O lulismo confrontado nas ruas: projeto político e ciclo de protesto no Brasil (2013-2017)

AutorCláudio André de Souza
CargoMestre e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Ciência Política na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Campus dos Malês (BA)
Páginas154-176
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 688-710, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
O LULISMO CONFRONTADO NAS RUAS: PROJETO
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Lulism confronted on the streets: an perspective of the current cycle of
protest in Brazil (2013-2017)
Introdução
Quando André Singer (2012) lançou Os sentidos do lulismo, definindo lulismo enquanto
fenômeno de realinhamento eleitoral, pouco se tinha disponível nas ciências sociais de
material bibliográfico de síntese intelectual do que estava acontecendo no Brasil desde a
primeira década dos anos 2000. Para o autor, a escolha por dar aos pobres sem tirar dos ricos
teve como objetivo promover um projeto de reformismo fraco, sem arriscar a sobrevivência
do pacto conservador. O lulismo como fenômeno advém do realinhamento eleitoral das
camadas mais pobres do eleitorado, que passam a apoiar Lula nas eleições de 2006, e o voto
dos mais ricos migra para o PSDB.
Uma das chaves explicativas do lulismo que interessa nesse momento é que há um
rebaixamento do papel das classes, arbitrando interesses orientados para somente superar
Cláudio André de Souza
Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade
Federal da Bahia. Professor de Ciência Política
na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB), Campus dos Malês (BA)
Informações do artigo
Recebido em 30/10/2017
Aceito em 05/12/2017
Resumo
Este trabalho tem o propósito de estimular o debate
conjuntural sobre a política brasileira, considerando a
existência de uma crise do lulismo enquanto fenômeno
de representação política que culminou com o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) em
agosto de 2016, a partir de vários fatores internos -
levados à frente enquanto articulações de bastidores
no âmbito das instituições - e fatores externos - através
da realização de um conjunto de mobilizações de
segmentos sociais de maior renda e escolaridade das
grandes cidades brasileiras, levando a consequências
mais amplas que o desfecho do impeachment diante
de um ativismo societário que tende a gerar impactos
de longo prazo. Sendo assim, busca-se apresentar
o conceito de ciclo de protesto como instrumental
analítico para interpretar uma “virada conservadora”
na sociedade civil brasileira em torno de um projeto
político neoliberal de ampla consequência para a
construção democrática no país. Diferente das análises
de caráter institucional predominantes na ciência
política, o objetivo deste artigo reside na aproximação
à perspectiva de compreender a democracia para além
da ambiência eleitoral.
Palavras-chave: lulismo; protesto; conjuntura.
O lulismo confrontado nas ruas... | Cláudi o André de Souza
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 688-710, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
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a pobreza, em substituição às desigualdades. Desse modo, o projeto lulista resumiu-se, até
2014, a representar os mais pobres diante de uma narrativa de confronto com os mais ricos.
Se as alianças políticas estavam sustentadas pelo propósito da governabilidade, as clivagens
organizadas na sociedade mereciam de Singer um olhar mais preocupado em perceber as
nuances dos impactos do lulismo nos movimentos sociais. Não obstante, isso pouco impõe
limites ao alcance dos resultados obtidos pelo autor.
Aqui entendemos, para além do que analisara Singer, o lulismo também como um
fenômeno de representação política, observado por meio do apoio eleitoral e, ainda mais, em
torno das disputas no âmbito da cultura e da política, que envolvem a afirmação dos projetos
políticos como um instrumental analítico capaz de balizar as relações entre a sociedade civil
e a sociedade política (DAGNINO; OLVERA; PANFICHI, 2006), sendo imprescindível estudar a
democracia a partir da ótica societária.
Um primeiro ponto crucial para entendermos a crise política na qual vive o lulismo
tem como ponto de partida os acontecimentos na conjuntura econômica, analisados
por Singer (2015) em um artigo, lançado no final de 2015, sobre as escolhas políticas que
levaram à tentativa da presidenta Dilma Rousseff (PT) de mudar as orientações da economia,
buscando defender os interesses desenvolvimentistas, que, porém, se viram derrotados
com a rearticulação dos capitalistas, que se colocavam em posição de divergência sobre o
caráter intervencionista do governo, selando os contornos da crise iniciada após as eleições
de 2014, quando, após eleito, o governo resolveu ceder e voltar atrás nos seus interesses
desenvolvimentistas, favorecendo o bloco rentista enquanto fração da classe burguesa.
É inevitável perceber as tensões do lulismo na conformação da arbitragem de interesses
opostos, enquanto um signo do lulismo (SINGER, 2012). Para o autor,
ao cutucar onças, a presidente deveria ter considerado os instrumentos que teria à
mão para reagir quando viesse o bote do contra-ataque. Sem planejamento político,
o ensaio desenvolvimentista abriu um vácuo sob os próprios pés e acabou por
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do retorno neoliberal tornou-se incontrastável. Até por não haver, na sociedade,
quem enxergasse a necessidade de contrastá-la (SINGER, 2015, p. 71).
Singer ressalta que a defesa desse ensaio desenvolvimentista (crítico ao bloco rentista
e a favor da burguesia produtivista e industrial) necessitaria da intensa mobilização dos
trabalhadores, criando um maior nível de politização sobre as questões econômicas diante
da estratégia de enfrentamento a partes da própria coalizão de governo. Nesse período, as
principais mobilizações, encetadas de forma relevante na conjuntura, colocaram o lulismo

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