Limites da responsabilidade trabalhista do sócio retirante

AutorLuciana Maria Taborda Ramos Moletta
Páginas31-37

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A responsabilidade trabalhista do sócio retirante, ou seja, do sócio que se retirou da sociedade, tem sido um tema de grande embate nos tribunais, devido à precariedade de legislação que viesse regular de forma precisa e objetiva esse tema. Isto tem criado um vasto material de discussão, seja no que tange a segurança jurídica dos negócios, em confronto com o caráter alimentar dos créditos trabalhistas, além de como e em quais parâmetros, o julgador se apoia para incluir o sócio retirante na lide. Em outra via, está também a defesa do ex-sócio perante o exíguo prazo em que este participa da lide, tendo ultrapassado a fase de cognição e somente alcançando a possibilidade de defesa já em fase de execução.

O que vinha sendo respaldado pelos artigos 1.003 e
1.032 do Código Civil, bem como sua repercussão na seara trabalhista, e que era uma das justificativas para inclusão do sócio retirante na execução trabalhista, tem agora um novo embasamento legal, um novo caminho, por ocasião da entrada em vigor da Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017. Analisando qual vem sendo a defesa adotada sobre a aplicação daqueles artigos ajudar-se-á a perceber como esta alteração recente afetará os processos em curso e futuros.

1. Segurança jurídica

O Direito do Trabalho tem como seu princípio primordial a proteção e a garantia da dignidade do trabalhador, o qual está inserido como parte de um Sistema Constitucional em que se integram muitas outras garantias fundamentais, tais quais a livre iniciativa, o contraditório, o devido processo legal e principalmente a segurança jurídica. Sem que haja preferência de uma garantia em favor de outra, deve sim existir uma conciliação, muitas vezes somente determinável na análise do caso concreto, visto a dificuldade de valoração quando ocorre um conflito entre garantias fundamentais.

Diante da colisão entre a necessidade de garantir os créditos trabalhistas e a proteção dos bens patrimoniais do ex-sócio, o Direito do Trabalho tem privilegiado os créditos trabalhistas, devido a sua natureza alimentar e da proteção ao trabalhador, sendo este o principal argumento utilizado pelos tribunais, para considerá-los acima da livre iniciativa e da limitação de responsabilidade das sociedades. Esta proteção ao trabalhador, cuja aplicação encontra amparo no artigo 8º da CLT, não é o único fator determinante, a ele soma-se a insuficiência de bens da empresa para garantir o pagamento ao trabalhador, anteriormente somente isto, dava assim respaldo para subsidiariamente aplicar a norma estabelecida no Código Civil, art. 502, que prevê a extensão de responsabilidade aos sócios. Como para o Direito do Trabalho os requisitos das normas do Código Civil não necessitam ser comprovados, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho se dá na sua vertente objetiva.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, os princípios gerais do direito se irradiam por todo o ordenamento, e têm importância inegável para o Direito do Trabalho. Mesmo admitindo essa ligação, os princípios gerais do direito devem ser sopesados com as linhas diretrizes mestras do Direito do Trabalho, portanto, devem sofrer uma adequação. Entretanto, existe entendimento que estabelece limites baseados na própria segurança jurídica, para a desconsideração da personalidade jurídica frente aos ex-sócios, o que pode ser exemplificado pelo seguinte acórdão do TRT 15ª Região:

“EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. LIMITE TEMPORAL DA RESPONSABILIDADE DO EX-SÓCIO:
2 ANOS. CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 1.003, PARÁGRAFO ÚNICO; E ARTIGO 7º, XXIX, DA C.F.A responsabilidade do sócio que se retira da sociedade sobrevive por dois anos, que é o prazo de prescrição da reclamação trabalhista (artigo 7º, XXIX, da CF) e também da responsabilidade do cedente de quotas sociais (parágrafo único, do artigo 1.003, do Código Civil).

Dessa forma, quando se dá a desconsideração da personalidade jurídica, autorizando-se o ataque ao patrimônio dos sócios, somente se pode atingir os sócios atuais ou, então, aqueles que da sociedade se despediram há menos de dois anos. Sem o respeito a esse intervalo, pela via que se mostra transversa da desconsideração, estará sendo descumprido o parágrafo único do artigo 1.003 do Código Civil. O desespero que se revela na procura da satisfação dos julgados, que representa a proteção de um interesse individual, acerca de direito patrimonial e, portanto, disponível, há de ser devidamente temperado com a preservação da segurança jurídica, que, essa sim, é de natureza coletiva e, pois, indisponível. Por conta disso, são merecedoras de respeito as situações consolidadas, entre as quais se coloca o direito que da cessão de quotas de uma sociedade decorre para o cedente, que não pode ficar eternamente submetido a responsabilidades que nasceram após o seu afastamento, nem colocar em risco interesses de terceiros que com ele tratam.” (TRT da 15ª Região. AP 0000437-87.2010.5.15.0118. 6ª Turma. OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI. DJ 04.03.2011) (grifo nosso)

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2. Desconsideração da personalidade jurídica

É de grande importância discorrermos acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, motivo este pelo qual a efetiva aplicação dessa teoria propicia o alcance do patrimônio pessoal dos sócios e ex-sócios da sociedade.

Essa teoria foi introduzida em nosso país buscando separar o patrimônio da sociedade dos bens pessoais dos sócios, no intuito de salvaguardar direitos contra a efetivação de fraude ou o abuso de direito. Sendo assim, caso haja abuso de direito e fraude, ou os dois comportamentos por parte dos sócios, não poderá o mesmo abrigar-se na figura da personalidade jurídica da empresa, sendo essa teoria garantidora do alcance do sócio, no que diz respeito ao seu patrimônio pessoal.

De forma brilhante, o jurista Rubens Requião introduziu no Brasil a disregard doctrine. Em maneiras gerais, disregard of legal entity, assim também conhecida, visa alcançar de forma objetiva a execução dos bens dos sócios que fazem parte dessa sociedade, no momento em que a figura da empresa, ou seja, da pessoa jurídica vier dificultar a devida obtenção de créditos dos portadores desse direito. Ou seja, uma verdadeira quebra entre bens da empresa e bens do sócio.

Não se pode olvidar que o interesse pelos juristas em introduzir e positivar tal teoria está embasado no fato das inúmeras fraudes que deliberadamente em nome dessa outorga da proteção da pessoa jurídica, aconteciam desveladamente. Não há como se negar, que a dose aplicada tem que ser proporcional ao dano causado, portanto, há que se entender a magnitude dessa teoria e sua eficácia, porém, dentro dos limites de sua aplicação.

A questão então enfrentada, sobre a possibilidade de lançar mão ao patrimônio pessoal do sócio, em casos que a desconsideração abaliza, não deixa de ter um caráter disciplinador, ou pelo menos, de grande cuidado da empresa na figura de seus sócios. Já que, sabendo eles, que seus bens pessoais podem ser alcançados por má condução/administração, de sua pessoa jurídica, terão então, oportuni-dade precoce de tentar minimizar danos a si e a terceiros.

Portanto, independente da boa e correta aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, e claro, o que se deve é buscar a sua correta aplicação, dentro dos limites que a lei estabelece e do bom senso pelo julgador, não se pode contestar a sua eficiência, na busca de elidir fraudes, e seu caráter amplo, atingido diretamente à variedade de fraudes existentes. Observe-se o entendimento do respeitado jurista Rubens Requião (1969:17)3, objetivamente, sobre a desconsideração :

(...) “com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude).”

Essa teoria está positivada no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), estando presente em várias normas de nosso ordenamento jurídico, como Código Civil, entre outras.

Vejamos o disposto no Código de Defesa Do Consumidor, acerca da teoria supra citada:

“Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de...

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