Liderança e Cultura: Tradição e Renovação da Pesquisa

AutorOtacílio Torres Vilas-Boas, Eduardo Davel, Flávia de Souza Costa Cavazotte
Páginas138-154
Otacílio Torres Vilas-Boas • Eduardo Davel • Flávia de Souza Costa Cavazotte
R C A
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
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RESUMO
Liderança e cultura são fenômenos sociais inseparáveis. Não
existe liderança sem cultura. A liderança é em si uma expressão
cultural e intercultural, que envolve questões e embates rela-
cionados a líderes e seguidores nos mais variados contextos or-
ganizacionais, regionais, nacionais e internacionais. No entanto,
as pesquisas sobre liderança e cultura ainda são conduzidas de
forma segmentada e fragmentada nos trabalhos acadêmicos,
carecendo de uma sistematização mais robusta. Por causa do
signicativo aumento nas relações interculturais e do excessivo
enfoque nos líderes, torna-se imprescindível conhecermos e
discutirmos as inovações em tais pesquisas. O objetivo deste
artigo consiste em levantar as diferentes vertentes de pesquisa
sobre a relação entre liderança e cultura, proporcionando uma
visão de conjunto sobre o campo, e apontar perspectivas para
trabalhos futuros. Para tanto, foi feita uma revisão das pesqui-
sas existentes sobre liderança e cultura. Os trabalhos encon-
trados foram categorizados, analisados e novas perspectivas
foram debatidas. Em particular, este trabalho ressalta o papel
da liderança no contexto da diversidade cultural e da prática
cultural como importantes vetores para reexão e produção
de pesquisas futuras.
Palavras-chave: liderança; cultura organizacional; diversidade
cultural; interculturalidade; prática cultural.
ABSTRACT
Leadership and culture are inseparable social phenomena.
There is no leadership without culture. Leadership is itself a cul-
tural and cross-cultural activity, dealing with cultural issues and
struggles related to leaders and followers in the most varied
organizational, regional, national and international contexts.
However, research on leadership and culture is still conducted
in a segmented and fragmented manner in the academic
works, lacking a more robust systematization. Because of the
signicant increase in intercultural relations and the excessive
focus on leaders, it becomes imperative to know and discuss
the innovations in such research. This article aims to bring
together dierent research streams about the relationship
between leadership and culture, providing an overview of the
eld, and to point out pesrpectives for future work. For that, a
literature review involving leadership and culture was done.
The works found were categorized, analyzed, and new pers-
pectives were discussed. In particular, this article highlights
the role of leadership in the context of cultural diversity and
of cultural practice as important vectors for reection and
production of future research.
Keywords: leadership; organizational culture; cultural diver-
sity; cross-culturality; cultural practice.
LIDERANÇA E CULTURA: TRADIÇÃO
E RENOVAÇÃO DA PESQUISA
Leadership and Culture: Tradition and Renewal of Research
Otacílio Torres Vilas-Boas
Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia.
Salvador, BA. Brasil. e-mail: otaciliotorres@hotmail.com
Eduardo Davel
Pós-doutor em Adm. pela Nova School of Business and Economics
da Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Professor na Escola de
Administração da Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA. Brasil.
e-mail: davel.eduardo@gmail.com
Flávia de Souza Costa Cavazotte
Professora de Administração e Liderança do IAG-PUC Rio. Ph.D.
em Administração pela Virginia Commonwealth University.
Rio de Janeiro, RJ. Brasil. e-mail: flavia.cavazotte@iag.puc-rio.br
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2018V20n52p138
Recebido em: 27/09/2017
Revisado em: 05/12/2018
Aceito em: 26/02/2019
Liderança e Cultura: Tradição e Renovação da Pesquisa
Revista de Ciências da Administração • v. 20, n. 52, p. 138-154, Dezembro. 2018 139
R C A
1 INTRODUÇÃO
O campo de estudos sobre liderança e cultura é
amplo e multifacetado, cenário onde algumas pers-
pectivas isoladas alcançaram destaque (e.g., HOUSE
et al., 2004; SCHEIN, 1992). Com base nas ideias
propostas nesse campo, é possível armar que não
existe liderança sem cultura. A liderança é em si
uma expressão cultural e intercultural, que envolve
questões e embates relacionados a líderes e seguidores
nos mais variados contextos organizacionais, regio-
nais, nacionais e internacionais. A liderança parece
exigir uma sintonia na entre o líder e a cultura na
qual ele atua (e.g., LEONG; FISCHER, 2011), que
viabiliza sua comunicação e sua capacidade de ins-
pirar e engajar seguidores (e.g., HOUSE et al., 2004).
Por outro lado, líderes são frequentemente descritos
como criadores, gestores e destruidores de culturas
(e.g., SCHEIN, 1992). Compreender como estes dois
fenômenos sociais são inseparáveis, na prática, torna-
-se essencial para o estudo da liderança e para avançar
o conhecimento nesse campo. Com a intensicação
das trocas entre organizações de diferentes nações e
com a maior diversidade cultural dentro das organi-
zações contemporâneas (BASS; BASS, 2008), melhor
compreender a relação entre liderança e cultura é uma
tarefa incontorn ável.
Nas últimas décadas, muitos trabalhos têm
tratado dessa questão (BASS; AVOLIO, 1993; BRO-
DBECK; EISENBEISS, 2014; CHROBOT-MASON;
RUDERMAN; NISHII, 2014; HOUSE et al., 2004;
LEONG; FISCHER, 2011; PFEFFER, 1981; SCHEIN,
1992; SMIRCICH; MORGAN, 1982, 1997; SMITH;
PETERSON; SCHWARTZ, 2002; TRICE; BEYER,
1991). No entanto, as pesquisas sobre liderança e cul-
tura – que abrangem principalmente a relação entre
liderança e cultura organizacional, a ação cultural
presente na liderança e as características e compor-
tamentos dos líderes em diferentes culturas nacio-
nais – ainda são apresentadas de forma segmentada
e fragmentada nos trabalhos acadêmicos, carecendo
de uma sistematização mais robusta. Por causa do
signicativo aumento nas relações interculturais e
do excessivo enfoque nos líderes, torna-se impres-
cindível conhecermos e discutirmos as inovações
em tais pesquisas.
O objetivo deste artigo consiste em levantar
as diferentes vertentes de pesquisa sobre a relação
entre liderança e cultura, proporcionando uma visão
de conjunto sobre o campo, e apontar perspectivas
para trabalhos futuros. Para a revisão de literatura, a
metodologia incluiu a busca simultânea dos termos
liderança e cultura nos títulos de artigos acadêmicos
brasileiros e internacionais, nos idiomas português
e inglês. Foram consultadas as bases SciELO, SPELL,
JSTOR, SAGE Journals e EBSCO, que contemplam os
mais relevantes periódicos do campo estudado. Hou-
ve também a pesquisa de livros, com a utilização dos
mesmos termos, por meio da Amazon.com, principal
fonte para tal busca. Dessa forma, adotando-se como
referência as publicações na segunda metade do sécu-
lo XX e no século XXI, foram encontrados, analisados
e selecionados mais de trezentos trabalhos. Na análise
dos textos selecionados, os tópicos pesquisados foram
listados e, em seguida, conjuntos de tópicos ans
foram categorizados em temas e subtemas.
Este artigo está estruturado da seguinte forma.
Após esta introdução – contemplando apresentação
do tema, objetivos e metodologia –, são trazidos, em
relação ao estudo conjunto de liderança e cultura, os
resultados referentes à análise da tradição de pesquisa
(seção 1) e da sua renovação (seção 2). Em seguida, os
resultados obtidos são discutidos (seção 3). Por m,
conclui-se a pesquisa. Em particular, este trabalho
ressalta o papel da liderança no contexto da diversi-
dade cultural e da prática cultural como importantes
vetores para reexão e produção de pesquisas futuras.
2 LIDERANÇA E CULTURA:
TRADIÇÃO DE PESQUISA
No campo dos estudos organizacionais, o
conceito de cultura tem sido tratado em dois níveis
distintos: o da cultura organizacional e o da cultura
social. O conceito de cultura organizacional parte
de uma abordagem social-antropológica focada
na noção de cultura como conjunto de princípios
compartilhados que regem grupos que compõem
organizações. Culturas organizacionais diferenciam
e caracterizam o modus operandi dessas organiza-
ções enquanto coletivos formalmente estruturados
(SCHEIN, 1992). Estudos organizacionais também

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