Materialidades discursivas e modelos processuais: oralidade, escrita, informática

AutorMarco Antônio Sousa Alves, Ricardo Adriano Massara Brasileiro
Páginas351-382
Materialidades discursivas e modelos
processuais
Oralidade, escrita, informática
Marco Antônio Sousa Alves
Mestre e Doutorando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de
Minas Gerais, Professor de Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Direito Milton Campos.
Ricardo Adriano Massara Brasileiro
Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
Professor de Direito Processual Civil e Filosofia do Direito nos Cursos de Graduação e
Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos.
Resumo: O objetivo do presente artigo consiste em analisar os
reflexos da revolução digital no âmbito do direito processual. Para
tal, propomos realizar um estudo comparativo das formas de
materialização ou inscrição discursiva, oral, escrita e informática,
com alguns modelos históricos de processo oral, escrito e
informático. Procuraremos ressaltar como essas mudanças
envolvem o desenvolvimento de diferentes competências ou perfis
cognitivos e provocam a emergência de novas tecnologias da
inteligência. Daremos destaque à nova experiência introduzida pela
textualidade digital e aos seus reflexos no direito. Evitando retirar
dos novos dispositivos tecnológicos uma conseqüência direta para a
experiência jurídica, ou fazer uma previsão determinista do futuro do
direito processual, nosso estudo busca levar em consideração como
os dispositivos tecnológicos são apropriados socialmente, e
especificamente no âmbito do direito processual, e pretende apenas
mostrar algumas apropriações feitas, apontar as possibilidades
abertas e indicar certos limites e problemas.
Palavras-chave: Revolução digital. Modelos processuais.
Materialidade discursiva.
Resume: Le but de cet article consiste en analyser les effets de la
révolution numérique au domaine du droit processuel. Ainsi, on fait
une étude comparative des formes de matérialisation ou inscription
discursive, orale, écrite et numérique, avec quelques modèles
historiques de procédure orale, écrite et numérique. Notre analyse
cherche à remarquer comment les changements sont liés au
développement de plusieurs compétences cognitives et aussi à
l’émergence des nouvelles technologies de l’intelligence. Notre
étude met en relief la nouvelle expérience introduite par la textualité
numérique et ses impacts dans le droit. Notre analyse a évité de
faire suivre des nouveaux dispositifs technologiques une
conséquence directe pour l’expérience juridique, aussi bien que faire
une prévision déterministe sur l’avenir du droit processuel. Notre
étude cherche surtout à prendre en considération comment les
dispositifs technologiques sont appropriés socialement, et
notamment dans le domaine du droit processuel, et nous voudrions
tout simplement montrer certaines appropriations faites, signaler les
possibilités ouvertes, et indiquer quelques bornes et problèmes.
Mots-clés: Révolution numérique. Modèles processuels. Matérialité
discursive.
Introdução
Vivemos em um mundo que passa por uma significativa
mudança nas formas de inscrição, circulação e apropriação
discursiva, um fenômeno que conduz muitos a afirmar que se trata
de uma revolução e que estamos diante de uma nova cultura e
sociedade: a revolução digital, a cibercultura e a sociedade da
informação. Esses temas são hoje objeto dos mais variados estudos
em diversas áreas, como a teoria da comunicação, a sociologia, a
história, a filosofia e as ciências cognitivas. Em razão do grande
impacto que essas transformações acarretam para a vida social, os
juristas também se interessam cada vez mais pelo tema. Diversos
são os domínios estudados: o direito autoral e a propriedade
intelectual, a possibilidade de participação direta em decisões
políticas ou na fiscalização dos atos do poder público, a utilização
da internet com o objetivo de desburocratizar as relações do
cidadão com o Estado, a questão dos contratos eletrônicos e da
assinatura digital, dentre muitos outros. No presente artigo, nos
limitaremos a analisar os reflexos dessa revolução no âmbito do
direito processual. É fato que o uso da internet e do meio digital
trouxeram e podem ainda trazer muitas e importantes
conseqüências processuais que convêm explorar e compreender.
No entanto, até mesmo para uma maior compreensão do impacto
dessa nova forma de discursividade para o meio processual,
optamos pela análise comparativa das formas de discursividade
oral, escrita e informática com alguns modelos históricos de
processo oral, escrito e informático.
Algumas dificuldades foram encontradas no percurso.
Notadamente no concernente a uma possível, mas controlada,
generalização do discurso. Não se ignora aqui que essas diversas
modalidades das chamadas “tecnologias da inteligência” (LÉVY,
1993) – oralidade, escrita e informática –, com seus elementos
técnicos e restrições materiais, ao passo de imporem muitos
condicionamentos (v.g., nas formas de pensamento e
temporalidades de uma sociedade), não se constituem em camisas
de força monodirecionais. o universo, algo autônomo, das
apropriações sociais. Ilustrativamente, sabe-se, por exemplo, que a
circunstância de Marco Polo ter trazido o espaguete da China não
significou que na Itália fosse ele consumido com pauzinhos.[296]
Buscamos evitar tal esquiva generalidade através da análise de
modelos processuais específicos, historicamente situados.
1 O direito e as mudanças nas materialidades discursivas
O direito é uma experiência discursiva extremamente
institucionalizada. Num plano geral, o discurso jurídico opera a partir
de certos procedimentos e tem uma materialidade própria, ou seja,
ele se materializa ou se realiza através de um meio material próprio
(oral, manuscrito, impresso, fonográfico, digital, etc.). A introdução
da escrita no direito, ocorrida nos primórdios de nossa história,
como atesta o Código de Hamurabi, provocou uma significativa
mudança nos modos de preservação da memória legislativa e
processual, na exposição das teses pelas partes e na formação

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