por ele citado e por nós transcrito no capítulo precedente, identifica a fase da proibição, a fase da tolerância e a fase do reconhecimento do Direito Sindical2.

Sobre a última, leciona Mascaro que:

“Da simples tolerância os Estados passaram a reconhecer o movimento sindical, de modo expresso, através de leis ordinárias ou constitucionais, como o Trade Unions Act (1871) da Inglaterra, a Lei Waldeck-Rousseau (1884) da França, o Clayton Act (1914) dos Estados Unidos, a Constituição do México (1917), a Constituição de Weimar, da Alemanha (1919) etc. O movimento sindical direcionou-se segundo três diferentes concepções, a corporativa de controle estatal dos sindicatos, a socialista do sindicalismo estatal ideológico e a da autonomia fundada no princípio da liberdade sindical.”3

Neste último momento, identifica Mascaro dois modelos básicos, de acordo com a posição do Estado a respeito da autonomia conferida ao movimento sindical: com controle e com liberdade4.

Assim o faz, também, Everaldo Gaspar Lopes de Andrade, para quem, “Resumindo as tendências doutrinárias, há os sindicatos autônomos e os sindicatos controlados pelo Estado”5.

Com base no exposto por estes dois autores, verificaremos as características destes dois modelos e, ainda, as formas como eles se manifestam.

Reconhecimento sob controle do Estado

O modelo do reconhecimento do direito de associação sob o controle do Estado caracteriza-se pela conduta deste de, ao mesmo tempo em que aceita o sindicato, sujeitá-lo a regras rígidas, que podem ser impostas através do ordenamento ou, simplesmente, ditadas sem base legal que as sustente.

Menciona Everaldo Gaspar, como exemplo de sindicatos controlados pelo Estado, os do tipo soviético; os próprios dos regimes corporativistas; os sindicatos nos períodos de guerra e os que subsistem dentro de regimes fechados6.

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Os primeiros, característicos dos países socialistas, caracterizam-se pelo seu total atrelamento ao partido único, que controla o Estado e a burocracia.

No regime socialista é impossível considerar o sindicato como organização livre, vez que todas as instituições do país são voltadas para único esforço, sendo total o controle exercido pelos governantes.

Não se diga que, ainda assim, há liberdade, visto que o governo e o partido, assim como os sindicatos, são formados por trabalhadores, considerando que ela, para existir, deveria permitir um mínimo de discordância entre eles, bem como sua livre organização, o que, efetivamente, não existe7.

Outro tipo de sindicalismo controlado é o que adota o modelo corporativista.

Neste modelo, aqueles que produzem, os detentores do capital e os trabalhadores, são controlados pelo Estado que, para este fim, adota medidas que restringem a liberdade coletiva de associação e inibem o livre desenvolvimento da relação mantida entre capital e trabalho.

Para Mascaro, no corporativismo existe a tendência de suprimir a luta de classes, unindo trabalho e capital, o que é feito pela criação de uma estrutura que restringe a liberdade e utiliza as seguintes técnicas, todas devendo ser adotadas compulsoriamente: 1) unicidade sindical; 2) sindicalização por categoria; 3) ligação entre sindicato e Estado e 4) proibição da greve e do lockout8.

Este tipo de sindicalismo, pode-se dizer, foi próprio das ditaduras europeias de direita da primeira metade de nosso século, existindo na Itália de Mussolini, na Espanha de Franco, e em Portugal, com Salazar.

Inspirou, também, o Brasil da época de Getúlio Vargas. Nossa diferença, porém, em relação a estes países é que, quando eles se redemocratizaram, o que mencionamos na evolução histórica do sindicalismo no mundo, o corporativismo foi abolido, e no Brasil não, restando, como vamos ver, até hoje, resquícios.

Os outros tipos de sindicalização que se enquadram dentro do modelo do reconhecimento sob controle estatal, mencionados por Everaldo Gaspar e, também, por Mascaro, guardam a mesma semelhança com os que foram tratados acima, sob o prisma do controle exercido pelo Estado sobre o movimento sindical, resultando em uma sindicalização rígida e que não abre espaço para as livres expressões de trabalhadores e empregadores.

Reconhecimento com liberdade sindical

De outra parte, como modelo oposto, temos o do reconhecimento com liber-dade sindical.

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Nele, o que conta é a postura do Estado de, reconhecendo o direito de sindicalização, deixar que trabalhadores e empregadores, principalmente os primeiros, determinem sua forma de organização e os meios que devem adotar para a consecução de seus objetivos, que é crescer dentro da relação capital-trabalho.

Isto pode ser feito das mais variadas formas, com o Estado abstendo-se de influir nas relações coletivas de trabalho ou, por outro lado, até regulamentando parte desta, desde que isto se faça sem a criação de qualquer tipo de controle da atuação dos grupos e das empresas.

Observe-se que tal não significa permitir que organizações sindicais e empresas simplesmente pairem acima do ordenamento jurídico e dos outros grupos, mas garantir que os interessados possam se organizar com liberdade, bem como possam, entre si e, claro, sem ferir direitos de terceiros ou violar o interesse público, solucionar os seus conflitos9.

Este modelo, por ser o que nos interessa mais de perto, é o que veremos a seguir, de forma mais detalhada.

Liberdade sindical

Devemos iniciar este item apresentando uma definição do que seja liberdade sindical que, para nós, consiste no direito de trabalhadores (em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar ou não, permanecendo enquanto for sua vontade10.

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Para Wilson de Souza Campos Batalha, a liberdade sindical pode ser compreendida em dois sentidos: político e individualístico. O primeiro significando o reconhecimento do caráter privatístico do sindicato, desligado dos aspectos de entidades de Direito Público de que se revestiam os sindicatos nos regimes totalitários e, o segundo, consistindo no direito de qualquer trabalhador ou empresa participar deste ou daquele sindicato, de se filiar, ou não, a qualquer entidade sindical11.

Gino Giugni, tratando da liberdade sindical como princípio contido na Constituição da Itália que, em seu art. 39, dispõe que a organização sindical é livre, coloca que ela deve ser vista sob dois prismas: como liberdade perante o Estado e do ponto de vista das relações interprivadas12.

Ela, a liberdade sindical, a propósito, é dividida de diversas formas pelos autores.

Georgenor de Sousa Franco Filho, tratando da liberdade sindical, afirma que a doutrina a distingue em dois ângulos: individual e coletivo. A liberdade sindical individual teria como titulares os trabalhadores e os empregadores e seria positiva, correspondente ao direito de filiação, e negativa, que se dividiria em passiva (não filiação) e ativa (filiação). Já a liberdade sindical coletiva, que possuiria como sujeito o sindicato, teria dois aspectos da autonomia sindical, que seria a parte dinâmica da liberdade sindical: a autonomia interna, “de constituir-se, estruturar-se, e mesmo de dissolver-se, sem a intervenção estatal” e a autonomia de ação, que agruparia as diversas hipóteses do que denomina autotutela. Refere-se, ainda, à liberdade coletiva positiva e negativa que teria o sindicato de se filiar ou não a entidades de grau superior13.

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Júlio César do Prado Leite é outro que identifica a liberdade sindical em duas dimensões, afirmando que ela “engloba duas conotações distintas e interligadas:

  1. a liberdade individual de formar e aderir a um sindicato; e 2. a liberdade de ação do sindicato”14.

Já Alfredo Ruprecht...

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