Limites à patenteabilidade em biotecnologia médica

AutorMiguel Patrício
Ocupação do AutorProfessor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas23-41
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LIMITES À PATENTEABILIDADE
EM BIOTECNOLOGIA MÉDICA1
Miguel Patrício(*)
A
NtES DE
proceder à análise das fronteiras da patenteabilidade em bio-
tecnologia médica, convirá denir alguns conceitos necessários à com-
preensão da mencionada análise.
1.1. Sumário de denições prévias
Apesar de a expressão ter surgido apenas em 1919 (pelo húngaro -
roly Ereky2), a “biotecnologia” representa um conjunto de tecnologias biológicas
com antecedentes milenares, bastando pensar, p. ex., na suposta descoberta
da fermentação alcoólica pelos chineses no sétimo milénio antes de Cristo3.
Não existem, contudo, denições técnicas seguras sobre o que, atual-
mente, se deve entender por “biotecnologia”. Na falta de melhor alterna-
tiva, pode recorrer-se, por exemplo, ao art. 2º da Convenção das Nações
Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5/6/1992, segundo o qual a
“biotecnologia” abarca qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas
1 O presente texto corresponde à versão escrita da participação em conferência sobre Bio-
ética realizada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em Janeiro de 2013.
(*) Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
2 Ver: FÁRI, M. G.; KRALOVÁNSZKY, U, p. XXX “The founding father of biotechnology:
Károly (Karl) Ereky”, in: International Journal of Horticultural Science, 12 (1), 2006, p. 9-12.
3 McGOVERN, Patrick E. et al “Fermented beverages of pre – and proto-historic China”, in:
PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences USA), 101 (51), 2004, p. 17593-17598.
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RICARDO PINHA ALONSO / LUIZ FERNANDO KAZMIERCZAK (
Orgs.)
biológicos, organismos vivos ou derivados, no fabrico ou modicação de
produtos ou processos que envolvam “matéria biológica”, tendo em vista
uma utilização especíca.4
Para se perceber plenamente esta denição, convém, também, perceber
o que se entende por “matéria biológica”. Nesse sentido, pode fazer-se uso
do que dispõe o art. 2º, n. 1, al. a), da Diretiva 98/44/CE, de 6/7, relativa à
proteção legal de invenções biotecnológicas, segundo o qual a “matéria bioló-
gica” é qualquer matéria que contenha informações genéticas e que seja auto
-replicável ou replicável num sistema biológico (p. ex.: células, tecidos, linhas
celulares, microorganismos, proteínas, antigénios, enzimas, ácidos nucleicos
ou seus fragmentos, genes, ou vegetais geneticamente modicados).
Outra denição que pode ser útil é a de “biotecnologia médica”. Sinte-
ticamente, pode armar-se que é a “biotecnologia aplicada à área da saúde”,
o que signica que inclui: a) as tecnologias que envolvem manipulação de
células, tecidos, órgãos ou todo o organismo; b) as tecnologias que envol-
vem a identicação do funcionamento do ADN, proteínas e enzimas e sua
relação com a doença e com a manutenção do bem-estar (é o caso, por
exemplo, das tecnologias de diagnóstico genético e das intervenções basea-
das em terapêutica genética ou em farmacogenomas); e c) as tecnologias
que usam biomateriais (implantes médicos, bio-chips, bio-sensores e dispo-
sitivos similares).
Outra denição potencialmente útil é a de “invenção biotecnológica
médica”. Embora não haja uma denição desta (ou de “invenção biotec-
nológica), tanto na EPC 2000 (European Patent Convention), como no CPI
(Código da Propriedade Intelectual português), pode-se, no entanto, dizer-se que
a “invenção biotecnológica médica” é uma “invenção biotecnológica” que
visa aplicar tecnologia às áreas da saúde e da medicina.
Note-se, ainda, que é habitual distinguir, no contexto da biotecnologia, 5
ramos: a biotecnologia “verde” (aplicada a processos agrícolas), a “azul” (aplicada
a processos de aquicultura), a “vermelha” (aplicada a processos médicos) e a “branca”
(aplicada a processos industriais, em especial que envolvam microorganismos e bio-
materiais), para além da bioinformática (que faz uso de técnicas bio computacionais).
4 Essa utilização especíca pode incluir inúmeras possibilidades. Por exemplo, e falando ape-
nas de microorganismos: a produção de vinagre por fermentação acética do vinho (por
aceto-bactérias); a produção de insulina humana biossintética, derivada de ADN recombinan-
te (com instruções para expressar a proteína pró-insulina) de bactérias Escherichia coli; ou a
produção de detergentes para higienização hospitalar a partir de bactérias produtoras de
enzimas proteases (Bacillus subtilis).
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