A livre concorrência e as práticas predatórias na economia

AutorMirian Franciele Olsen
Páginas186-197

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1. Introdução

O capitalismo, ascendido pelo renascimento urbano e comercial dos séculos XIII e XIV, desde sua origem na Baixa Idade Média até o século XVIII, esteve sempre ligado ao processo de circulação de mercadorias. Foi, entretanto, a partir da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, que teve início a fundamental mudança em sua estrutura, deslocando seu foco para a produção mercantil.

O desenvolvimento da burguesia mercante cada vez mais ia de encontro com o exagerado domínio do Estado, no antigo regime, quando o "Rei" centralizava o poder, dificultando o progresso econômico e industrial. A ideia do absolutismo monárquico se pode traduzir como entrave a diferentes práticas socioeconômicas, quiçá pelo temor dos monarcas diante da possibilidade de verem enfraquecido o seu controle sobre todos os setores da sociedade.

Na contramão do regime absolutista encontramos o liberalismo econômico, surgido no movimento do Iluminismo (séculos XVII e XVIII). Tal ideologia se baseava na livre concorrência, tendo como base o "fisiocratismo", a defesa de uma econo-mia livre da tutela do Estado, que funcionava segundo as leis naturais. Adam Smith, considerado o pai da economia, condenava o mercantilismo, demonstrando em tal prática uma lesão à ordem econômica. Em sua obra Riqueza das Nações, Adam defendia a livre concorrência, dizendo que, por meio desta, a justiça social seria alcançada.

Na primeira fase, conhecida como Capitalismo Comercial, houve o surgimento das grandes navegações e expansões marítimas europeias, devido aos interesses da burguesia mercante em buscar riquezas em outras terras. O acúmulo de capitais provenientes do comércio, com destaque para a Inglaterra - que mais rapidamente enriqueceu - deu ensejo à outra fase do Capitalismo, a Industrial.

Já a partir da segunda metade do século XIX, com a segunda Revolução Industrial, novas técnicas e fontes de energia foram desenvolvidas, auxiliadas pelo surgimento dos meios de transporte e comunicação. Muitas inovações apareceram, como a intensa produção de aço, a produção mecanizada, a siderurgia e indústria química. Os derivados do petróleo passaram a ser utilizados como fonte de energia,

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colaborando para o avanço dos transportes ferroviários, sendo possível impulsionar o comércio por este meio. A navegação a vapor, com a construção de grandes navios, culminou no cruzamento dos mares e na dinamização intensa do processo de circulação de mercadorias.

Tudo isso deu ensejo à concentração de capital. Indústrias novas, sofisticadas, necessitavam de investimentos maciços de dinheiro, surgindo, assim, conglomerados industriais, como as holdings, os cartéis e os trustes. Iniciava-se, logo, a tendência ao monopólio; uma única empresa no controle do mercado. O projeto liberal da prosperidade, idealizado por Adam Smith, entretanto, não se observava na prática.

Diante do fracasso do liberalismo, a história mundial se deparou com o surgimento do socialismo. As ideias marxistas, destinadas a explicar os mecanismos de exploração do capitalismo, propunham a construção de uma sociedade mais justa, embasando-se na chamada "mais-valia". As tensões geradas por esta culminaram na Revolução Socialista, que marcou a destruição do capitalismo e culminou na implantação de um novo e diferente sistema social e econômico.

Nessa etapa, o Estado reassume o controle sobre os meios de produção, devendo, segundo os ideais socialistas, administrar as riquezas produzidas e as distribuir de forma mais justa. Posteriormente, todavia, pode-se dizer que houve a abolição do Estado, diante da superação das heranças burguesas, surgindo a fase em que, conforme Marx, cada um viveria de acordo com sua capacidade e segundo sua necessidade. A esta etapa final foi dada a seguinte denominação: comunismo.

O velho liberalismo econômico foi sepultado de vez no cenário norte-america-no com o advento da quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929 (crack de Wall Street), quando o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, assessorado por um grupo de economistas chama-do Brain Trust, adotou uma nova política, qual seja, New Deal, visando à superação da crise pela intervenção do Estado na economia. Mais uma vez o Estado volta ao controle.

Tempos depois, já por volta da década de 70 do século passado, massificou-se, em contrapartida, o discurso "neoliberal", na tentativa de acentuar o intensificado diri-gismo do Estado. O liberalismo, agora, com nova denominação e ideal, aparecia, novamente, como remédio capitalista. Dentre as características neoliberais podemos citar a mínima participação estatal nos rumos da economia de um país; pouca intervenção do governo no mercado de trabalho; a política de privatização de empresas estatais; a livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização; a abertura da economia para a entrada de multinacionais; novas regras econômicas mais simplificadas para facilitar o funcionamento das atividades econômicas; posição contrária aos impostos e tributos excessivos; aumento da produção visando o desenvolvimento econômico; a autossuficiência da lei da oferta e da procura para o controle de preços; empresas privadas como base da economia e a defesa dos princípios econômicos do capitalismo.

Durante a República Velha, a economia brasileira prosseguiu baseada na exportação de produtos primários (café, algodão, borracha), sendo o café o principal responsável pelo avanço da economia. Não se pode esquecer que a exploração da borracha na Amazônia gerou, também, grandes recursos para as exportações brasileiras, valendo frisar que, nessa época, vigorava o princípio da não intervenção do Estado na economia, advindo do liberalismo econômico, pregando-se que a lei da oferta e da procura manteria o equilíbrio do mercado. O fenômeno da grande depressão, todavia, modificou por completo o cenário político-econômico brasileiro. Tal modificação teve força até o fim da guerra fria.

Não é de se estranhar o fato de o tema ser, ainda, tão ignorado no Brasil. Enquan-

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to em países como Estados Unidos o assunto é amplamente tratado há mais de um século, no Brasil a situação é bem diferente. Não se pode esquecer um fator importante: o controle de preços aqui por parte do governo é histórico; embora a legislação da concorrência remonte aos anos 1930, tal política somente se tornou questão importante a partir da década de 90 do século XX, principalmente com o advento da Lei n. 8.884/1994 que transformou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), criado em 1962, pela Lei n. 4.137/1962, em autarquia.

2. A regulação da concorrência

Foi somente a partir do final do século XX que houve o pulular de avançadas legislações acerca da concorrência, sobretudo em países em desenvolvimento. Embora o comércio seja praticamente inerente às próprias civilizações, fundamental para a economia, vemos que a sua evolução é algo muito recente, com certeza motivada pela globalização e por avanços tecnológicos. Não se pode dizer que não havia necessidade de leis protetoras da concorrência antes deste período, haja vista que o "homem lobo do homem" rompe os séculos desde a mais remota antiguidade. Uma das diferenças está no fato de que até a segunda metade do século passado a informação e comunicação eram artigos raros.

Principalmente com o advento da informática, a comunicação passou a exercer poderosa influência, d'antes inimaginável. Obviamente, em toda a existência do ser humano houve as práticas abusivas no comércio, todavia, diante da difícil e demorada comunicação entre os povos, os preços predatórios, o dumping etc., eram menos famosos.

Conforme lição de José Tavares de Araújo Junior,1 a estabilização, a liberali-zação do comércio e a privatização foram metas louváveis das novas políticas implementadas na América Latina a partir do fim dos anos 1980, haja vista a dificuldade em manter uma posição coerente durante o processo de reforma econômica. Quando os governos deste continente se mostraram incapazes de deixar de lado interesses especiais, as reformas se transformaram em âncoras monetárias efêmeras, políticas comerciais errantes e monopólios privados mal administrados, resultando em desemprego, desigualdade social, decadência do desenvolvimento econômico e crise cambial.

A abordagem econômica mais aceita acerca da concorrência é oriunda da teoria proposta por Joseph Schumpter, conhecida como "concorrência schumpteriana", segundo a qual se trata de um processo dinâmico em que as empresas lutam para sobreviver sob um conjunto de normas em evolução que constantemente geram ganhadores e perdedores. O instrumento básico que possibilita às empresas estarem à frente de seus concorrentes é a introdução de assimetrias de informações que, dependendo do conjunto momentâneo de normas, podem ser resultantes de três tipos de atividade empresariais: inovação tecnológica, comportamento oportunista e crime organizado.

Dentro do nosso contexto capitalista, é natural aceitar que as empresas devam saber conviver com o processo de destruição criativa que, segundo o entendimento de Joseph Schumpeter, consiste em revolucionar a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente a velha, criando uma nova.

Dessa forma, surgiu a necessidade de modos de regulação da concorrência. Em 1964 foi criada a UNCTAD,2 Conferência

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das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, visando, dentre outras coisas, estabelecer uma homogeneidade entre as leis de política de concorrência, cooperar tecnicamente com países que buscam capacitação...

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