A Responsabilidade Internacional Do Estado À Luz Do Caso A Última Tentação De Cristo Versus Chile

AutorOtávio Augusto Drummond Cançado Trindade
CargoEstudante de Direito pela UnB

Mais uma vez, o Estado do Chile foi protagonista de importantes debates em torno de questões de direito internacional. Em 5 de fevereiro de 2001, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença condenando o Chile por violação do artigo 13 (Liberdade de Pensamento e Expressão) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por descumprimento dos artigos 1.1 e 2 da mesma Convenção (Obrigação de Assegurar os Direitos, e Dever de Adotar Disposições de Direito Interno, respectivamente), e ordenando que "o Estado deve modificar seu ordenamento jurídico interno (...) com a finalidade de suprimir a censura prévia para permitir a exibição do filme 'A Última Tentação de Cristo' " (trad. pelo autor). *

Em 1988, ano do lançamento do filme "A Última Tentação de Cristo", de Martin Scorsese, o Consejo de Calificación Cinematográfica (CCC), órgão de censura chileno remanescente dos tempos da ditadura, proibiu a exibição da película no país. Em novembro de 1996, a obra foi mais uma vez apresentada ao CCC pelo distribuidor, e o órgão a autorizou para ser exibida a maiores de 18 anos. No mesmo mês, um grupo de advogados recorreu ao Tribunal de Recursos (Corte de Apelaciones) para proibir o filme. Em 17 de junho de 1997, a censura judicial imposta à exibição cinematográfica da obra foi confirmada pela Corte Suprema do Chile. Em setembro de 1997, outro grupo de advogados apresentou uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alegando violação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na qual o Chile é Estado Parte desde 1990. Após uma tentativa infrutífera de solução amistosa entre a Comissão e o Estado, a demanda foi interposta pela Comissão à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 15 de janeiro de 1999. Por fim, depois de realizadas audiências públicas, no dia 5 de fevereiro de 2001 a Corte declarou que o Estado violou o direito à liberdade de pensamento e expressão 1(art. 13 da Convenção) e decidiu que o Chile deve modificar seu ordenamento jurídico interno de modo a permitir a exibição do filme "A Última Tentação de Cristo"2.

O principal debate jurídico do presente caso e o que o tornou tão especial girou em torno do tema da origem da responsabilidade internacional do Estado3. Ao contrário da maioria dos casos, em que a responsabilidade do Estado é comprometida por atos do Executivo, no caso chileno foram o Legislativo e o Judiciário que geraram atos que violaram a Convenção Americana.

No caso "A Última Tentação de Cristo", a decisão da Corte Suprema, baseada em um dispositivo constitucional chileno, deu origem à violação do art. 13 da Convenção Americana. Apesar de o Estado alegar que uma decisão judicial não era suficiente para a caracterização do ilícito internacional, pois este deveria ser acompanhado da inatividade dos órgãos do Legislativo e do Executivo, essa tese não prosperou perante a Corte Interamericana. Se para o direito constitucional a questão da distribuição de competências reveste-se de grande relevância, para o direito internacional não passa de mero fato. Segundo um dos juízes da Corte, "O Estado, como um todo indivizível, permanece um centro de imputação, devendo responder pelos atos ou omissões internacionalmente ilícitos, de qualquer...

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