Liquidação da sentença trabalhista e o novo CPC - dialogando com as fontes

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas223-230

Page 223

I Liquidação de sentença no processo civil e no processo do trabalho: aspectos históricos e procedimentais

No presente artigo, buscamos descortinar os aspectos mais relevantes no que diz respeito à liquidação de sentença, como uma das fases do rito processual, com especial enfoque à realidade do processo laboral.

O rito da liquidação, cujo escopo essencial é o de definir o quantum debeatur, ou seja, quantificar a obrigação reconhecida no comando sentencial já qualificado pelo trânsito em julgado, foi compreendido de variadas formas ao longo dos tempos, seja doutrinária ou jurisprudencialmente.

Inicialmente, o instituto da liquidação de sentença chegou a ser percebido como processo incidental ao processo de execução, ideia que encontrou algum eco, sobretudo perante aqueles que defendiam, frente ao regramento legal então vigente, a plena autonomia entre os processos de conhecimento e de execução. Posteriormente, malgrado persistisse alguma divisão entre os estudiosos, passou a ser predominante a percepção da liquidação de sentença como um incidente do processo de execução, remanescendo apenas a esse a condição de processo autônomo.

Com a edição da Lei n. 11.232/2005, reformadora do código de processo civil de 1973, donde emergiu a figura do cumprimento de sentença, ascendeu a compreensão do processo como rito sincrético, com suas fases cognitiva e de cumprimento, tendo o instituto da liquidação deixado de integrar o Capítulo VI do Livro II (Do Processo de Execução), passando a integrar o Capítulo IX do Título VIII do Livro I (Do Processo de Conhecimento). Tal inteligência perdurou com o advento do Código de Processo Civil de 2015, sendo a liquidação de sentença apresentada no Capítulo XIV do Título I (Do processo Comum), na Parte Especial – Livro I (Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença).

Tal alteração, para além da mera localização do instituto no corpo da legislação codificada, representou autêntica mudança na essência da figura, alinhada à revolução ocorrida no seio do processo civil. Ao passo que anteriormente a liquidação era vista como incidente de apuração de valor a ser perseguido, em processo autônomo de execução já em curso, na nova ordem legal o instituto passou a ser entendido como fase essencial prévia ao início da efetivação do comando sentencial qualificado pelo trânsito em julgado; integrador desse, portanto.

Neste sentido, percebe-se a liquidação como fase da própria formação da coisa julgada, na medida em que lhe define os limites, balizando a própria atuação do Estado-Juiz na fase de cumprimento de sentença. Tal asserção é reforçada pelo conteúdo do art. 523 do CPC de 2015, que dispõe, in litteris:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez

Page 224

por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.
§ 2º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante.
§ 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.

Referido dispositivo, que veio a sepultar de vez controvérsia inicialmente instalada quanto ao momento de incidência da multa do art. 475-J do CPC de 1973, de natureza congênere à penalidade de seu § 1º, consolidou inarredavelmente a fase de acertamento da obrigação reconhecida no título executivo como definidora dos limites da própria coisa julgada, porquanto integrante de fase cognitiva do processo, razão pela qual somente após a definição do quantum debeatur pode o devedor ser compelido ao cumprimento da decisão. Idêntica linha foi adotada pelo legislador no regramento do cumprimento provisório de sentença (art. 520, § 2º, do CPC) e do protesto da sentença judicial transitada em julgado (art. 517 do CPC).

Em abono a tal conclusão, colhe-se a manifestação de Marcelo Abelha no excerto abaixo:

É justamente para os casos em que a norma jurídica está quase completa, enfim, para as situações em que nela existe uma incompletude de algum(ns) de seu(s) elemento(s), que existe a atividade jurisdicional liquidatória. Essa atividade é de natureza cognitiva, porém o objeto do conhecimento é parcial do ponto de vista horizontal, pois se restringe à obtenção do elemento faltante na norma jurídica quase concreta. O uso da atividade jurisdicional liquidatória de forma destacada e isolada é absolutamente anormal, pois a regra prevista no CPC é de que a norma jurídica concreta seja revelada em um só momento, em respeito à concentração da sentença. Normalmente, não se biparte a fase cognitiva em dois momentos, que é, v.g., o que ocorre na liquidação da sentença.

Por outro lado, o leitor poderia perguntar-se como e porque seria possível falar em “norma jurídica concreta” se, afinal de contas, não está completamente “concreta”. Realmente, não é exato falar em “norma jurídica concreta” se alguns de seus elementos não forem identifica-dos, enfim, se alguns dos itens do aspecto objetivo ou subjetivo da norma individualizada (quase individualizada) não estiverem completamente identificados.

Assim, se existe essa incompletude, é sinal de que a tarefa de identificação ou formulação da norma jurídica concreta que revelará o “direito exequendo” ainda não está acabada, devendo socorrer-se ainda de uma atividade cognitiva que terá por desiderato a identificação do(s) elemento(s) que estiver(em) faltando na norma jurídica quase completa.1

Portanto, conclui-se, no âmbito do processo civil, pela consagração do instituto da liquidação de sentença como pertencente da fase de conhecimento do processo, pensado esse como fenômeno sincrético, destinado à integração dos próprios limites da coisa julgada.

No que pertence ao processo do trabalho, entretanto, muito embora já tenha havido alterações legislativas no procedimento da liquidação de sentença (a última por meio da Lei n. 12.405/2011, que expressou a possibilidade de nomeação de perito contábil, para cálculos complexos), essa continua posicionada no Capítulo V (Da Execução) do Título X (Do Processo Judiciário do Trabalho), o que, ao menos do ponto de vista formal, a integra ao processo de execução, ou ao menos à fase de execução no processo trabalhista, caso reconhecida a incidência do sincretismo processual âmbito juslaboral.

Diante disso, no âmbito do Processo do Trabalho, há aqueles que defendem a liquidação de sentença ainda como pertencente ao processo de execução, em respeito ao texto legal. Neste sentido é a doutrina de Manoel Antônio Teixeira Filho, ainda sob o pálio do CPC de 1973, in verbis:

Para logo, devemos dizer que a Lei n. 11.232/ 2005 não se aplica ao processo do trabalho, no tocante ao deslocamento do procedimento da liquidação da sentença para o processo de conhecimento. Ademais, enquanto no processo civil a liquidação depende de iniciativa da parte (CPC, arts. 475-A, §§ 1º e 2º; 475-B; 475-D), no do trabalho ela pode ser promovida ex officio, exceto quando processada mediante artigos.

Embora a liquidação, do ponto de vista sistemático, integre a execução, sob o aspecto lógico

Page 225

ela figura como uma fase destinada a prepara a execução, a tornar exequível a obrigação contida no título judicial, seja precisando o valor da condenação ou individualizando o objeto da obrigação. A liquidação possui, portanto, caráter não apenas quantificante, mas também individuante. Título judicial, cuja execução se promova sem prévia liquidação – sem que esta fosse imprescindível –, é legalmente inexigível, rendendo ensejo a que o devedor argua a falta em seus embargos.2

De outra parte, há importantes vozes a defender que, já com a reforma da norma processual de 1973, o instituto da liquidação de sentença, mesmo no Processo do Trabalho, teria passado a compor a “fase” de conhecimento do iter processual. Neste sentido, vê-se a inteligência de Homero Batista Mateus da Silva:

Controverte-se, também, sobre a posição ocupada pela fase de liquidação, alguns a inserindo na fase de conhecimento e outra a enquadrando como o início da execução. A questão é desprovida de interesse especialmente no processo do trabalho, haja vista que este sempre se pautou pela unificação processual, sem necessidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT