Linguagem jurídica versus comunicação
Autor | João Zacharias de Sá |
Páginas | 29-30 |
Textos para Discussão - FGV DIREITO RIO 29
LINGUAGEM JURÍDICA VERSUS COMUNICAÇÃO
João Zacharias de Sá
Aos dezoito anos, ingressei no curso de graduação de Direito. Logo na primeira semana de
aula, foi pedido aos alunos o seguinte trabalho: ler o Hábeas Corpus n° 82.424/RS e proferir
uma decisão a respeito do caso, se colocando na posição de um Ministro do Supremo Tri-
bunal Federal. O Hábeas Corpus foi impetrado em favor do paciente Siegfried Ellwanger,
condenado a dois anos de reclusão por ter editado, distribuído e vendido ao público obras
anti-semitas de sua autoria. No entanto, o importante aqui não é o conteúdo do caso ou as
decisões dos Ministros, mas os termos utilizados em suas decisões.
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leio, lide, liminar, mandado de injunção, transitada em julgado, venias”. Estes são apenas
alguns exemplos dos termos que tiveram de ser decifrados ao longo do trabalho. Minha pri-
meira impressão foi a de que meu vocabulário era extremamente pobre, até o momento em
que me restou foi comprar um Dicionário Jurídico. A realização do trabalho só foi possível
incompreensíveis
empregados nas decisões dos Ministros.
A partir da minha experiência como estudante do primeiro período do curso de Direito, pre-
tendo demonstrar os obstáculos que devem ser enfrentados atualmente por aqueles que não
são operadores desta área e precisam lidar com um documento jurídico. É importante per-
ceber que a relação entre um documento jurídico e sua compreensão por um leigo, muitas
vezes, é um obstáculo a ser enfrentado. O encadeamento das palavras muitas vezes volta-se
contra sua própria função, que é permitir a comunicação. Dessa forma, a linguagem se torna
O fator que permite a perpetuação deste problema é a cultura lingüística enraizada na so-
ciedade brasileira. Construiu-se uma idéia de que falar bem é sinônimo de falar difícil. De
acordo com tal concepção, aqueles que se expressam de forma prolixa e rebuscada são con-
siderados os mais cultos, inteligentes e dignos de maior respeito. O vocabulário utilizado no
exercício da atividade jurisdicional acompanhou a ideologia do falar difícil, criando-se um
grupo de indivíduos cuja forma de comunicação o afasta do povo destinatário.
Diagnosticado o problema, uma das formas de solucioná-lo é, primeiramente, fazer uma
distinção entre palavras comuns e conceitos. Estes últimos não são passíveis de substi-
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