Formação de Magistrados: o Brasil e a Escola Nacional da Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho

AutorJosé Luciano de Castilho Pereira
Ocupação do AutorMinistro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho e Professor do IESB.
Páginas197-205

Page 197

Sumária visão histórica socioeconômica do brasil

Como é sabido, o Brasil foi descoberto - ao menos na versão oficial - em abril de 1500.

Logo, tal descobrimento ocorreu quando acontecia um extraordinário processo de transformação do mundo, quando as grandes descobertas e as grandes invenções foram deslocando o centro econômico da Europa do Mediterrâneo para o Atlântico.

Lembra o grande sociólogo brasileiro Octavio Ianni1 que,

"antes do século XV, quando se toma em conta o que poderia ser então o mundo como um todo, ainda era predominante a dispersão, o isolamento ou os intercâmbios esporádicos. As barreiras geográficas, compreendendo os mares e oceanos, as florestas e os desertos, tornavam difícil, se não impossível, o contato regular entre uns e outros próximos e distantes."

Isso sem embargo de, como adverte David Arnold2, ser impossível exagerar demais tal isolamento, pois importantes foram as contribuições islâmica-asiáticas para a era europeia dos grandes descobrimentos.

O certo é que o Brasil foi descoberto quando o mundo "cresceu" do ponto de vista geográfico e transformou-se substancialmente com o mercantilismo, que permitiu o extraordinário desenvolvimento do capitalismo, estabelecendo ainda as bases para a formação do Estado Moderno.

Nesse quadro, Portugal inicia a colonização brasileira.

Colonizar nunca significou processo civilizatório, especialmente aquela colonização que teve início a partir dos séculos XV e XVI.

Àquele tempo, o colonizador buscava as mercadorias prontas para vendê-las na Europa.

No Brasil, essas mercadorias não foram achadas. Mas havia esperanças de encontrá-las.

Assim, teve início um singular procedimento, que levou Portugal a, para manter a posse da nova terra, criar uma riqueza que tivesse interesse no mercado europeu.

Dessa forma, começou o ciclo da Cana-de--Açúcar, com a grande lavoura que se cultivou no nordeste brasileiro. Toda ela movida pelo trabalho do escravo africano.

Page 198

Na outra ponta estava o Senhor de Engenho, com inexistente classe média.

Todo o processo educacional ficou a cargo dos jesuítas, braço importante da contrarreforma, como ainda será visto neste trabalho.

Formou-se, então, uma sociedade rural, e, como tal, fechada sociologicamente.

No final do século XVII, quando declinava o ciclo da cana-de-açúcar, foi descoberto o ouro no centro do Brasil, onde é hoje o Estado de Minas Gerais.

Grande foi a mudança na forma da colonização. Pela natureza das atividades desenvolvidas, cidades foram criadas.

Com a vida urbana - ainda que incipiente - passou a existir um maior intercâmbio de ideias, com importante agitação política.

Mas, substancialmente, o quadro social, para a maioria da população, não se alterou, mesmo porque a base do ciclo do ouro foi também o trabalho escravo.

Quanto à educação, a expulsão dos jesuítas, por decreto pombalino, em meados do século XVIII, importou mudanças na vida escolar, posto que sem alteração na qualidade do ensino.

O ocaso do ouro coincide com um novo ciclo agrícola: o do café.

Mas o trabalho continuou centrado na mão-de-obra escrava numa sociedade ainda muito fechada.

Há novidades como, por exemplo, a imigração de trabalhadores europeus que, no sudeste brasileiro, começaram a substituir o trabalho escravo, que já se aproximava da extinção.

Mas o destino do Brasil continuou a ser fixado sem a participação popular.

A Abolição da Escravidão e a Proclamação da República, em 1888 e 1889, respectivamente, não alteraram o quadro social brasileiro, mesmo porque o trabalho escravo foi substituído por um enorme subemprego, que ainda avilta, até hoje, grande parte de sua população operária.

Como será visto ainda, é com a Revolução de 1930 que o Brasil rural vai cedendo importância para o Brasil urbano.

É quando também tem início o processo de industrialização.

A Revolução de 1930 propiciou um grande debate sobre a Reforma do Ensino, que passou a ter significativa importância até então desconhecida.

Pretendeu-se romper com uma economia dirigida para o mercado externo, buscando também uma cultura voltada para o Brasil sem o recorrente preconceito de inferioridade colonial, que marca nossa vida desde o século XVI.

Isso permitiu a formação de um pensamento novo, na medida em que a elite nacional passou a acreditar que era possível - por intermédio do desenvolvimento econômico, aliado à implementação de políticas públicas - aumentar a riqueza nacional e a diminuição da pobreza que infelicitava a maioria de nosso povo.

Mas ensina o Prof. Márcio Pochmann3 que

sem a realização das reformas civilizadoras das economias de mercado, o bolo da renda e riqueza cresceu, sem ter sido repartido de forma equânime. Apesar da necessária ampliação da produção, com avanços significativos na estrutura produtiva, não houve condições suficientes para romper o ciclo estrutural de pobreza. (...) Entre as décadas de 1930 e 1980 foi o país que mais cresceu no mundo, sem alterar consideravelmente o ciclo estrutural da pobreza.

Feita esta apresentação geral, passo a examinar as linhas mestras do ensino brasileiro no correr dos tempos.

A educação escolar no brasil

Em livro clássico sobre a história social brasileira, Os dois Brasis, o professor francês Jacques Lambert - que morou no Brasil de 1938 a 1945, período em que lecionou em universidades brasileiras - sustenta que o Brasil não era um país subdesenvolvido, mas um país desigualmente desenvolvido.

O livro é de 1959 e nele se lê4:

"De fato se encontram no Brasil duas culturas diferentes, pertencentes a homens de aspectos diferentes; encontra-se uma única civilização de caráter europeu dominante e essa civilização não está atualmente ameaçada, nem é mesmo contestada. Em compensação, verifica-se nesta

Page 199

cultura brasileira única, a existência de dois níveis diferentes: um de natureza arcaica, e os que se encontram nesse nível têm, ainda hoje, condições de vida miseráveis; outro, de natureza moderna, e os que nele se encontram têm condições de vida melhores e, o que é mais importante, melhoram rapidamente. Essa divisão de população em dois níveis de cultura muito diferentes não corresponde exatamente à sua divisão entre diversas raças, mas acontece que os homens de tez escura estão, em geral, no nível mais baixo."

Aponta ainda o prof. Lambert que, no Brasil, em oposição a uma aristocracia muito pouco nume-rosa de proprietários rurais, havia grande massa de trabalhadores agrícolas ou de rendeiros intimamente unidos aos proprietários por laços pessoais tanto quanto econômicos. Dividia-se, pois, a sociedade em duas classes, apenas. E neste quadro, afirma ainda o professor francês, a educação escolar não tinha utilidade para a grande massa da população brasileira.

Outro francês, o biólogo Louis Couty, em livro publicado em 1881 sob o título A Escravidão no Brasil, escreveu que o Brasil não tinha povo, tema retomado, em 1925, por Gilberto Amado, ao dizer que dos 30 milhões de brasileiros, segundo o censo de 1920, apenas 24% sabiam ler e escrever; um milhão tinham direito a voto e destes, apenas cem mil, no máximo, tinham o que ele chamou de aptidão cívica, no sentido político da expressão, acrescentando, com pessimismo, que este número poderia ser reduzido a 10 mil5.

Nesse quadro social não é fácil descobrir o papel que ficou reservado à educação escolar, como instrumento insubstituível de promoção social.

Voltada para a Europa, a escola não necessitava estar vinculada à realidade brasileira, mesmo porque, como já remarcado, a mobilidade social vertical era praticamente inexistente no Brasil.

Note-se que esse quadro vem desde o século XVI, com a educação dada pelos jesuítas, assim apreendida por Fernando de Azevedo6, em sua obra clássica sobre a cultura brasileira:

Os únicos elementos dotados de dimensão intelectual, na colônia, são, realmente, os religiosos e em particular os membros da Companhia de Jesus. Coube-lhes, por isso mesmo, a tarefa do ensino, em que esmeraram e por meio da qual não só influíram como recrutaram os próprios quadros. Esse contraste entre as condições do meio, que eram adversas, e o ofício intelectual dos religiosos estabelece a característica fundamental dos resultados alcançados. O que existe não é fusão, mas justaposição entre os dois elementos, o meio e os religiosos, no que diz respeito ao campo intelectual. Daí os traços da cultura que elaboram o seu teor desinteressado, a sua desvinculação com a realidade, a sua alienação quanto ao meio - transitando, finalmente, para uma sorte de erudição livresca, vazia, meramente ornamental, que satisfazia à vaidade do indivíduo, mas em nada concorria para comunidade.

Por isso, aponta Nelson Werneck Sodré7 a existência naqueles primeiros tempos de uma disciplina escolástica, verbalista e dogmática, fazendo absoluta abstração da realidade sobre a qual a educação deveria atuar.

Mesmo após a Independência do Brasil, em setembro de 1822, a situação, substancialmente, não foi alterada.

Como com acuidade destacou o professor Jacques Lambert8:

"Até a Primeira Guerra, e mesmo até a Revolução de 1930, o Brasil foi um país essencialmente agrícola e, como a organização da sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT