Sobre a manutenção

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas183-202

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Conservação e manutenção

As palavras conservação e manutenção, em geral, são utilizadas como sinônimos, e assim o serão neste trabalho, uma vez que a conservação envolve a manutenção, e a manutenção implica conservação.

Poder-se-ia adotar a palavra conservação em sentido mais amplo, para significar a preservação do bem a fim de evitar que se deteriore, se deprecie ou perca suas características intrínsecas, e a palavra manutenção, para expressar as medidas tendentes a manter a funcionalidade da coisa: conservação seria mais abrangente do que manutenção. Inclusive, no Código Civil, a palavra conservação é mais utilizada nesse sentido abrangente, como se verifica nos arts. 400 (responsabilidade pela conservação da coisa quando há mora do credor); art. 629 (conservação da coisa no contrato de depósito); art. 753, § 4º (transporte); art. 1.234 (coisa achada); arts. 1.293, § 3º, 1.295 e 1.297, § 1º (aqueduto); art. 1.307 (parede divisória); art. 1.315 (condomínio); art. 1.348, V (obrigação do síndico); art. 1.344 (terraço de cobertura); art. 1.380 (servidão); arts. 1.400 e 1.404, § 2º (usufruto); art. 1.435 (penhor); art. 1.712 (bem de família); art. 1.747 (bens de tutelados); art. 1.817, parágrafo único (bens da herança). Porém, o Código Civil também se refere a despesas ordinárias (arts. 1.334, I, e 1.403) e extraordinárias (arts. 1.334, I, e 1.404), tanto no condomínio edilício como no usufruto, desdobrando o conceito de conservação e equiparando as primeiras (despesas ordinárias) às despesas de manutenção.

No dicionário, conservação é o conjunto de medidas de caráter operacional – intervenções técnicas e científicas, periódicas ou permanentes – que visam a conter as deteriorações em seu início e que, em geral, se fazem necessárias com relação às partes da edificação que carecem de renovação periódica, por serem mais vulneráveis aos agentes deletérios, e manutenção, o conjunto de medidas necessárias para a conservação de alguma coisa370.

Como esclarecido, embora se reconheça o sentido mais amplo da palavra conservação em relação a manutenção, ambas serão utilizadas como sinônimas neste trabalho.

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A necessidade da manutenção

Como ressalta a doutrina da Engenharia, nenhum edifício é imune à degradação provocada pelo ambiente, pelo uso ou pelas características intrínsecas de seus materiais constituintes. Mesmo que tenha sido concebido, projetado e construído corretamente, devem ser esperados problemas causados pelo desgaste normal dos produtos de construção utilizados. A negligência nas atividades de manutenção provoca crescente degradação do edifício construído, gerando consequentemente uma também crescente insatisfação de seus usuários371.

É obrigatória, portanto, a realização de atividades de manutenção, para assegurar a permanência de condições adequadas durante todo o tempo de uso do edifício.

A manutenção como requisito para que a edificação desempenhe a sua função social

A construção de um edifício está sempre voltada a atender a determinada função social: os edifícios públicos atendem aos serviços da administração, saúde, educação, entre outros; as edificações atendem também às necessidades sociais de habitação e às atividades econômicas produtivas, industriais, comerciais, bancárias etc.

Existe no País um grande número de edifícios de porte, situados nas pequenas, médias e principalmente nas grandes cidades, pertencentes ao Poder Público e a particulares, que se destinam às mais variadas finalidades. Esse conjunto de edificações constitui um grande patrimônio, que precisa ser convenientemente zelado, para que possa ser utilizado nas diversas funções sociais para as quais foi concebido372.

O estoque de edifícios é um dos principais patrimônios de uma nação, e a falta de realização de atividades de manutenção, ou a sua realização deficiente, implica uma desvalorização das construções, vale dizer, uma diminuição da riqueza acumulada. A falta de realização da manutenção implica também uma redução da qualidade de vida da população, que passa a utilizar ou habitar edificações que não atendem – ou atendem deficientemente – às exigências dos usuários.

O desempenho da função social da edificação será diminuído ou até mesmo inviabilizado se existirem falhas no funcionamento de qualquer de seus subsistemas.

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Segue-se que qualquer edificação, pública ou particular, deve estar permanentemente em condições de pleno funcionamento e, para isso, faz-se necessária a constante preocupação, por parte dos responsáveis pela conservação e manutenção, com a sua preservação em condições semelhantes àquelas de seu estado inicial, ou, ainda, para acompanhar a dinâmica das necessidades dos seus usuários, incluindo também aspectos de modernização e desenvolvimento da edificação. Se um edifício for construído para durar 50 anos e possuir conservação e manutenção eficientes, sua vida útil será efetivamente de 50 anos. Malconservado, durará bem menos e não proporcionará as condições de funcionamento para as quais foi concebido.

Resulta que as atividades de manutenção das edificações, além de constituírem obrigação dos seus usuários, são requisitos para que elas possam desempenhar a função social para as quais foram concebidas e construídas, tornando-se, nesse aspecto, um interesse da sociedade em geral.

A responsabilidade pela manutenção da construção ou edificação

O proprietário, em regra, é quem responde pela manutenção da construção ou edificação. Na maioria das vezes é o primeiro interessado porque tem o proveito econômico de possuir um patrimônio bem conservado.

Mesmo que não seja por essa razão, o proprietário tem interesse jurídico em prevenir problemas derivados da ruína de um edifício se esta ocorrer por falta de reparos, porque é ele, proprietário, quem primeiro responderá pela indenização (CC, art. 937373).

O usuário também tem interesse, pois é quem tem contato direto com a construção ou edificação e sofre diretamente os efeitos da sua utilização, caso esta se mostre deficiente por falta de conservação.

A responsabilidade pela manutenção pode ser analisada sob vários aspectos: (a) a atribuição legal da responsabilidade pela manutenção (a quem cabe, legalmente, a manutenção); (b) a quem cabem os custos de manutenção (matéria legal e contratual); (c) a responsabilidade perante terceiros, pela falta de realização das atividades de manutenção.

Nos casos em que o usuário ou ocupante é um terceiro, não proprietário, a responsabilidade pela manutenção depende de: (a) se a ocupação resulta de um direito

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ou título (situações possessórias, usufruto, direito de habitação etc.), quando deve ser verificada a condição jurídica dessa ocupação e a quem a lei atribui a obrigação pela manutenção, ou, ainda, (b) se a ocupação resulta de um contrato, em que devem ser verificadas as condições da contratação – se envolvem a manutenção da edificação, ou não, e em que condições (locação, comodato etc.).

No caso de condomínios, o Código Civil estabelece, no art. 1.315, que o condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa e a suportar os ônus a que estiver sujeita374.

Mais adiante, referindo-se ao condomínio edilício, o art. 1.336, do Código Civil, estabelece que são deveres do condômino, entre outros, contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais, salvo disposição em contrário da convenção375.

Segundo a lei civil, portanto, não há dúvida de que o proprietário – ou os condô-minos – é responsável pelas despesas de conservação da edificação.

Embora não seja do âmbito de uma norma técnica legislar sobre esse assunto, a NBR 5674:2012, da ABNT, assinala, em seu artigo 5.1, que “o proprietário de uma edificação, responsável pela sua manutenção, deve observar o estabelecido nas normas técnicas e no manual de operação, uso e manutenção de sua edificação, se houver” (o manual prevê as atividades de manutenção)376. A NBR 5674:2012 dispõe ainda, no artigo 5.2, que “no caso de propriedade condominial, os proprietários condôminos, responsáveis pela manutenção de partes autônomas individualizadas e corresponsáveis pelo conjunto da edificação, devem observar e fazer observar o estabelecido nas normas técnicas e no manual de operação, uso e manutenção da edificação”, reafirmando também essa incumbência dos condôminos377. E a NBR 15575:2013 deixa claro, em inúmeros de seus dispositivos, a responsabilidades dos usuários pela realização da manutenção.

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Vários dispositivos legais referem-se à responsabilidade do dono, sobretudo nos casos de direito de vizinhança378.

No caso de condomínios edilícios, compete ao síndico diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos...

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