Mediando conflitos em empresas

AutorLilia Maia De Morais Sales - Emanuela Cardoso Onofre De Alencar
Páginas165-174

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1. Considerações iniciais

A mediação de conflitos vem se desenvolvendo há mais de três décadas no Brasil, sendo estudada por profissionais de várias áreas e desenvolvida por diversos escritórios especializados e instituições.

Nos últimos anos, tendo em vista a valorização da qualidade de vida no ambiente de trabalho e a valorização de clientes e colaboradores, percebe-se que vem crescendo também o número de empresas que escolhem a mediação como procedimento adequado para bem administrar os conflitos, buscando solucionar as divergências existentes de modo informal e célere e visando à manutenção dos vínculos de confiança, credibilidade e afetividade (no caso de colaboradores que convivem diariamente no ambiente de trabalho).

Como exemplo destaca-se a experiência das agências reguladoras, como a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, que criou um núcleo de mediação destinada à solução de controvérsias, subordinado à sua Ouvidoria. Nesse núcleo as questões são resolvidas em prazo razoavelmente pequeno e no âmbito da própria Agência.

A mediação realizada nas empresas está marcada pelo fato de, nestas, expres-siva parte de seus colaboradores ser já, em maior ou menor grau, de negociadores, em face das atividades que desenvolvem diariamente. Apesar disso, tendo em vista que os ambientes empresariais tendem a ser altamente competitivos, haja vista ser essa uma característica do universo corporativo atual, vem se desenvolvendo de forma expressiva um modelo de mediação que utiliza as técnicas de negociação desenvolvidas pelo Projeto de Negociação de Harvard, que se destaca por ser um procedimento que utiliza técnicas de negociação adequadas para ambientes e partes competitivos, somadas às características da mediação per si, que busca a valorização da inter-relação existente entre os envolvidos no conflito, a cooperação e o reconhecimento das res-ponsabilidades destes.

Assim, ante a relevância que a mediação organizacional vem adquirindo nos últimos anos, o presente artigo obje-tiva analisar como a mediação, utilizando os métodos de negociação desenvolvidos pelo Projeto da Universidade de Harvard, pode contribuir para a adequada resolução de conflitos surgidos com clientes, parceiros e colaboradores das empresas, mantendo a credibilidade destas e um ambiente de trabalho saudável e motivador.

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2. Oprojeto de negociação da Universidade de Harvard e a construção de consenso

A Universidade de Harvard, por meio de seu Projeto de Negociação, vem desenvolvendo técnicas que objetivam resolver conflitos buscando ressaltar os interesses das partes envolvidas, separar as pessoas dos problemas por elas vivenciados e criar critérios objetivos que possam auxiliar na elaboração de um acordo que satisfaça a todas as partes envolvidas.

Fisher, Ury e Patton afirmam que em um conflito é freqüente encontrar dois modos de negociar: com afabilidade ou com aspereza [Fisher/Patton/Ury 2005]. O negociador afável, para evitar conflitos pessoais, faz concessões prontamente para realizar um acordo. Por querer uma solução amigável, acaba sendo explorado e se sente insatisfeito com o acordo firmado. O negociador áspero vê o conflito como uma disputa de vontades na qual quem assume as posições mais extremadas e resiste por mais tempo acaba por obter os melhores resultados e a vitória. Por querer vencer a todo custo, acaba criando uma reação também áspera da outra parte, que prejudica a relação existente e a possibilidade de um acordo satisfatório.

Desta feita, buscando um meio de negociar que não seja nem áspero nem afável, foi desenvolvido o método da negociação baseada em princípios, pelo Projeto de Negociação de Harvard, que consiste em "decidir as questões a partir de seus méritos, e não através de um processo de regateio centrado no que cada lado se diz disposto a fazer e a não fazer. Ele sugere que você procure benefícios mútuos sempre que possível e que, quando seus interesses entrarem em conflito, você insista em que o resultado se baseie em padrões justos, independente da vontade de qualquer dos lados" [Fisher/Patton/Ury 2005: p. 16].

O método de negociação baseada em princípios é rigoroso quanto aos métodos e possibilita que se obtenha o que a parte tem de direito, agindo com decência e com imparcialidade.

Fisher, Ury e Patton apresentam os métodos da negociação baseada em princípios [Fisher/Patton/Ury 2005]:

* Separar as pessoas dos problemas - trata-se de um dos principais princípios do método, pois quando vivenciam um problema (seja em relações afetivas ou no trabalho) os litigantes tendem a confundir os problemas com as pessoas, o que dificulta a resolução do litígio e muitas vezes prejudica a relação existente.

Fisher, Ury e Partton argumentam que um ponto inicial para separar as pessoas dos problemas é perceber a outra parte, colocar-se em seu lugar, para compreender o problema sob o seu ponto de vista, evitando deduzir as intenções do outro por meio dos próprios medos ou culpando o outro pelo problema vivido [Fisher/Patton/ Ury 2005: pp. 40-47]. É importante que sejam discutidas as percepções de cada um, explicitando-as e analisando-as de forma honesta e incentivando a participação ati-va de todos os envolvidos na negociação, para que se sintam partes no processo e que contribuíram para a construção do melhor acordo.

* Concentrar-se nos interesses, não nas posições - a descoberta dos interesses envolvidos em um litígio permite que as partes sejam mais maleáveis, saindo das posições rígidas em que se colocavam, reflexo de comportamentos egoístas que buscavam privilegiar apenas a parte que os defendia.

Quando se descobrem os interesses de ambas as partes, é necessário que todos sejam valorizados e levados em conta durante a negociação [Fisher/Ertel 1995]. Como destacam Fisher, Ury e Patton:

"Cada um de nós tende a preocupar-se tanto com seus próprios interesses que presta muito pouca atenção aos interesses de outrem.

"As pessoas ouvem melhor quando sentem que você as compreende. Tendem

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a pensar naqueles que as entendem como pessoas inteligentes e solidárias cujas opiniões vale a pena ouvir. Portanto, se você quer que o outro lado reconheça seus interesses, comece por demonstrar que reconhece os dele" [Fisher/Patton/Ury 2005: pp. 69-70].

Conhecer o problema e os interesses envolvidos, de todas as partes, é um passo importante antes de buscar a solução mais adequada a solucioná-lo.

* Inventar opções de ganhos mútuos -por mais importante que seja contar com diferentes opções durante uma negociação, as partes envolvidas poucas vezes sentem necessidade delas, pelo quê Fisher, Ury e Patton [Fisher/Patton/Ury 2005: p. 76] chamam de "obstáculos fundamentais que inibem a invenção de uma multiplicidade de ações". São eles: o julgamento prematuro; a busca de uma resposta única; a pressuposição de um bolo fixo; e pensar que "resolver o problema deles é problema deles".

Para tanto, para que sejam criadas diferentes opções criativas que possam conduzir a um acordo satisfatório, recomendam [Fisher/Patton/Ury 2005: p. 79] separar o ato de inventar opções do ato de julgá-las; ampliar as opções em vez de buscar uma única resposta; buscar benefícios mútuos; e inventar meios de facilitar as decisões dos outros.

* Insistir em critérios objetivos — por mais que os negociadores mais hábeis tentem conciliar os interesses das partes, não se pode olvidar a realidade dos interesses conflitantes. Assim, Fisher, Ury e Patton defendem que, em uma negociação, o mais sensato a fazer é baseá-la em princípios que possam produzir acordos sensatos de forma...

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