A marginalidade social no mundo contemporâneo e o papel inclusivo do trabalho, da educação e do Direito do Trabalho

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas266-272

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1. Introdução

O atual contexto histórico em que a humanidade vem passando é pautado por grandes transformações de ordem tecnológica, econômica, política e social. A mutabilidade está tão presente, tão enraizada nas relações socioeconômicas, que as pessoas nem mais notam esse fenômeno.

Essa dinamicidade vivida tem influência direta com o mundo do trabalho. Com efeito, as relações jurídicas que envolvem o trabalho humano têm se caracterizado, de um modo geral, pela precarização do custo trabalho, pela sobreposição da tecnologia ao trabalho humano, pela instabilidade no emprego formal e pela desregulamentação dos direitos trabalhistas.

Esse cenário tem exigido um redimensionamento das práticas remediadoras, assim entendidas o trabalho, a sociabilidade e a educação2.

2. Trabalho, educação e globalização

A globalização, processo iniciado a partir da década de 70, mas intensificado no final da década de 80 e início de 90, aliado à terceira revolução tecnológica, propiciou o surgimento de uma sociedade massificada composta por “cidadãos” com ausência de senso crítico.

Os efeitos da globalização para os sujeitos expostos a esse processo é, dentre outros, torná-los encapsulados a um padrão de pensamento capaz de alienar a sua noção de mundo e de qualidade de vida.

Isso decorre do fato de a globalização mostrar-se contraditória, já que, por um lado, encurta distâncias, favorecendo a troca de conhecimentos, informações e cultura. Por outro lado, contudo, ela aprofunda as diferenças sociais, notadamente nas relações jurídicas que envolvem o trabalho humano3.

Diante do cenário de orientação neoliberal4, em 1989, aconteceu na capital dos Estados Unidos, um encontro promovido pelos países desenvolvidos pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OECD com a finalidade de encontrar alternativas para a crise socioeconômica que os países da América Latina vinham passando. Esse encontro recebeu a denominação de Consenso de Washington5.

As propostas do Consenso de Washington visavam o desenvolvimento e a ampliação do neoliberalismo nesses países, objetivando a superação da crise socioeconômica vivenciada. Houve uma ampla aceitação às propostas do Consenso de Washington pelos países da América Latina, exceto, à época, pelo Brasil e Peru, uma vez que o Fundo Monetário Internacional – FMI, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BIRD estabeleceram a cartilha neoliberal como pré-requisito para a concessão de novos empréstimos e cooperação econômica6.

As propostas apresentadas estavam pautadas na abertura econômica e comercial, na aplicação da economia de mercado e no controle fiscal macroeconômico, tendo como premissa básica, dentre outras, a desregulamentação das leis trabalhistas.

Sob essa perspectiva, critica Wacquant:

[...] a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades e vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século7.

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A “penalidade neoliberal”8 tem como finalidade estabelecer o novo regime do emprego desregulamentado, permitindo que o trabalhador se utilize de qualquer tipo de trabalho, ainda que precário e degradante, como meio de sobrevivência.

Inicialmente, o Brasil se mostrou resistente a aderir às propostas do Consenso de Washington, mas, ao longo da década de 90, foi um dos países que rapidamente adotou as medidas, notadamente a privatização e a flexibilização da legislação trabalhista, o que agravou a marginalidade social do trabalhador brasileiro.

Importante esclarecer que esse cenário surgido a partir do fenômeno da globalização em conjunto com os avanços tecnológicos, favoreceu à intensificação das diferenças entre trabalhadores com acesso à educação e aqueles sem acesso a um processo educativo. Tais diferenças são perceptíveis tanto em nível de condições de trabalho e, consequentemente, em direitos trabalhistas, quanto em nível socioeconômico, o que reflete na própria condição de vida.

Contextualizando o atual cenário jurídico brasileiro, é possível verificar o avanço de um período ultraliberal que culminou nas recentes alterações legislativas, como a Lei n. 13.429/2017 que alterou a Lei n. 6.019/74 e, a mais nefasta de todas as alterações legislativas que, ignorando todo o arcabouço principiológico do Direito do Trabalho, vem impactando ferozmente o mundo do trabalho.

A Lei n. 13.467/2017, produto de um viés ultraliberal, que objetiva a desestruturação da hegemônica relação empregatícia e, por consequência, do próprio ramo juslaboral, tem como fundamento o esfacelamento de toda a estrutura jurídica, tanto material, quanto processual, que visa a proteção do trabalho humano, violando, desse modo, o princípio constitucional da vedação ao retrocesso.

A famigerada reforma trabalhista propõe a destruição do homem, tornando-o mercadoria apropriável do mercado. É o direito sendo ditado pela lógica do mercado. A desconstrução do Direito do Trabalho é o seu ponto alvo, já que sendo esse ramo jurídico instrumento de controle do poder (capital), na medida em que se fragiliza tal instrumento de controle, reforça-se o poder do empregador (capital).

Nessa medida, mostra-se imprescindível a retomada da proteção insculpida na Constituição da República de 1988 que elevou, ao patamar de direito fundamental, o trabalho humano. As diretrizes sociais fundadas no texto constitucional devem ser revisitadas, revividas e concretizadas como forma de bloqueio aos avanços dessa corrente ultraliberal.

O Direito do Trabalho sempre se posicionou como um direito de distribuição de renda, um direito de liberdade e de cidadania, promovendo a democracia por meio da inserção do trabalhador na sociedade econômica. Destruir ou destituir esse ramo jurídico é aniquilar a liberdade e a democracia, base de uma sociedade justa e solidária. É marginalizar o marginalizado, restabelecendo o absolutismo do capital.

O trabalho e a educação tornam-se importantes mecanismos para deter o avanço desse efeito desestruturante para com os trabalhadores, permitindo-os reconhecer o seu papel no desenvolvimento de um processo social transformador, hábil a construir um senso crítico, político e democrático de cidadania.

O trabalho, por sua vez, é ponto de interseção entre o econômico e o social, na medida em que permite que o homem que trabalha tenha a capacidade de se posicionar enquanto participante do processo produtivo, logo, enquanto cidadão-trabalhador.

Trabalho e educação constituem direitos básicos, mínimos e fundamentais para se pensar em uma “igualdade democrática”9, com oportunidades equitativas para os trabalhadores.

Desse modo, a efetivação dos direitos fundamentais ao trabalho e à educação como instrumentos capazes de proporcionar uma vida digna ao trabalhador, depende, também, da conscientização pela sociedade da necessidade do exercício do senso de justiça dos cidadãos, ou seja, a existência da união social fundada nas necessidades de seus membros.

A Constituição Federal de 198810, ao reconhecer a digni-dade da pessoa humana como fundamento do Estado Demo-crático de Direito, determina que todo o ordenamento jurídico deverá se pautar em função da pessoa humana, garantindo e restabelecendo, em caso de violação, a sua dignidade.

A dignidade da pessoa humana é o fundamento da humanização do trabalho, pois envolve a proteção do homem trabalhador tanto na empresa, quanto fora dela, incluindo, nesse contexto, a sua família11. Demais disso, “uma vida desprovida de sentido no trabalho, é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho”12.

Ter acesso à educação e ao trabalho dignos permite a participação real e efetiva dos trabalhadores nos processo sociais,

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já que “à medida que o conteúdo técnico dos mecanismos de reprodução da sociedade contemporânea se torna mais complexo, reforça-se a marginalização de quem não tem acesso a conhecimentos suficientes para dominá-los”13.

Essa marginalização se agrava não só em razão da falta de acesso à educação, mas também à ausência de proteção e promoção ao trabalho digno, visto que, na maioria das vezes, a marginalidade social está correlacionada à submissão a subempregos ou a trabalhos ausentes de regulamentação.

3. Trabalho, educação e o direito do trabalho: instrumentos de inclusão social

A reestruturação produtiva, baseada no sistema da empresa enxuta e minimalista, cujo processo se intensificou no final do século XX, limitou o trabalho humano, tendo como base a ampliação do uso de maquinário técnico-científico14 com a finalidade de intensificar a produtividade.

Essa reestruturação produtiva causou grandes e sérios impactos no mundo do trabalho, vez que se verifica, desde então, um aumento acelerado e significativo do desemprego estrutural e da precarização das relações de trabalho, acompanhados dos baixos níveis salariais e da perda de direitos trabalhistas15.

Ricardo Antunes explica que os trabalhadores do final do século XX já se caracterizavam como proletariado precarizado, que o autor denomina de subproletariado moderno16. Sobre esse cenário, Huw Beyon17, sociólogo inglês...

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