A magnitude da insignificância

AutorNefi Cordeiro - Anderson Zacarias Martins Lima
CargoMinistro do STJ - Advogado
Páginas78-91
78 REVISTA BONIJURIS I ANO 30 I EDIÇÃO 650 I FEVEREIRO 2018
DOUTRINA JURÍDICA
Nefi Cordeiro MINISTRO DO STJ
Anderson Zacarias Martins Lima ADVOGADO 
A MAGNITUDE
DA INSIGNIFICÂNCIA
Debate sobre os camelódromos abastecidos com produtos
importados sem ônus tributário acende a polêmica em
torno do crime de descaminho
Aexclusividade da jurisdição estatal
para a responsabilização criminal traz
consigo o princípio da obrigatorieda-
de, para que não se torne o Estado
descumpridor da promessa de efi ci-
ência à vítima, delegante do interesse
primeiro de punição. De outro lado,
sempre agirá o Estado na representação social cole -
tiva e, mesmo na persecução criminal, precisará zelar
pelo bem comum, pelo devido processo legal e pelo
justo material – surgem daí as garantias processuais
do acusado.
Nesse confronto de obrigatoriedade e de justiça ma-
terial, situa-se a discussão do princípio da obrigatorie-
dade. Como princípio, é valorado casuisticamente, mas
pela segurança jurídica exige defi nições iniciais de inci-
dência, para que possa ser aplicado de modo isonômico
pelos operadores do direito.
Nem toda conduta típica atinge de maneira impac-
tante o bem jurídico tutelado. Nem toda ação contrária
à lei merece a movimentação da onerosa e extrema-
mente gravosa estrutura do estado-juiz criminal.
Esse é o debate da incidência e parâmetros do prin-
cípio da insignifi cância frente a fi guras típicas, com
pena cominada e em contraposição à necessidade de
punição para mínimos ou irrelevantes danos.
Nos crimes tributários a discussão ganha maior
projeção pela demonstração estatal do que a ela é re -
levante – quando da defi nição das políticas de execu-
ção fi scal. E, dentre os crimes tributários, sobreleva o
de descaminho, talvez pela infeliz realidade social e de
política criminal que o torna especialmente frequente.
O objeto jurídico do descaminho, de proteção à so-
berania estatal na preservação do erário público por
ocasião do controle aduaneiro, tem recebido afronta
cotidiana, em quantidade e reiteração de eventos – pes-
soas que semanalmente viajam para fora do país, por
até três vezes, trazendo ilegalmente mercadorias com
tributação sonegada (chamados sacoleiros ou mulas3)
–, assim como em valor, quando constatado o trans-
porte por caminhões de toda uma carga de mercadoria
descaminhada.
Não se examinará a muito interessante discussão
da política criminal desenvolvida concretamente no
descaminho, que não faz enfrentamento semelhante
ao do tráfi co, embora praticado o crime de importação
em semelhantes circunstâncias, ou mesmo pela não re-
pressão aos camelódromos instalados ostensivamente
em inúmeros municípios do país. Nem será objeto de
questionamento a admissão social parcial mas relevan-
te constatada pela aceitação pública da atividade, assu-
mindo o agente a profi ssão de sacoleiro, ambulante, ou
Revista_Bonijuris_NEW.indb 78 23/01/2018 21:06:24

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