A linguagem dos direitos e os sensos de justiça entre populações vulneráveis moradoras de favelas
Autor | Marcus Cardoso (UNIFAP)/Carolina Barreto Lemos (UnB) |
Ocupação do Autor | Etnógrafo/Advogada e integrante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) |
Páginas | 264-284 |
264 • Sociedade, Direito & Justiça - Volume 7
A LINGUAGEM DOS DIREITOS E OS SENSOS DE JUSTIÇA ENTRE
POPULAÇÕES VULNERÁVEIS MORADORAS DE FAVELAS
Marcus Cardoso1 (UNI FAP)
Carolina Barreto Lemos2 (UnB)
Resumo: Malinowski (2003), Gluckman (2006), Bohannan
(1989), Geertz (2002) e Nader (1997) demonstraram que códigos,
leis, etc. reetem uma dada concepção de mundo. Soma-se a isto
que, mesmo dentro de uma sociedade, o Direito está sujeito a múlti-
plas signicações. O código pode ser único, mas a forma como ele é
vivido e pensado varia (ou pode variar) de acordo com o grupo so-
cial acompanhado. Sendo assim, para se entender as demandas por
direitos e os conitos que emergem da percepção de que eles estão
sendo desrespeitados, é necessário car atento ao universo signi-
1 Etnógrafo. Doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Gradu-
ação em Antropologia Social da Universidade de Brasília. Pós-doutorado
em Ciência Política pela UFMG (2019) e em Antropologia Social pela UnB
(2013-2014). Membro da Comissão dos Direitos Humanos da ANPOCS
- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
(2021-). Pesquisador associado ao Laboratório de estudos de Cidadania,
Administração de Conitos e Justiça, do Departamento de Antropologia
da Universidade de Brasília (CAJU/UnB) e ao Instituto de Estudos Com-
parados em Administração de Conitos (INCT-InEAC/UFF). Professor
do Programa de Pós-Graduação de Estudos em Fronteira da UNIFAP e
coordenador do Laboratório de Estudos Etnográcos e Antropologia do
Direito (LAET).
2 Advogada e integrante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura (MNPCT). Mestre em losoa pela Université Paris 1 Panthéon-
-Sorbonne (2010) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação de Direito
da Universidade de Brasília (2017). Pós-doutorado em Antropologia So-
cial pelo PPGAS/UnB (2017-2018 e 2019-2020). Pesquisadora vinculada
ao Instituto de Estudos Comparados de Administração Institucional de
Conitos (INCT-InEAC/UFF) e Laboratório de Pesquisa Cidadania, Ad-
ministração de Conitos e Justiça (CAJU/DAN/UnB), Coordenadora do
Fórum Latino-Americano de Antropologia do Direito (FLAD) no Brasil e
vice coordenadora do Laboratório de Estudos Etnográcos e Antropologia
do Direito (LAET/UNIFAP).
Carolina Lemos & Marcus Cardoso • 265
cativo dos envolvidos na situação. Neste artigo, abordo a correlação
entre concepções de direitos, insatisfações com a polícia e deman-
das por respeito, tal como foram apresentadas pelos moradores das
favelas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Este tipo de abordagem
permite-nos reetir sobre as possibilidades e desaos de projetos
inspirados na losoa do policiamento comunitário criados para
atuar em favelas e periferias, visto que leva em consideração quais
são as demandas e reclamações da população “alvo” destas iniciati-
vas.
Palavras-Chave: Sensos de justiça; direitos; cidadania; favelas
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas a linguagem dos direitos de cidadania
se capilarizaram nos mais diversos segmentos da sociedade brasi-
leira. Sociólogos e antropólogos apontam que, nos últimos anos, a
linguagem dos direitos individuais e de cidadania se difundiu, ad-
quirindo progressiva legitimidade (MACHADO, 2003; CARDOSO
DE OLIVEIRA, 2011a, 2011b; CARDOSO, 2010, 2012a, 2012b). A
forma por meio da qual as mais diversas minorias, como homos-
sexuais, negros, favelados, adeptos de religiões de matriz africana,
mulheres, etc. têm demandado direitos, inclusive recorrendo ao Su-
premo Tribunal Federal, aponta nesta direção
Neste cenário, o risco é, em nome do interesse de estudar
a penetração desta linguagem no conjunto da sociedade brasileira,
desconsiderar os contextos particulares onde ela ocorre, não com-
preendendo de forma adequada o conteúdo destas reivindicações.
Isto porque a linguagem dos direitos não é uniforme. Os chamados
direitos de cidadania estão sujeitos a signicações diversas que não
correspondem, necessariamente, ao previsto na lei positivada. Isto
não é novidade para a antropologia do direito, que tem demonstra-
do, a partir de pesquisas empíricas, que o direito e o conjunto de
normas que visa regular o comportamento dos membros de uma
sociedade, como diz Geertz (2002), é um saber local. Ou seja, códi-
gos e leis reetem uma dada concepção de mundo, como demons-
traram Malinowski (2003), Gluckman (2006), Bohannan (1989),
Nader (1997) e Cardoso (CARDOSO, 2014a, 2014b, 2014c; CAR-
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