Liberdade sindical e negociação coletiva

AutorAlessandra Damian Cavalcanti
Páginas23-45

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Conceitos e articulações necessárias: liberdade sindical e negociação coletiva

A liberdade constitui uma aspiração constante do ser humano. A garantia das liberdades deriva do princípio liberal, proveniente do racionalismo ilosóico dos séculos XVII e XVIII e do princípio democrático, que surge em contraposição ao absolutismo.3 O constitucionalismo liberal dominou o século XIX. Somente com a formação da sociedade industrial e com a sobeja exploração do operariado, é que se inicia uma luta ideológica pela transformação da democracia liberal da burguesia, de viés político, numa democracia de viés social.4

A grande depressão e a eclosão da Segunda Guerra Mundial expuseram ainda mais os problemas sociais da estruturação da economia do Estado Liberal:

[...] o tempo trouxe questões que o modelo absenteísta do Estado Liberal não estava apto a enfrentar. O individualismo, o abstencionismo e o tecnicismo do Estado Liberal geraram injustiças propagadas por movimentos sociais, os quais permitiram a conscientização popular no sentido da necessidade de realização da justiça social.5

O Estado socialista, por sua vez, levado a cabo pela Revolução Soviética, conigurou:

[...] uma paradoxal forma política, tão negativa, tão rude e tão opressiva para a liberdade humana, em razão dos desvios de poder, quanto haviam sido aquelas a que se propusera opugnar e abolir: a do absolutismo das velhas autocracias imperiais e a da burguesia, que trazia no ventre a ditadura do capitalismo.6

Trilha-se, então, para o Estado social. Para Paulo Bonavides a transição do Estado liberal para o Estado social foi a forma de conciliar os anseios individuais com os anseios sociais, uma vez rompidas as amarras dos regimes totalitaristas e identificadas as falhas do liberalismo. O Estado social surge então após a Segunda Guerra, para garantir os direitos fundamentais, sobretudo a dignidade da pessoa humana.7

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São pertinentes, sobre a questão, as palavras de José Afonso da Silva:

[...] o constitucionalismo surgiu na história da Humanidade no bojo de revoluções destinadas a refazer pactos sociais existentes, em busca de nova ideia de Direito e do acolhimento de novos valores sociais. Em outras palavras, o constitucionalismo, como movimento histórico, permanente e dinâmico, não se conforma com as injustiças sociais, por isso sempre está a pleitear novos conteúdos para a democracia, porque sabe que não existe democracia acabada, porque a demo-cracia é um regime político submetido à inevitável e permanente confrontação das realidades com seus valores fundantes. A democracia não pode aceitar um sistema econômico e social de profundas desigualdades, ela se realiza no dia a dia acolhendo as forças que combatem por uma sociedade mais justa, mediante o reconhecimento dos direitos sociais.8

Na visão de Odete Medauar, foram atribuídas diversas nomenclaturas ao Estado da segunda metade do século XX justamente para tentar traduzir sua principal característica, que era a possibilidade de intervenção9. O Estado social do constitucionalismo democrático da segunda metade do século XX mostrou-se então como o modelo mais adequado a concretizar a universalidade dos valores abstratos das Declarações de Direitos Fundamentais.10

É esse o modelo de Estado que relete o ideário social que inluenciou o constituinte originário na Constituição Federal de 198811, na airmação dos direitos sociais inseridos

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no Capítulo II do Título II, essenciais ao desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, destacando como liberdades sociais: a sindicalização, a negociação coletiva12 e a greve.

A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade sindical como um direito fundamental e torna obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, uma vez que a entidade sindical constitui a verdadeira representação de uma categoria de trabalhadores criada para defender, reivindicar e negociar os pleitos daquela coletividade.13

Ademais, diferentemente das Constituições anteriores, a Constituição Federal de 1988 garante aos servidores públicos o direito à sindicalização e à greve, ambos diretamente atrelados à liberdade sindical, que é a pedra angular do Direito Sindical e que pressupõe a liberdade de associação e de organização.14 Amauri Mascaro destaca que a Constituição Federal de 1988 promoveu um importante avanço para a abertura sindical “como um instrumento de efetivação do processo democrático e de reordenamento jurídico da Nação”.15

Para Georges Gurvitch, um dos fundadores da teoria do direito social, o direito é global e pluralista, tendo como função a integração objetiva de uma totalidade para a organização da comunhão dos membros, nesse modelo de pluralismo jurídico os cidadãos também atuam como produtores do direito por meio de uma maior autonomia conferida aos interesses comunitários, incentivos à participação e ao controle social, trata-se da autonomia coletiva.16

A autonomia coletiva, essencial para assegurar a ampla participação dos trabalhadores, decorre da força conferida aos seus representantes, decorrentes da garantia da liberdade sindical17 como direito fundamental e da estreita interligação entre sindicalização e negociação coletiva. Massoni destaca que a noção de representatividade sindical deixa evidente que seu pressuposto é a existência de liberdade sindical, na qual a representatividade adquire relevância e dimensão jurídica.18

Assim, para que as partes possam estabelecer o diálogo social e construir um consenso para a regulação das relações de trabalho é preciso garantir a autonomia privada coletiva19.

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A liberdade de associação pressupõe que o Estado privilegia a autocomposição, para que as partes tenham a liberdade de auto-organização e autorregramento de seus próprios interesses.20

A liberdade sindical congrega a liberdade sindical coletiva, a liberdade sindical individual e a autonomia sindical, sendo a negociação coletiva o efeito concreto da autonomia privada coletiva.21

Para Fernanda Barreto Lira, a liberdade sindical constitui um direito de atividade, que não está restrito apenas à possibilidade de um indivíduo associar-se, manter-se nessa condição e desligar-se de um sindicato, mas que abarca também o desenvolvimento de ações coletivas em defesa dos direitos da categoria proissional, a gestão administrativo- -inanceira autônoma das entidades sindicais e ainda a adoção de medidas de proteção e de estímulo aos indivíduos e às coletividades, destinadas a implementar e permitir o pleno desenvolvimento da atividade sindical, cujo exercício desencadeou e constituiu a inalidade da liberdade sindical.22

Conforme o entendimento de Arion Sayão Romita, a liberdade sindical é um direito fundamental do homem e representa “um feixe de liberdades”.23 Enquanto na perspectiva de Antonio Ojeda Avilés, liberdade sindical é o direito dos trabalhadores de se agruparem com estabilidade para participar da regulamentação das relações de trabalho.24

A negociação coletiva é o diálogo social estabelecido entre empregadores — ou seus representantes — e os representantes dos trabalhadores, constituindo um dos aspectos mais importantes das relações laborais.25 Dessa forma, a possibilidade dos trabalhadores, por meio de seus representantes, poderem participar ativamente do diálogo social concernente às suas condições de trabalho, está condicionada à existência da liberdade sindical.

Assim, a negociação coletiva deve ser compreendida não apenas como uma possibilidade de ixação bilateral das condições de trabalho de uma determinada categoria, mas como uma possibilidade de produção de igualdade material entre os cidadãos.26

O art. 2º da Convenção n. 154 da OIT prevê que a expressão “negociação coletiva” engloba todas as negociações que tenham lugar entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outro lado, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o im de regular as condições de trabalho e emprego.27

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Dentre os meios para a solução dos conlitos existentes entre empregados e empregadores, destaca-se o ajuste direto ou conciliação direta, isto é, sem a interferência de terceiros, que é a autocomposição. A autocomposição é a negociação coletiva em sentido estrito, o termo negociação coletiva também pode ter um sentido mais amplo, para designar todo o processo por meio do qual se alcança o consenso e que pode abranger diferentes meios de solução de conlitos combinados, como, por exemplo, tratativas diretas e mediação.28

Assim, além de instrumento de pacificação de conlitos, a negociação coletiva é um processo formado por um conjunto de atividades sequenciadas, permeadas pela boa-fé objetiva, desenvolvidas pelos sujeitos coletivos, que exerce um papel essencial no estabelecimento de condições necessárias ao equilíbrio das partes negociantes, conigurando um mecanismo efetivo de progresso social.29

Para Alain Supiot a negociação coletiva é a instituição mais dinâmica, pois constitui um instrumento permanente de adaptação às mudanças frente à heterogeneidade de formas de organização do trabalho, com a participação de diferentes sujeitos e uma plêiade de reivindicações.30

Supiot destaca que:

Não é menos verdade que as mesmas questões organizacionais se podem colocar aos Estados e às empresas e que as suas estruturas seguiram na história evoluções muitas vezes paralelas. Tal como os Estados, as grandes empresas são, hoje, confrontadas com a impossibilidade de decidir tudo a partir da cúpula e têm de inventar novos modos de governo dos homens. Como os Estados, elas atravessam uma crise de legitimidade, que se traduziu, no seu caso, por um regresso da autoridade dos acionistas sobre o poder...

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