Liberdade sindical, normas internacionais e efetividade no contexto brasileiro

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas144-155

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1. Introdução

O debate acerca do valor da liberdade sindical deve levar em conta, previamente as condições de ambiência social, política e econômica num determinado país; tal fato decorre da inevitável conclusão de que o fenômeno sindical é produto da organização política dos trabalhadores no âmbito nacional. O tenso processo entre a produção da norma internacional convertida, posteriormente, num valor jurídico internacionalmente destacado, decorre das etapas subsequentes no plano nacional, desde seu processo de internalização para, posteriormente, desaguar no inarredável e complexo processo de submissão à interpretação dos operadores jurídicos lastreada na história jurídica e demo-crática de cada país.

No caso brasileiro, tem destaque o histórico da liberdade sindical no último século, pois além de influenciado pelos lapsos temporais de sucessivos rompimentos democráticos ou de ausência de democracia política, ou, ainda, por uma democracia meramente discursiva ou eminentemente formal, de substrato circunscrito ao modo de representação de escolha de representantes por sufrágio, sem qualquer correlação ou efetividade nas liberdades públicas ou de democracia econômica.

Desse modo, não é possível refletir sobre liberdade sindical no Brasil de modo desconectado dos acontecimentos e condicionantes nacionais, tais como a trajetória histórico-jurídica do sindicalismo nacional, marcada por rupturas e permanências, incluindo a peculiar construção da liberdade sindical na Constituição Federal.

Para além da internalização formal ou debate sobre a efetividade da liberdade sindical no Brasil, demanda passos mais avançados do que a mera ratificação da Convenção n. 87; em verdade, há de se ter em vista as condições materiais da demo-cracia, da correlação de forças no mercado de trabalho ou, em última análise, do estágio de desenvolvimento econômico-social do Brasil. Portanto, é necessário refletir acerca das potencialidades, limites e possíveis transições para o atingimento dos pressupostos necessários que deságuem no estuário do ideal de liberdade sindical internacional, mas que, no caso brasileiro, só terá operacionalidade total quando implementadas as condições previstas nas recomendações da Organização Internacional do Trabalho em matéria de liberdade sindical.

Nesse contexto, é necessário reafirmar-se as identidades nacionais das relações de trabalho, porém sem abdicar do necessário diálogo entre suas condicionantes expressadas nas possibilidades, limites e potencialidades da liberdade sindical em conjunto com as recomendações conducentes à efetiva liberdade sindical.

2. Liberdade sindical brasileira e normatividade internacional – aproximações necessárias
2.1. Ambiência teórica e histórica

Indiscutivelmente, o fenômeno sindical e sua liberdade estão guindados ao status de direito humano fundamental, nas leis, Constituições e normas internacionais, porém esse patamar só foi atingido em razão de todas as lutas históricas dos trabalhadores, primeiramente, por afirmação e reconhecimento de direitos, posteriormente, pelo direito de existir enquanto classe social e econômica.

O associacionismo sindical atravessou três períodos. O primeiro, marcado pela proibição de formas de associação operária, a partir da incorporação, na esfera jurídica, da ideologia concebida na Modernidade segundo a qual o indivíduo, sujeito de direitos, não poderia estar submetido a modalidades organizativas limitadoras da sua ação. A liberdade, portanto, era entendida como inexistência de impedimentos, num ambiente liberal, de contratualismo. No Brasil, esse ideário estava presente na Constituição de 1824, que, por inspiração da Lei Le Chapelier, extinguia as corporações de ofício no país.2

O segundo período, pelo qual o fenômeno da coalizão de trabalhadores foi representado pelo reconhecimento de modos de organização, ingressando-se numa nova filosofia, de caráter social, com a existência de entidades de representação de trabalhadores.3 No Brasil, esse reconhecimento expressou-se, de

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modo sistematizado, a partir da década de 1930, com o advento de uma legislação reguladora do direito de associação dos trabalhadores, não permitindo, porém, a existência de formas associativas diferentes daquelas previstas como oficiais pelo Estado.

Finalmente, o reconhecimento das organizações sindicais viveu, e ainda se encontra nesse estágio, inserido no ideário promocional, segundo o qual, num Estado Democrático de Direito, não há mais espaço apenas para uma liberdade marcada pela ausência de regramentos excessivos estatais, mas, para além disso, a normatização assume um caráter promocional, de modo a propiciar o mais pleno desenvolvimento dos modos de organização coletiva.

No campo das relações de trabalho, esse objetivo é alcançado a partir de garantias de existência e atuação de entidades sindicais, o que, no Brasil, demanda um diálogo entre a legislação básica – a CLT – e o marco regulatório democrático dos direitos civis e sociais – a Constituição Federal, tudo isso em alinhamento à avançada normação produzida pelo Direito Internacional do Trabalho, e que é representado por um “Código de Direito Sindical Internacional”, formado pelas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho.

Destarte, a luta por liberdade sindical, para além de produção jurídica interna protetiva e garantidora ou da incorporação de legislação externa promotora da liberdade sindical (Convenção n. 87), requer, fundamentalmente, uma mutação na forma organizativa e de luta dos trabalhadores e de seus dirigentes, ou um novo modus operandi ético dos sindicatos na defesa e na exigência da liberdade sindical frente aos empregadores, além da busca de direitos e reconhecimento de liberdades perante o Estado. Por isso, e para além da dogmática jurídica, os direitos humanos de natureza política e econômica são reconhecidos ou conquistados, sonegados ou inefetivados a partir da luta e organização dos trabalhadores.

Por isso, a liberdade sindical é elemento fundante do ponto de vista histórico e político, e, obviamente, constituinte dos pilares do Direito do Trabalho. A leitura das normas internacionais (convenções e recomendações específicas sobre liber-dade sindical, da OIT) acerca do conteúdo – sindicalismo – e do seu atributo – liberdade sindical – deita sua análise e reflexão num campo, em última análise, instrumental da referencialidade propiciadora de maior legitimidade e representatividade aos sindicatos.

Certamente que o conteúdo normativo produzido pela OIT, parcialmente internalizado pelo Brasil, seja pela ratificação e internalização das normas da Organização (Convenções ns. 98, 135 e 154), seja pela regulação interna por meio de instrumento legal próprio (CLT e Constituição Federal), expressa vontade estatal de proteger o nascimento, funcionamento e desenvolvimento das atividades de um ente político de representação profissional.

É evidente que tal intencionalidade não é suficiente para garantir o exercício das liberdades se não estiver assentada numa premissa político-constitutiva dos próprios sindicatos de exercerem essa liberdade, embora imersa num ambiente de baixíssima democracia nos locais de trabalho, agravado pelo fato de os trabalhadores estarem vinculados a formas precárias de contratualidade existentes e de uma cultura de apatia e inércia na participação política, agravadas pelas reformas desestruturantes dos pilares da ciência juslaboral, advindos pela Lei n. 13.467/17, sobretudo de esvanecimento do poder sindical.

Tudo isso desvela que a eventual opção política e estatal de estímulo a formas autônomas e libertárias de organização sindical estará, invariavelmente, desafiada por reações patronais, déficits democráticos e, acima de tudo, responsiva aos reclames dos próprios interesses da classe trabalhadora.

O encontro entre a liberdade sindical existente e o patamar constitucional e internacional de promoção desse valor deve levar em consideração o estágio em que o poder constituinte definiu as balizas existenciais para a organização sindical brasileira. Nesse aspecto, é importante salientar o hiato entre o grau de consolidação das liberdades individuais, a respeito dos direitos de expressão, reunião e associação, mas quando transportado para os contornos da liberdade sindical é permeado por limitações de ordem estatal e patronal, representadas por limitações e/ou por práticas de atos antissindicais.

No processo constituinte de 1988, definiu-se por um modelo de liberdade sindical livre da intervenção estatal, embora mantenha resquícios do paradigma de organização sindical previsto na CLT, com a previsão do sistema confederativo (um cenário piramidal caracterizado pela presença de sindicatos, federações e confederações), da unicidade sindical e da contribuição sindical compulsória, agora, operacionalizada de modo a subordinar-se ao interesse e anuência do contribuinte-trabalhador (art. 578 e ss. da CLT – alterados pela Lei n.13.467/17).

Essa configuração do modelo sindical consolidada no processo constituinte de 1988 foi ratificada, primeiramente, no debate daquele momento histórico, atravessando períodos de reflexão, notadamente no Fórum Nacional do Trabalho, contudo, mais recentemente, pelo posicionamento manifesto, de modo majoritário e pragmático, pelas centrais sindicais nas duas conferências nacionais da classe trabalhadora e na Conferência do Trabalho Decente. Além...

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