Maternidade encarcerada: uma análise da substituição da prisão preventiva pela domiciliar das mulheres gestantes e com filhos menores de 12 anos no tribunal de justiça do estado do Rio de Janeiro

AutorJuliana Dantas Machado
Páginas255-320
Resumo
Este trabalho propõe analisar as condições para o exercício da maternidade no sis-
tema prisional nacional. Para tanto, contextualiza o encarceramento feminino sob
uma ótica de gênero. Considera que a organização social patriarcal e as construções
históricas do feminino e do masculino contribuem para invisibilidade e estigmatiza-
ção da mulher no cárcere. Realiza um levantamento dos principais direitos e garan-
tias previstos no âmbito nacional e internacional às presas gestantes e mães. Cons-

brasileiras não garantem o pleno exercício da maternidade. Observa a necessidade
de adoção de medidas alternativas ao encarceramento. Analisa quantitativa e qua-
litativamente acórdãos em sede de Habeas corpus com pleitos de substituição da
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perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Constata que o benefício
da prisão domiciliar não é efetivado na maioria dos casos analisados e busca averi-
guar as lacunas que impedem a efetivação do direito e propor eventuais soluções.
Palavras-Chave
Encarceramento feminino. Maternidade no cárcere. Prisão domiciliar.
Introdução
Abandonai toda a esperança, vós que entrais.
Dante Alighieri
A situação prisional nacional é preocupante e a célebre frase de Dante Alighieri
poderia estar estampada na porta de entrada das prisões brasileiras,1 sinalizan-
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De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
de dezembro de 2014,2 o Brasil ocupa a quarta posição dentre os países com
as maiores populações prisionais do mundo, com um contingente de 622.202
MATERNIDADE ENCARCERADA : UMA ANÁLISE DA
SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PELA DOMICILIAR
DAS MULHERES GESTANTES E COM FILHOS MENORES DE
12 ANOS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
JULIANA DANTAS MACHADO
256 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2017
pessoas presas e capacidade para apenas 371.884 — o que indica um quadro
gravíssimo de superlotação.
A superlotação e a precariedade das prisões brasileiras, decorrentes de
ações e omissões do Poder Público, geram um quadro de violação maciça e
persistente de direitos humanos, o qual foi recentemente reconhecido pelo Su-
premo Tribunal Federal (STF),3 em decisão na qual se caracterizou o sistema
prisional nacional como um “estado de coisas inconstitucional”.
Dentro deste cenário de falência do sistema prisional, as mulheres viven-
ciam a experiência da prisão de forma mais traumática do que homens, mesmo
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leira, tendo em média 5,8% de mulheres presas para 94,2% de homens.
Se a realidade das prisões já é cruel para os homens, ela é ainda mais seve-
ra para essa parcela invisível de mulheres, as quais sofrem as violações de um
sistema pensado e estruturado por e para homens, resultando em um modelo
que não está atento às peculiaridades do gênero feminino, dentre as quais se
destaca a maternidade, tema geral deste trabalho.
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construções sociais de gênero, as responsabilidades relacionadas à maternidade
(vocábulo aqui utilizado em sua acepção ampla, englobando concepção, gesta-
ção, parto, amamentação e vínculo entre mãe e bebê) foram historicamete atri-
buídas às mulheres, imposição social que as acompanha no ambiente prisional.
Muitas das mulheres em situação de privação de liberdade encontram-se
4 (os quais muitas vezes dependem do apoio afe-
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bilidade de continuidade do exercício da maternidade às mães encarceradas.
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um lado, o direito legítimo da sociedade (dentro da lógica punitivista) de exigir
que o Estado exerça o seu poder-dever de punir aquele que cometeu um crime
em prol da segurança pública. De outro lado, os direitos da mãe em relação ao
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quências de um ato praticado por sua mãe.
No entanto, considerando que o sistema prisional brasileiro apresenta-se
como um potencial violador de direitos, é factível presumir que as condições para
o exercício da maternidade no cárcere sejam precárias, consubstanciando-se em
um dos temas mais sensíveis no que tange à violação de direitos humanos.
Dessa forma, considera-se necessário priorizar as medidas alternativas ao
encarceramento das mulheres previstas no ordenamento jurídico pátrio — tema
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MATERNIDADE ENCARCERADA 257
A prisão domiciliar é uma espécie de medida cautelar utilizada em subs-
tituição à prisão preventiva em decorrência de razões humanitárias, como a
maternidade. A efetivação da prisão domiciliar atende, em tese, ambos direitos
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pécie de prisão, atende aos ditames da segurança pública; e (ii) ao permitir o
recolhimento domiciliar, garante a desinstitucionalização da mãe e da criança
e os direitos à gestação adequada, ao desenvolvimento sadio e a continuidade
do exercício da maternidade.
Questiona-se, no entanto, se os magistrados priorizam os direitos e garan-
tias da criança e da mãe ao serem chamados a decidir quanto à aplicação da
prisão domiciliar.
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análise empírica dos processos judiciais que envolvem pleitos de prisão domi-
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tendo como universo Acórdãos em sede de Habeas corpus proferidos pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Partiu-se da hipótese de que a maior parte dos magistrados não prioriza-
ria os direitos e garantias da mãe e da criança, mas sim a segurança pública,
o que resultaria na manutenção do encarceramento das mulheres em situação
de maternidade.
O objetivo geral da pesquisa é investigar como o Judiciário vem aplican-
do as medidas alternativas previstas ao encarceramento em prol da mãe e da
-
vidade das medidas alternativas ao encarceramento, demonstrar os argumen-
tos utilizados pelos magistrados em suas decisões, analisá-los criticamente,
avaliar eventuais lacunas que impeçam a consolidação dos direitos e garantias
previstos às mães e crianças, e propor eventuais soluções.
A metodologia de investigação adotada mescla a pesquisa doutrinária
com a não doutrinária. A primeira baseia-se em uma pesquisa teórica, a qual
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A segunda equivale à pesquisa empírica, a qual se traduz na análise dos Acór-
dãos do universo selecionado, cuja metodologia será detalhada no decorrer do
trabalho.
O trabalho está estruturado em três capítulos. Em decorrência da pecu-
liaridade do tema e do recorte de gênero, os dois primeiros capítulos são vol-
tados à contextualização — o primeiro apresentará um panorama do encarce-
ramento feminino e o segundo as condições para o exercício da maternidade
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pótese formulada.

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