Licitação

AutorWander Garcia
Páginas361-417
CAPÍTULO 12
LICITAÇÃO
12.1. FINALIDADES OU OBJETIVOS
A Administração Pública, para cumprir suas tarefas, precisa realizar muitos con-
tratos. A maior parte deles envolve aquisição de bens, serviços e obras. Mas há também
situações em que a Administração aliena bens ou faz permissões e concessões.
No entanto, é fundamental que a Administração Pública, previamente à contratação,
siga um procedimento destinado a preservar certos princípios. Esse procedimento tem o
nome de licitação.
A Lei 8.666/1993, em sua redação original, dispunha que a licitação tinha por finali-
dade atender aos seguintes objetivos (art. 3º, caput): a) garantir a observância do princípio
da isonomia; b) garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a administração.
A simples existência de um processo de licitação já evita que interessados em con-
tratar com a Administração Pública sejam excluídos dessa possibilidade, o que preserva o
princípio da igualdade. Além disso, a existência de concorrência entre interessados, por si
só, já é capaz de obrigá-los a formular a mais vantajosa proposta possível, o que atende ao
princípio da indisponibilidade do interesse público.
Mas como tais finalidades da licitação devem ser buscadas da maneira mais efetiva
possível, não basta que a licitação seja procedimento obrigatório para contratações da Ad-
ministração Pública. É necessário, também, que todas as regras do procedimento sejam
direcionadas ao máximo atendimento desses objetivos.
Um exemplo de regra que visa a garantir o princípio da isonomia é a que veda a
criação de requisitos de habilitação que não estejam dispostos no art. 27 e seguintes da Lei
Um exemplo de regra que visa a garantir a proposta mais vantajosa para a Adminis-
tração é a que estabelece, na modalidade pregão, que os licitantes, depois de apresentadas
suas propostas, terão oportunidade de fazer lances verbais com vistas a se chegar a melhor
proposta possível (art. 4º, VIII, da Lei 10.520/2002).
A Lei 12.349/2010 alterou o art. 3º, caput, da Lei 8.666/1993, criando uma terceira
finalidade para a licitação, qual seja: promover o desenvolvimento nacional sustentável.
Exemplo de regra que visa a promover o desenvolvimento nacional sustentável é a
que estabelece que, em caso de empate, terão preferência as propostas relativas a bens e
serviços produzidos no País (art. 3º, § 2º, II, da Lei 8.666/1993).
Em resumo, a licitação tem três finalidades: a) garantir a isonomia; b) garantir a pro-
posta mais vantajosa para a administração; c) promover o desenvolvimento nacional sus-
tentável.
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12.2. LEGISLAÇÃO
A regra-matriz da licitação encontra-se no art. 37, XXI, da Constituição Federal,
in verbis: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igual-
dade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações”
Repare que a regra-matriz traz, pelo menos, os seguintes princípios licitatórios:
a) princípio da obrigatoriedade da licitação, pelo qual qualquer contrato deve ser
por ela precedido, ressalvados os casos especificados na lei;
b) princípio da isonomia, pelo qual se deve assegurar “igualdade de condições a
todos os concorrentes”, bem como só se permitirá exigências de qualificação “indispensá-
veis à garantia do cumprimento das obrigações, de modo a garantir que interessados na
licitação não sejam excluídos sem justa causa;
c) princípio da indisponibilidade, pelo qual só se permitirá exigências de qualifi-
cação “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, o que garante o maior
número possível de licitantes, medida que tende a fazer com que haja maior concorrência
e, consequentemente, melhores propostas;
d) princípio da proporcionalidade, também decorrente da ideia de que só se permi-
tirá exigências de qualificação “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações,
o que faz com a Administração não faça exigências que não sejam estritamente necessárias
para cumprir as finalidades do processo de licitação;
e) princípio do devido procedimento administrativo, pelo qual as contratações da
Administração devem ser feitas mediante processo de licitação pública, o que faz com que
fique reduzida a discricionariedade da Administração, que deve seguir ritos e regras pre-
vistos em lei.
Uma vez estabelecida a regra-matriz da licitação, a Constituição Federal tratou de
dispor sobre quem tem competência para legislar nessa matéria. Nesse sentido, o art.
22, XXVII, da CF estabelece que compete privativamente à União legislar sobre “normas
gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas
diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obe-
decido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia
mista, nos termos do art. 173, § 1º, III.
Assim, a CF elegeu a União como responsável, privativamente, pela edição de nor-
mas gerais sobre licitação.
Normas gerais sobre licitação são aquelas que tratam de questões que reclamam tra-
tamento homogêneo em todo o País. Já as normas especiais sobre licitação são aquelas que
tratam de questões que requerem tratamento peculiar no âmbito do ente local ou aquelas que
envolvam a operacionalização da aplicação da lei geral no ente local.
Argumentando ofensa à competência da União, o STF entendeu inconstitucional
uma lei do Distrito Federal que criava, no âmbito da licitação, restrições a empresas que
discriminarem na contratação de mão de obra (ADI 3.670, DJ 18.05.2007). O Pretório
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Capítulo 12 • Licitação 353
Excelso também entendeu inconstitucional lei do estado do Rio Grande do Sul que criava,
também no âmbito da licitação, preferência a licitantes que usassem softwares livres ou
sem restrições proprietárias (ADI 3.059, DJ 20.08.2004).
Por outro lado, na ADI 927, o STF entendeu que as disposições da Lei 8.666/1993
que tratam da doação de bem imóvel e da permuta de bem móvel têm aplicação apenas à
União, já que as questões relativas ao destino de bens públicos estão ligadas ao autogover-
no dos demais entes políticos quanto ao seu patrimônio público, envolvendo questão de
interesse local a justificar certas normas especiais por parte destes.
Outra decisão do STF a favor de lei local considerada constitucional em face da com-
petência da União para editar normas gerais sobre licitação foi a que aprovou legislação
municipal que proibia agentes políticos e seus parentes de contratar com o município. As-
severou-se que, diante das leis gerais da União, estados e municípios podem legislar para
complementar tais normas e adaptá-las às suas realidades. O STF também assentou que a
referida norma municipal foi editada com base no art. 30, II, da CF, e em homenagem aos
princípios da impessoalidade e moralidade administrativa, bem como com prevenção a
eventuais ao interesse público e ao patrimônio do município, sem restringir a competição
entre os licitantes (RE 423560/M, j. 29.05.2012).
Outro ponto importante sobre o disposto no art. 22, XXVII, da CF é o fato de ter sido
feita uma ressalva para as empresas públicas e sociedades de economia mista, que deve-
riam obedecer ao art. 173, § 1º, III, da CF, introduzida pela EC 19/1998.
Esse dispositivo tem o seguinte teor: “§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da
empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços,
dispondo sobre: (...) III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública.
Essa lei somente sobreveio no ano de 2016 (Lei 13.303/2016, que trata da licitação e
dos contratos das empresas estatais nos arts. 28 e seguintes). Assim, durante mais de 20
anos as estatais tiveram que obedecer às normas da Lei 8.666/1993, sendo que agora de-
vem obediência à Lei 13.303/2016, que traz regulamentação extensa e detalhada de tudo
que envolve a licitação e os contratos das empresas estatais, de modo que a Lei 8.666/1993
não deve ser mais aplicada, salvo quanto à sua regra de transição (prazo de 24 meses para
adaptação de regras e aplicação da lei anterior a licitações e contratos iniciados ou celebra-
dos até o final desse prazo) e nas exceções trazidas na novel lei, como no caso de aplicação
das normas penais previstas na Lei 8.666/1993 (art. 41).
O art. 175 da CF também trata do instituto da licitação quando dispõe que a conces-
são e a permissão de serviços públicos devem se dar “sempre através de licitação”.
Resta, agora, tecer umas palavras sobre a licitação na legislação infraconstitucional.
Nesse sentido, confira as principais leis que fazem referência ao instituto:
a) Lei 8.666/1993, a mais importante delas, traz normas gerais sobre licitações e
contratos da Administração Pública;
b) Lei 10.520/2002, que trata da licitação na modalidade pregão; o Decreto
3.555/2000 regulamenta o procedimento do pregão na esfera federal; o Decreto 5.450/05
define o procedimento a ser adotado no pregão eletrônico;
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