A luta das mulheres no período do Lulismo

AutorDandara Corrêa Freitas de Medeiros - Gabriella Fontes - Juliana Giacovone Filgueiras - Marina Caboclo Peres - Victor Serino
Páginas127-144

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Ver notas 1, 2, 3, 4 y 5

1. Introdução e método

A proposta para o desenvolvimento deste artigo é, seguindo uma metodologia marxista, e a partir de um olhar que rompa com a "invisibilização" das lutas das mulheres no estudo da história e no estudo do mundo do trabalho, analisar a situação da mulher no Brasil durante o período designado como "lulismo". Pretendemos olhar para os trabalhos que as mulheres exercem nesse período, sua inserção no mundo do trabalho, sua organização sindical, política e social, seus pleitos, reivindicações, a dinâmica dos movimentos de mulheres, suas conquistas e obstáculos. A continuidade deste estudo nos leva à reflexão acerca da situação e das lutas das mulheres durante todo o período mais recente da história brasileira, abrangido pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Dessa reflexão decorre a seguinte questão, que temos como objetivo responder ao longo do artigo: durante esse período, puderam esses governos, correspondendo à expectativa por eles criada aos olhos de inúmeras mulheres, apresentar uma alternativa que avançasse na luta contra a opressão à mulher? Se não, por que? Que rumo tomou a luta das mulheres durante o período do "lulismo"?

Este grupo parte da concepção de que a sociedade está dividida em classes, pressuposto que orientará todo o conteúdo deste texto. Sendo assim, acreditamos ser essencial analisar a realidade política do período estudado, para que seja possível extrair conclusões sobre como as mulheres foram afetadas pelos acontecimentos históricos do período, sobre como reagiram e foram parte dos processos de luta. Não há como falar do movimento das mulheres sem considerar a realidade política que os motivou; tampouco nosso objetivo é destacar determinadas mulheres para abordar suas trajetórias individualmente no período: a perspectiva de classe é totalizante, e nosso objetivo é abordar a luta das mulheres sem abandonar uma perspectiva de classe. Adotamos, portanto, o materialismo histórico dialético como método de análise para o estudo da situação das mulheres e da opressão por elas vivida tanto nesse como em qualquer outro período histórico.

Compreendemos a opressão como algo que existe materialmente nessa sociedade, parte de como ela se organiza em torno de seu modo de produção, portanto algo que se expressa em todas as relações sociais e está a serviço da perpetuação da existência da sociedade de classes. A análise marxista da opressão sofrida pela mulher ajuda a compreender porque, enquanto se observa a degradação das condições de vida da classe trabalhadora de conjunto e a intensificação da exploração, com o aumento da precarização do trabalho, se observa também a intensificação da opressão - que serve à manutenção da sociedade dividida em classes e a essa intensificação da exploração. Não à toa, quando olhamos para os postos de trabalho surgidos no período estudado, conforme nos indicam as análises do

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ILAESE publicadas em 2014 em "Um balanço crítico do governo do PT", notamos que nesses novos postos de trabalho predominam a terceirização e a rotativi-dade, uma das faces mais gritantes da precarização do trabalho nesse período, e percebemos que esses postos foram ocupados principalmente por mulheres ou por outros setores oprimidos da população, negros e negras e LGBTs.

A análise marxista aponta para o fato de que, levada às últimas consequências, a luta das mulheres contra a opressão enfrenta-se contra o modo de produção capitalista, que se serve de todo tipo de opressão - seja às mulheres, à população negra, às pessoas LGBTs, a povos imigrantes - para seus interesses de classe, para a perpetuação da propriedade privada dos meios de produção e para a busca incessante por uma maior taxa de lucro. O que nos fica nítido é que não há bases materiais para o fim de nenhuma forma de opressão enquanto restarem intocadas essas relações de produção. Pelo contrário: na época em que vivemos, a opressão se acentua, porque o aumento da exploração é, para a burguesia, a única forma de seguir perseguindo o aumento dos lucros.

O papel da opressão para a perpetuação desse status quo pode ser percebido muito nitidamente, por exemplo, na redução dos salários de toda a classe trabalhadora a partir da incorporação de setores oprimidos como mão de obra e, portanto, parte do exército de reserva. Também, por exemplo, na forma como, enquanto ideologia, a opressão divide a classe trabalhadora, construindo mais um obstáculo à sua organização. Nesse sentido, o machismo está a serviço de enfraquecer a resistência aos ataques feitos pela burguesia aos interesses da classe trabalhadora e às suas condições de vida.

Além disso, parece-nos fundamental compreender, para a análise da situação da mulher no período estudado, que se trata de um momento muito particular da história de nosso país e da luta de classes no Brasil. Estudar o movimento das mulheres em um período compreendido pelo governo do Partido dos Trabalhadores é completamente diferente de estudá-lo em qualquer outro período de nossa história, e buscaremos, inicialmente, explicar o porquê disso, e então partir para uma tentativa de compreendê-lo [ao movimento de mulheres nesse período] mais a fundo.

2. A especificidade do período estudado: a situação da mulher, o movimento de mulheres e o governo do partido dos trabalhadores

O Partido dos Trabalhadores (PT), surgido e construído a partir de um importante ascenso operário e da classe trabalhadora brasileira, representou as esperanças de toda uma geração de trabalhadores, e também trabalhadoras, que apostaram na possibilidade de transformar a sociedade. Foi a grande força motriz das lutas na década de 1980, o grande ícone da batalha contra a ditadura e um partido de trabalhadores, onde inúmeras mulheres encontraram uma ferramenta para lutar contra o machismo e a exploração.

Já estabelecemos o pressuposto de que para estudar a luta das mulheres é importante olhar para o conjunto da sociedade de classes e para o desenvolvimento da luta de classes. Assim, a origem orgânica do PT na classe trabalhadora, seu programa - que demonstraremos ter sido desde o início um programa de conciliação de classes -, e o momento histórico em que o desenvolvimento da luta de classes culminou com sua chegada ao poder no Estado burguês (como um governo que classificaremos como de tipo de "frente popular"), são fatores que tornam necessária uma especial análise do governo desse partido, e de sua política no que diz respeito às mulheres, para compreendermos o desenvolvimento do movimento de mulheres nesse período.

O método marxista não faz análises sem antes fundamentá-las nas relações materiais entre os seres humanos. Essas relações, no decorrer da História, dão origem à divisão do trabalho que, por sua vez, dá origem às classes sociais. Se é a luta entre as classes o que move a História6, não é possível analisar qualquer fenômeno da realidade descolado desse embate. Não é diferente com as frentes populares: para estudar a situação das mulheres ao longo desse período, acreditamos ser necessário compreender esse fenômeno.

A frente popular é uma forma de classificar um governo que surge a partir de uma grande vitória, eleitoral ou revolucionária, do proletariado, o que necessariamente implica uma derrota igualmente grande da classe dominante7. Entre outras características, vale citar a de que se trata de um tipo de governo que causa imensa confusão no movimento de massas, uma vez que a classe trabalhadora o enxerga como se fosse seu. Co-

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mo explica o trecho a seguir, apesar dessa contradição, trata-se de um tipo de governo que, justamente, surge para frear um ascenso do movimento de massas.

O projeto nacional alternativo proclamado pelo PT é uma tática de transformação social já conhecida de outros momentos históricos inter-nacionais, qual seja a de frente popular. Essa frente se traduz na unidade política de partidos de esquerda (unidade com o intuito de governar o país) com alguma fração da burguesia (e, logicamente, da pequena burguesia), "com a qual empurraram as lutas operárias à conciliação de classes e à capitulação ao governo burguês". O interesse dessas frentes não se baseia (mesmo que em alguns casos isso se dê contra sua vontade) como deveria no interessa da luta e da mobilização dos trabalhadores e sim nos interesses da classe dominante, já que canaliza o potencial revolucionário dos trabalhadores organizados para dentro das "regras do jogo". Como esperar diferente de um grupo que se propõe a dirigir o Estado capitalista?8

a) As origens do PT

O Partido dos Trabalhadores passou por incontáveis transformações e chegou ao governo federal em 2002 com um perfil muito diferente do que tinha em sua origem. O que antes era esperança e crença em um mundo melhor foi transformado pela ideia de que Lula e Dilma fizeram "o que era possível" ser feito no governo.

Os dados, contudo, mostram que os representantes do PT não só não fizeram tudo o que diziam que pretendiam fazer, como também não fizeram tudo o que era possível ser feito dentro dos limites do Estado burguês e do orçamento público. Mostram que, ao contrário do que alguns ainda insistem em propagar, o PT escolheu um lado: um lado que não é o dos trabalhadores. E o PT escolheu um método: o método da conciliação de classes.

O PT se distinguiu de partidos que estiveram no governo anteriormente ao ser o primeiro a criar uma Secretaria específica de mulheres, ou a realizar uma Conferência para discutir o tema. Isso tem relação com a sua origem orgânica na luta da classe trabalhadora e...

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