Máximas do Direito Romano

AutorJosé Gilmar Bertolo
Páginas1460-1486

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Segundo Pedro Inácio da Silva, ... no mundo do direito, assim como em outros setores do conhecimento, desenvolve-se uma linguagem particular, específica, onde se guardam palavras e expressões que ganham acepções próprias. Naturalmente que, à medida que aumenta o nível de especialização, mais complicado vai se tornando o vocabulário técnico, ampliando ainda mais o fosso que o separa da linguagem comum, com a inevitável consequência de igualmente aumentar, para os que não são do meio, a dificuldade de compreender a matéria tratada no texto.

Assim, além da perplexidade que comumente assalta o leigo pela natural variação de sentido que a palavra sofre ao ser tomada na lingua-gem particular, outros elementos contribuem para mais nebuloso o texto jurídico, particularmente se o profissional, envolvido pela correria da vida moderna, estressado com a competitividade que marca o individualismo pós-moderno, assoberbado com um volume excessivo de trabalho, não se dispõe ou não tem tempo para trabalhar o texto, observar com acuidade as regras da gramática normativa. Com isso, avolumam-se peças jurídicas onde se percebe o descuido no trato com a palavra, muitas se apresentando prenhes de vícios como ambiguidade, obscuridade, cacofonia, eco e colisão, que se opõem à clareza com que se deve expor os fatos e dizer o direito.

Clareza, concisão e precisão são exigíveis na linguagem jurídica, notadamente na petição inicial, onde o autor expõe o que pretende, expressa o pedido, que, segundo o Código de Processo Civil, deve ser certo e determinado (art. 286) e que somente pode ser interpretado de modo restrito (art. 293); a sentença, "que traduz a vontade da lei aplicada ao caso concreto", conforme anotou o Juiz Nylson Sepúlveda, citado por Dalzimar Tupinambá na obra Processo de Conhecimento-anotações (São Paulo: Ltr, 2001, p. 329), deve expressar claramente o que foi decidido, pois também deve ser interpretada restritivamente. Figuram, pois, como requisitos de inteligência dos textos jurídicos. Porém, tais requisitos não são sinônimos de rigorismo formal, de tal modo que a linguagem forense seja enclausurada num hermetismo vocabular cujo acesso somente é permitido a iniciados.

Ainda que saibamos o quanto é difícil atingir o ideal de redigir peças judiciais em linguagem acessível às pessoas comuns, pois o uso da técnica legitima o emprego de vocábulos e expressões cujo sentido

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escapa à maioria dos destinatários da jurisdição, que é o povo, essa deve ser uma meta sempre perseguida. A elegância no estilo, profundidade científica, esmero no trato com a linguagem, tão desejáveis, não são sinônimos de pirotecnia vocabular, de exibicionismo que contribua para o fortalecimento da péssima reputação do linguajar judiciário, que o leigo costuma jocosamente reduzir aos "data venia" e Vossa Excelência".

Alguns casos observados nos textos forenses decorrem de desatenção, merecendo destaque os derivados de vícios de linguagem, que "são palavras ou construções que deturpam, desvirtuam ou dificultam a manifestação do pensamento". Destacam-se os casos de cacografia - erro de grafia (ex.: omissídio - homicídio). Outros incorrem no arcaísmo - palavra ou expressão antiquada, em desuso. O preciosismo trafega nessa mesma mão, pois se constitui no requinte exagerado no falar e no escrever, empregando palavras não usuais, extravagantes. Caracteriza-se pelo desvio do padrão normal da linguagem, que foge à naturalidade do discurso, apresentando-se muito mais como um exibicionismo linguístico, de difícil compreensão, quando não cai nos desvãos do pedantismo. O uso exagerado do estrangeirismo pode levar o profissional a ser acusado de apedantado, no entanto, este é admitido quando utilizado com cautela. Todavia, impõe-se que a escrita seja legível, de fácil compreensão, revelando-se aí o domínio da língua e o bom senso do operador do direito.

Porém, é o latim que mais tenta os profissionais do direito a exibir conhecimento e experimentar requintes estilísticos, com resultados às vezes grotescos, mormente, porque muitas vezes se lançam neste terreno minado sem equipamento necessário, e o que comumente ocorre é a repetição de expressões que se tornaram usuais no meio forense, sem o real domínio do seu significado, particularmente em razão da supressão do ensino do latim nos cursos de direito, língua em que foram escritas as linhas mestras do direito ocidental, e que até hoje reverbera na linguagem forense. Barbosa Moreira cita o exemplo da expressão "data venia", que é utilizada em sinal de respeito, como licença à pessoa de quem se quer divergir, e que frequentemente ganha superlativos como datíssima venia e data veníssima (op. cit., p. 257), o que deve fazer estremecerem os cultores da língua de Cícero.

O Código de Processo Civil de 1939 empregava muitas expressões latinas, como de cujus, in limine, causa mortis, que foram varridas pelo Código de 1973, moderno e de melhor técnica, e que dispõe no art. 156 que "em todos os atos e termos processuais é obrigatório o uso do vernáculo". Mas não há como negar a concisão do latim, idioma de extraordinário poder de síntese. Algumas expressões cunhadas

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há vários séculos ainda são retomadas, à falta de versão adequada no vernáculo. Utilizando-as com parcimônia pode haver enriquecimento do texto. É do domínio público a expressão "habeas corpus", com a qual se denomina o instrumento processual garantidor da liberdade de locomoção contra ameaças ou lesões praticadas ilegalmente, e que nenhum jurista ousa substituir pelo correspondente em português: "tome o corpo". Podemos, ainda, citar vários outros exemplos, tais como: "quorum", que significa número mínimo para funcionamento de um órgão colegiado; "in memoriam", que se usa em convites para casamento, entre outros, quando uma pessoa já se foi, ou seja, usa-se para lembrança. Ronaldo Caldeira Xavier observa, com acerto, que "em linguagem forense há fórmulas consagradas pelo uso e pela praxe" (Português no Direito, 15. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 231), razão pela qual não se pode condenar o uso de palavras e expressões latinas, desde que se conheça o significado e alcance, para que o texto não seja uma mera reprodução de equívocos.

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1. Palavras latinas de largo uso jurídico

A

A contrario sensu: Pelo contrário; pela razão contrária.

A fortiori: Por maior razão.

A non domino: Não do dono.

A rogo: a pedido de. Assina a rogo pessoa autorizada em nome do que devia assinar.

Ab abrupto: de repente, de súbito.

Ab absurdo: Por absurdo.

Ab aeterno: Desde a eternidade.

Ab alto: Por alto.

Ab hoc et ab hac: Disto e daquilo, i.e, a torto e a direito.

Ab initio: Desde o começo, desde a origem.

Ab intestato: Sem testamento. Não deixou testamento.

Ab irato: Em estado de ira (atos assim são passíveis de anulação).

Ab origine: Desde a origem.

Ab ovo: Desde o começo.

Aberratio criminis: Erro (ou desvio) do crime.

Aberratio delicti: Erro (ou desvio) do delito.

Aberratio ictus: Desvio do golpe.

Abolitio criminis: Extinção (ou abolição) do crime.

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Absente reo: Na ausência do réu.

Accipiens: Que recebe (que toma).

Actio de in rem verso: Ação sobre acréscimo (ou aumento da posse). É assim chamada a ação de repetição de indébito.

Actio libera in causa: Ação livre na causa (Teoria para caracterizar estado de embriaguez preordenada, ficando o agente em estado de inimputabilidade).

Actio: Ação.

Ad arbitrium: Segundo a vontade de alguém.

Ad argumentandum (tantum): Apenas para argumentar.

Ad causam: Para a causa.

Ad cautelam: Por cautela (por precaução).

Ad corpus: Venda por corpo.

Ad diem: Até o dia (do vencimento).

Ad domum: Em casa (citação feita na residência).

Ad hoc: Para isso, para esse caso (secretário, advogado, escrivão, etc).

Ad hominem: Ao homem (forma de argumentação em que se opõem ao adversário suas próprias palavras).

Ad impossibilia nemo tenetur: Ninguém está obrigado às coisas impossíveis.

Ad intra: Por dentro, interiormente.

Ad judicia: Cláusula na procuração que autoriza o mandatário a praticar todos os atos do processo, salvo os que exigem poderes expressos e especiais.

Ad litteris et verbis: Ao pé das letras e das palavras.

Ad mensuram: Por medida.

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Ad nostram consuetudinem: Conforme o nosso costume.

Ad postremum: Finalmente (por último).

Ad praescriptum: Conforme as ordens (instruções).

Ad quem: Para quem, e se emprega na referência ao Juiz ou Tribunal que vai tomar conhecimento do recurso.

Ad referendum: Para apreciação.

Ad summam: Em suma (ao todo, em resumo).

Ad tempus: Oportunamente (a tempo).

Ad terrorem: Para atemorizar.

Ad ultimum: Finalmente (por último).

Ad vanum: Inutilmente.

Addenda: Que se deve juntar.

Adversus omnes: Contra todos.

Aequitas tollitur omnis, si habere suum cuique, non licet: Toda a equi-dade desaparece, se a cada um não é lícito haver o que é seu.

Affirmans probat: Quem afirma prova.

Affirmanti non neganti incumbit probation: A prova incumbe a quem afirma.

Ampla occasio: Ocasião oportuníssima.

Angustia stipendii: Escassez de salário (salário baixo que não atende as necessidades primárias para a subsistência).

Animus bellandi: com intenção de guerrear (lutar por algo).

Animus corrigendi: Apenas com intenção de criticar - injuriar. Com vontade de fazer o mal (delinquir, cometer crime).

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Animus delinquendi: com vontade de fazer o mal (delinquir, cometer o crime).

Animus domini: Intenção de ser dono ou proprietário.

Animus manendi: Intenção de permanecer como está.

Animus necandi: Intenção de...

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