A Maternidade no Cárcere: um olhar sobre o sistema prisional feminino da região metropolitana da Grande Vitória

AutorMarina Agapito Soares
Ocupação do AutorGraduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa foi desenvolvida para o Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação do Prof. Me. Rodrigo Iennaco de Moraes
Páginas171-190
ESTUDOS EM HOMENAGEM AOS 10 ANOS DO GRUPO CASA VERDE • 171
A Maternidade no Cárcere:
um olhar sobre o sistema prisional
feminino da região metropolitana
da Grande Vitória
Marina Agapito Soares1
Introdução
As mulheres encarceradas possuem demandas que lhes são
especícas, devido à condição biológica e, em especial, a aspectos que
exteriorizam sua vulnerabilidade, como a violência familiar, discri-
minação de gênero e a responsabilidade, geralmente unilateral, pela
maternidade. Lamentavelmente, essas peculiaridades estão longe de
serem atendidas. Com efeito, o Estado, responsável pela tutela das
mulheres encarceradas, torna-se o maior violador de seus direitos.
O elemento central deste trabalho é a análise da ecácia dos
direitos que envolvem o exercício da maternidade no sistema prisio-
nal brasileiro. Sob o enfoque transdisciplinar, o presente estudo se
propõe a dialogar com autores que fazem uma interface entre Execu-
ção Penal, Criminologia Crítica e Criminologia Feminista.
Ao longo dessa pesquisa, os dados sobre do sistema prisional
feminino em escala nacional serão contrastados com aqueles obtidos
através do estudo empírico realizado em 2016, nas unidades femini-
nas da Grande Vitória, Espírito Santo, quais sejam, a Penitenciária
Feminina de Cariacica (PFC) e o Centro de Detenção Provisória Fe-
minino de Viana (CDPFV).
Com base na metodologia experiencial, foram aplicados
questionários à administração das unidades prisionais e realizadas
entrevistas com as mães e gestantes. Por sua vez, será feita uma aná-
lise, a partir de uma perspectiva de gênero, do conteúdo das falas
das mulheres presas, identicadas pelas suas iniciais, sob o viés da
legislação penal e processual que trata das questões que envolvem a
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Graduada em Direito p ela Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa foi
desenvolvida para o Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação do Prof. Me.
Rodrigo Iennaco de Moraes.
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maternidade na prisão.
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O presente trabalho traz a percepção da criminologia crítica
e feminista sobre a violação sistemática dos direitos das mulheres en-
carceradas, partindo-se do pressuposto de que o processo de crimi-
nalização é marcado por concepções machistas e seletivas.
Passa-se, então, a demonstrar a trajetória de amadurecimen-
to das teorias criminológicas, até o momento em que os estudos pas-
saram a analisar o sistema criminal também sob o viés epistemoló-
gico feminista, dando-lhe uma interpretação macrossociológica no
âmbito das categorias de patriarcado e gênero (ANDRADE, 2005).
A escola positivista, desenvolvida a partir do século XIX,
centra os estudos no delinquente, de modo que as causas da crimina-
lidade resultam da natureza humana do indivíduo (MENDES, 2012,
p. 39). As principais referências dessa corrente, Lombroso e Ferrero,
classicam o gênero feminino como sedutor, enganoso, frio, malévo-
lo e, então, propenso à criminalidade (R. VAN SWAANINGEN apud
ESPINOZA, 2004).
Na metade do século XX, a corrente positivista foi suplan-
tada pelas teorias criminológicas críticas, desenvolvidas a partir do
paradigma da reação social. Houve, portanto, a alteração do objeto de
estudo da criminologia, que passou a dar ênfase ao processo de cons-
trução da criminalidade ao invés de buscar as causas do crime (para-
digma etiológico) (BARATTA apud ANDRADE, C. D., 2016, p. 18).
Nessa linha, admitiu-se que os instrumentos perversos utili-
zados na execução das penas são fontes de reprodução de estigmas.
Os autores da criminologia crítica defendem que as mazelas do sis-
tema de justiça criminal eram resultado de uma política capitalista,
desigual e racista (CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 151). No entan-
to, essa corrente é, paradoxalmente, acrítica com relação ao caráter
androcêntrico e patriarcal do sistema penal.
Como resposta ao alijamento da perspectiva de gênero do
sistema de justiça criminal, nas décadas de 70 e 80, consolidou-se a
criminologia feminista de perl mais crítico. Importa esclarecer que
tais correntes se complementam, na medida em que “A introdução da
variável do gênero na ótica do etiquetamento permitiu que fossem

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