A literatura e o poder de humanizar o direito

As diretrizes curriculares do curso de Graduação em Direito, elaboradas com observância da Lei nº 9.394/96, abrangem o estudo, em linhas gerais, de conteúdos relacionados ao conhecimento geral, como antropologia, sociologia, filosofia, ciências políticas, e a conhecimentos específicos, como direito material e processual civil, penal, do trabalho, direito constitucional, administrativo, internacional, previdenciário, comercial, financeiro, além de outros ramos do Direito.

Como se vê, a educação jurídica no Brasil está formatada na entrega do maior número possível de informações técnicas ao estudante.

Contudo, a meu ver, essa concepção técnico-informativa de ensino não capacita plenamente o Operador do Direito a desenvolver um adequado raciocínio jurídico. E assim o é porque o Direito não é uma ciência exata. Outrossim, porque a Lei não oferece solução pronta à imensa gama de especificidades que decorre da relação do homem em Sociedade.

Mais do que o ensino epistemológico, o curso de Direito, como ciência humana que se afigura, deveria também privilegiar os saberes literários, de modo a imbuir o formando de sólida formação, não somente técnico-jurídica, mas também humanista, dotando-lhe de capacidade de análise, reflexão, valoração e interpretação dos fenômenos jurídico-sociais.

Destarte, o estudo da literatura, em caráter complementar ao estudo formal, propiciaria ao estudante o desenvolvimento de uma postura crítica, o domínio da gênese, além de favorecer o correto uso da linguagem.

É sabido que o ordenamento jurídico traz informações de caráter instrumental, demandando de seu intérprete um trabalho de investigação para a aplicação da lei ao caso concreto.

E nesse aspecto, a literatura se apresenta capaz de abrandar ou individualizar a letra fria da lei.

O professor André Karan Trindade, da Unisinos, que desenvolve um trabalho belíssimo na área de Direito-Literatura junto com o procurador de Justiça do RS e também professor da Unisinos, da pós-graduação em Direito, Lênio Streck diz que: "A LITERATURA PODE HUMANIZAR O DIREITO. E isto é fundamental para a interpretação dos fenômenos jurídicos e, de um modo geral, para a formação do jurista”.

Contudo, muitos estudiosos e juristas condenam o uso da literatura no ensino do Direito. Ponderam que o exercício iria afastar o intérprete da vontade do legislador.

Penso diferente.

Tenho convicção de que essa interdisciplinaridade enriquece a pesquisa, a fundamentação das teses, auxilia a construção do saber jurídico crítico, reflexivo e humanístico.

Mais do que isso: a literatura fornece vasto ferramental para a compreensão do mundo, e, por via reflexa, do mundo jurídico.

Insta ressaltar, oportunamente, que o artigo 206, incisos II e III, da CF, não só autoriza, mas incentiva e estimula a interdisciplinaridade.

Com base nesse dispositivo é que a reforma do ensino jurídico no Brasil tem buscado uma formação mais plural, menos tecnicista ou meramente dogmática, ampliando-se, assim, o olhar dos bacharéis em Direito para a complexidade do fenômeno jurídico.

Nesse compasso, parece-me de extrema relevância que os estudantes sejam instados a se debruçar, além da doutrina jurídica stricto sensu, sobre a literatura, abraçando autores como Machado de Assis, Shakespeare, Eça de Queiróz, Lima Barreto, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Sófocles, Jorge Amado e tantos outros.

Podemos extrair grandes lições, por exemplo, da literatura de Machado de Assis. Em suas obras, o Direito e as questões jurídicas apareciam a todo momento.

Em uma de suas mais célebres obras, "Dom Casmurro" (que dialoga com Otelo, de Shakespeare), publicado em 1889, o argumento é desenvolvido a partir de uma promessa feita pela mãe de Bentinho e quebrada após "negociar" com Deus a troca do sacerdócio daquele pelo casamento com Capitu. A obra é tão atemporal, que seu mote principal (Capitu traiu ou não Bentinho) é discutido até hoje e,...

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