Limites e possibilidades da contratualização dos alimentos
Autor | Maria Goreth Macedo Valadares e Glisia Maris Macedo Vilaça |
Páginas | 131-147 |
LIMITES E POSSIBILIDADES DA
CONTRATUALIZAÇÃO DOS ALIMENTOS
Maria Goreth Macedo Valadares
Advogada Sócia do Escritório Câmara e Valadares Advogados Associados, especialista
em Direito das Famílias e das Sucessões. Doutora, mestre e especialista em Direito
Privado pela PUC Minas. Professora da PUC Minas e do IBMEC.
Glisia Maris Macedo Vilaça
Advogada formada pela PUC Minas.
Sumário: 1. Introdução – 2. Alimentos: noções gerais e fundamentos; 2.1. Alimentos decor-
rentes do dever de sustento; 2.2. Alimentos decorrentes da obrigação alimentar – 3. Limites
da contratualização dos alimentos e a possibilidade de exibilização – 4. Conclusão –5.
Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Os alimentos podem ser exigidos com base no princípio da dignidade da pessoa
humana, assim como no princípio da solidariedade familiar, constituindo verbas
necessárias para a subsistência do alimentando, conforme as condições econômicas
do alimentante. Dentre várias características se destacam o caráter personalíssimo
e a irrenunciabilidade. Questão que se coloca de forma tormentosa diz respeito ao
limite e a possibilidade do exercício da autonomia privada quando da fixação dos
alimentos. Estariam credores e devedores livres para regulamentarem suas próprias
regras no que diz respeito à obrigação de prestar alimentos? Ao longo do trabalho
demonstrou-se através da jurisprudência que há uma tendência a se relativizar algu-
mas características até então intangíveis, muitas vezes com o objetivo de respeitar a
autonomia dos envolvidos, respeitando-se o acordo formulado, no que diz respeito
à forma, valor e em alguns casos, o período da prestação alimentícia.
2. ALIMENTOS: NOÇÕES GERAIS E FUNDAMENTOS
Os alimentos são tidos como tudo aquilo que é necessário para uma pessoa ter
uma existência digna, não se restringindo apenas à alimentação, moradia e vestuário,
uma vez que estes “devem proporcionar a satisfação das necessidades física, psíquica
e intelectual do ser humano” (ALMEIDA, R.B e JÚNIOR, W. E. R., 2010, pág. 415).
Vale ressaltar que existe distinção doutrinária entre alimentos naturais e civis,
classificando estes como os que “destinam-se a manter a qualidade de vida do credor,
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GLISIA MARIS MACEDO VILAÇA E MARIA GORETH MACEDO VALADARES
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de modo a preservar o mesmo padrão de vida do alimentante” e aqueles como “so-
mente o que basta para manter a própria subsistência” (DIAS, M. B., 2013, pág. 22).
Porém, como será melhor demonstrado mais à frente, tal classificação deixou
de possuir grande relevância após o advento da EC 66/10, que extinguiu a figura da
“separação judicial”, tornando a culpa, fator irrelevante para fins do divórcio. Dessa
forma, os artigos 1.7021 e 1.7042 do Código Civil de 2002, perderam sua aplicabili-
dade, já que “com o fim da separação judicial, se não existe mais fundamento para a
discussão da culpa em sede de divórcio, as regras do Código Civil atinentes ao paga-
mento de pensão alimentícia, que levem em conta esse elemento subjetivo, deverão
sofrer o impacto da Emenda” (GAGLIANO, P. S. e PAMPLINA F. R, 2017, pág 709).
O dever de prestar alimentos, no ordenamento jurídico brasileiro, pode ser origi-
nado em razão da lei, da vontade ou do cometimento de ato ilícito. Nos interessa aqui,
somente aqueles que se inserem no contexto do Direito das Famílias – derivados em
razão da lei, chamados de alimentos legítimos – devidos em função do parentesco,
do matrimônio ou da união estável.
A obrigação de manutenção de uma vida digna é atribuída ao próprio indivíduo
que deve tirar seu sustento dos proveitos de seu trabalho, podendo, no entanto,
recorrer a um terceiro para arcar com este ônus, em hipóteses específicas, quando
comprovada sua impossibilidade, parcial ou total, de suportar, sozinho, esse encargo,
evidenciando o caráter assistencial dos alimentos.
Nos primórdios das civilizações, a obrigação alimentar advinha apenas do dever
moral, sendo dessa forma, inexigível judicialmente (PEREIRA, A. P., 2007). Poste-
riormente, com o surgimento de legislações específicas, é que a obrigação alimentar
passou a constituir-se em um dever legal. No Brasil, considerando o modelo familiar
instituído pela Constituição de 1988, a referida obrigação sustenta-se no princípio da
solidariedade familiar3 que determina assistência recíproca entre parentes, cônjuges e
conviventes de união estável, com o objetivo de assegurar o direito fundamental à vida.
Sobre o princípio da solidariedade com ênfase na seara alimentar, destaca Maria
Celina Bodin de Morais:
1. Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, pres-
tar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.
2. Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obri-
gado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de
separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de ali- mentos, e não tiver parentes em
condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando
o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
3. O princípio da solidariedade familiar representa a superação do individualismo jurídico e traduz-se na
colaboração mútua entre os integrantes da família visando contribuir para o desenvolvimento da persona-
lidade e realização do indivíduo, assim como assegurar condições dignas para a existência dos membros
que a compõe, afinal como disposto na Constituição da República de 1988, art. 226, “A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”.
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