Análise fílmica da obra 'Lixo Extraordinário': A dignidade como formação discursiva

AutorLucas Oliveira Canestri - Mozar José Brito - Marília Paula dos Reis Teixeira
CargoMestre em Administração. Membro do Núcleo de Pesquisa em Administração Pública e Gestão Social (UFLA) - Doutor em Administração. Professor na Universidade Federal de Lavras - In memoriam
Páginas106-130
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2013v14n104p106
Análise fílmica da obra “Lixo Extraordinário”: A dignidade como
formação discursiva
Film analysis of the Documentary "Waste Land": Dignity as a
discursive formation
Lucas Oliveira Canestri1
Mozar José Brito2
Marília Paula dos Reis Teixeira3
Resumo
O artigo é uma análise fílmica, que visa examinar dois diferentes discursos sobre o
trabalho de catação, presentes no documentário Lixo Extraordinário de Lucy Walker
(2011). A intenção do artigo é revelar a formação do discurso da dignidade do ofício
do catador de material reciclável, em contraponto ao discurso da indignidade da sina
do catador de lixo. Inicialmente, são feitas considerações sobre a natureza do
objeto-filme. Dessas considerações iniciais são extraídos três dimensões; (i)
filme/linguagem, (ii) subjetividade inevitável e (iii) filme/produção social. Em seguida,
discute-se os aspectos da atividade de catação e a semântica positiva e negativa
atribuída a este trabalho. O modelo de análise consorcia: a sociologia do filme, o
construcionismo e a análise crítica do discurso. Conclui-se que o discurso da
indignidade no contexto social oprime o discurso da dignidade no nível individual, e o
discurso da dignidade no contexto social não é garantia de sê-lo no nível individual.
Palavras-chave: Análise fílmica. Análise crítica do discurso. Construcionismo.
Representações do trabalho. Catadores.
Abstract
This article is a film analysis that aims to examine two different discourses about the
pickers’ job that are in the documentary: Waste Land by Lucy Walker (2011). The
goal of this article is to reveal the structure of the discourse about the dignity of the
job of the recyclable materials’ picker in contrast to the discourse of the indignity of
the trash picker. At first, we discuss the nature of the object-film. From these first
considerations are taken three dimensions: (i) film/language, (ii) inevitable
subjectivity and (iii) film/social production. Then we discuss the aspects of pickers
activity and the positive and negative semantics assigned to this job. The analysis
model associates; the sociology of film, the constructionism and critical discourse
analysis. We conclude that the discourse of indignity in the social context oppresses
the discourse of dignity in the individual level and the discourse of dignity in the social
context is not guaranteed to be in the individual level.
1 Mestre em Administração. Membro do Núcleo de Pesquisa em Administração Pública e Gestão
Social (UFLA). E-mail: canestri@gmail.com.
2Doutor em Administração. Professor na Universidade Federal de Lavras. E -mail:
mozarbrito@gmail.com.
3 In memoriam.
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
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Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, v.14, n.104, p.106-130 jan/jun 2013
Keywords: Film analysis. Critical discourse analysis. Constructionism.
Representations of the job. Pickers.
1. Introdução
Antes de adentrar no tratamento dos elementos constitutivos deste artigo, ou
seja, do objetivo, das referências teóricas de análise e do método proposto,
julgamos ser relevante prestar esclarecimentos sobre a natureza do objeto deste
estudo o filme. Daí a necessidade de tecer considerações sobre as especificidades
da linguagem cinematográfica.
Walter Benjamin (1936) em seu influente artigo “A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica” argumenta que:
Por princípio, a obra de arte sempre foi reprodutível e que poucas décadas
após a invenção da litografia, as artes gráficas foram ultrapassadas pela
fotografia e, em seguida, pelo cinema. De modo que, mesmo conhecidas as
enormes alterações que a impressão, ou seja, a reprodutibilidade técnica da
escrita provocou na literatura, o processo de reprodução audiovisual foi tão
extraordinariamente acelerado que pode colocar-se a par da fala
(BENJAMIN, 1936, p.3).
Aumont (2007), assumindo uma possível simplificação, diz ser possível
considerar a existência de duas atitudes principais a propósito da representação
fílmica, encarnadas por dois tipos de cineastas, são eles: os que acreditam na
imagem e os que acreditam na realidade em outras palavras, os que fazem da
representação um fim (artístico, expressivo) em si e os que a subordinam à
restituição o mais fiel possível de uma suposta verdade ou de uma essência do real.
Quanto a este suposto dilema (ficção\realidade), Almeida (2001) argumenta
que as produções audiovisuais “realistas”,sejam elas jornalísticas ou documentais,
querem nos fazer crer reais e verdadeiros os acontecimentos que sabemos serem
somente fragmentos da realidade, escolhidos politicamente e de forma subjetiva, já
as produções ficcionais querem nos fazer viver como reais e verdadeiras, as
histórias e as imagens que sabemos serem somente fragmentos da invenção. Sob
esse prisma, o autor chega a conclusão de que todas as produções audiovisuais são
ficções, são “colchas de retalhos”, querem as que se apresentem como científicas,
documentais, jornalísticas, como as declaradamente fictícias.
Além do mais, autores como Bernardet (1985) e Almeida (2001) enxergam a

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