Liberem os mangás: juventudes frente à leitura e à informação

AutorJacira Gil Bernardes - Aline Accorssi
CargoMestre em Memória Social e Bens Culturais, pelo Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil - Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Páginas81-100
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n3p81
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.3, p.81-100 Set.-Dez. 2016
LIBEREM OS MANGÁS: JUVENTUDES FRENTE À LEITURA E À INFORMAÇÃO
Jacira Gil Bernardes
1
Aline Accorssi2
Resumo:
No presente artigo buscamos refletir e discutir os sentidos e significados que jovens
de um bairro de periferia possuem acerca da leitura e informação. Para isto,
realizamos oito entrevistas semiestruturadas com jovens entre 18 e 24 anos
participantes de um projeto social, chamado Casa das Juventudes, no Bairro
Guajuviras, de Canoas/RS, Brasil, integrante do Projeto Territórios de Paz. A Casa
das Juventudes é um centro de formação e espaço de convivência. Nela funciona o
PROTEJO (Proteção de Jovens em Território Vulnerável), projeto social voltado para
jovens em situação de violência e outras formas de vulnerabilidade social. Os
resultados indicam que a leitura faz parte da vida cotidiana dos jovens, uma vez que
os mesmos expressam interesse e iniciativa em ter contato, dentro e fora da Casa,
com livros e informações em geral. Contudo, o acesso à leitura é dificultado em seus
cotidianos por vários motivos, tais como: ausência de bibliotecas públicas;
equipamentos e espaços culturais públicos inadequados, ou por demais suntuosos,
em relação à realidade social em que estes jovens estão inseridos. O não acesso à
informação configura-se mais pela falta de acervo adequado nas bibliotecas,
associado ao alto custo para a aquisição de livros e outros documentos, do que a
falta de interesse pela prática da leitura.
Palavras-chave: Leitura. Juventude. Equipamento cultural. Biblioteca.
1 INTRODUÇÃO
É a partir da observação do mundo, do nosso cotidiano e de nossas
experiências, que surge o interesse e, também, a urgência de refletir sobre a prática
de leitura e os processos educativos, especificamente em comunidades
reconhecidas socialmente como “populares” ou de “baixa renda”.
No atual momento em que vivemos, de constantes transformações
tecnológicas e informacionais, muito se discute sobre leitura, Internet, novos
suportes dos documentos e a constante ameaça do término dos livros impressos.
1 Mestre em Memória Social e Bens Culturais, pelo Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil
E-mail: jaciragb@ufrgs.br
2 Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul com estágio na
Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Professora nos Cursos de Psicologia e
Pedagogia e professora-pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens
Culturais do Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil. E-m ail: alineaccorssi@gmail.com
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Estar “sempre acessível e conectado”, segundo Dupas (2007), é quase uma
obrigação e nos sentimos culpados quando assim não procedemos. Neste sentido,
mesmo que a “revolução digital” tenha mudado a forma como nos relacionamos e/ou
acessamos a informação, é preciso reconhecer que grande parcela da população
brasileira ainda se encontra à margem das novas tecnologias e à margem do acesso
à informação. Sem poder adquirir equipamentos eletrônicos, livros, revistas e jornais,
os grupos socioeconômicos desfavorecidos podem recorrer a espaços públicos
como bibliotecas, casas de cultura ou outros locais disponíveis para a sua inserção
cultural. Mas não é o que acontece.
Não é fácil ter acesso à leitura, aos livros e à informação: de um modo geral
bibliotecas escolares são deficitárias, acervo escasso, sem estrutura física, quando
existem. Bibliotecas públicas se apresentam de forma inacessível, seja pela
localização, longe da periferia e/ou suntuosas, o que afasta e assusta muitas
pessoas ou pela sua inexistência. Quando existe um espaço de leitura, a população
não o utiliza, não se apropria daquele local porque possivelmente não é adequado a
sua realidade, não é adaptada ao seu dia a dia, não é moderno e “inovado” o
suficiente.
Frente às novas necessidades do mundo contemporâneo, como podemos
compreender o papel da leitura, das bibliotecas e, até mesmo, daqueles que nelas
trabalham? A realidade em que estão inseridas envolve não somente novas
tecnologias, mas também novas formas de oferecimento do acesso, novos espaços
de leitura, a busca ao usuário ausente, através da promoção da leitura, e uma nova
visão social de seus papéis. Além disso, um espaço de leitura e acesso a
informação será o mesmo independentemente da idade e interesses dos usuários?
Pensamos que não. Precisamos conhecer as demandas daqueles que acessam
as bibliotecas, bem como dos usuários potenciais, a fim de possibilitar experiências
significativas no campo educacional.
Nosso objetivo, portanto, é refletir e discutir os sentidos e significados da
leitura e da informação de jovens residentes de uma comunidade periférica da
cidade de Canoas/RS. Consideramos a temática relevante, pois, a partir de nossa
experiência, notamos que é necessário muito mais do que simplesmente entregar
um livro a um usuário de biblioteca ou disponibilizar uma informação nas mídias. É
preciso a tomada de consciência, não por parte dos usuários, mas de todos os
cidadãos, de seus direitos e a inclusão informacional como forma de luta pela

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