A Medida de Segurança como a pior opção: por que os neurocientistas não devem dizer sobre como punir
Autor | Regina Geni Amorim Juncal |
Ocupação do Autor | Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduação em Psicologia (2012) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada criminalista. Integrante do Grupo de Estudos e Extensão Casa Verde desde o ano de 2011 |
Páginas | 214-243 |
214 • CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA CRIMINOLÓGICA
A Medida de Segurança como
a pior opção:
por que os neurocientistas
não devem dizer sobre como punir
Regina Geni Amorim Juncal1
1. Introdução
Alguns casos que envolvem condutas criminosas são para-
digmáticos para a neurociência em diversos aspectos, principalmente
no que diz respeito à mitigação da categoria de livre arbítrio – base
para a teoria da culpabilidade adotada no direito penal.
Casos como o do Charles Whitman2, Alex3 (pseudônimo) e
1 Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduação em
Psicologia (2012) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advoga-
da criminalista. Integrante do Grupo de Estudos e Extensão Casa Verde desde o
ano de 2011.
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Este homem de 25 anos matou, no ano de 1966, 13 pessoas e feriu 33. Whitman
se dirigiu ao último andar da Universidade do Texas, em Austin. Carregava consigo
uma mala cheia de munição e armas. Do alto, atirou em pessoas, dentre famílias de
turistas, uma mulher grávida, pedestres na rua e até motoristas de ambulância que
vinham resgatá-los. A polícia, ao chegar na casa do assassino, surpreendeu-se ao
encontrarem mortas a facadas a mãe e a esposa de Whitman. Na noite anterior ao
desastre, ele deixou um bilhete suicida no qual dizia, dentre outras coisas, que não
sabia o que acontecia com ele nos últimos tempos, mas que tem tido pensamentos
incomuns e irracionais. Dizia não entender porque tinha que fazer aquelas coisas,
que amava muito sua mãe e sua esposa. Nada na conduta de vida de Whitman o de-
sabonava, pelo contrário. No bilhete suicida, ele pede que uma autópsia fosse reali-
zada em seu cérebro, para saber se havia alguma coisa de errado, pois suspeitava dis-
so. Por m, descobriu-se que Whitman tinha em seu cérebro um tumor, chamado
glioblastoma, com diâmetro de uma moeda. O tumor desenvolveu-se por baixo do
tálamo, alcançou o hipotálamo e comprimiu uma região chamada amígdala. Essa
região diz respeito a regulação emocional, principalmente o medo e a agressividade.
Vários estudos comprovam perturbações emocionais e sociais quando essa área é
envolvida. (EAGLEMAN, David. e Brain. New York: Pantheon Books, 2015).
3
Caso notório de pedolia adquirida: um homem de quarenta anos, depois de mui-
tos anos de casado começou a apresentar mudanças drásticas em suas preferências
sexuais, o que foi percebido por sua esposa. Alex passou a focar seu tempo de forma
obsessiva no consumo de pornograa infantil. Alex também reclamava de fortes
ESTUDOS EM HOMENAGEM AOS 10 ANOS DO GRUPO CASA VERDE • 215
Ken Parks4 apontam claramente para uma interface da neurociên-
cia com a lei penal. A análise desses casos demonstra que o cérebro,
quando alterado em qualquer de suas funções e por qualquer que seja
o motivo, altera também o comportamento do sujeito, de tal forma
que a própria vontade autônoma de agir de uma ou de outra forma
mostra-se comprometida.
É muito fácil e claro ver um sério comprometimento da von-
tade autônoma, ou do que chamamos de livre arbítrio, em casos ex-
tremos como esses, em que há presença de tumores cerebrais em áre-
as esp ecícas envolvendo agressividade, impulsividade, capacidade
de juízo ou desinibição do comportamental sexual. Em tais afetações
do cérebro, há tamanhas mudanças que a pessoa pode vir a cometer
um crime, por mais que antes dos tumores apresentasse uma vida
completamente normal, como nos casos apresentados acima.
Os avanços neurocientícos, sobretudo na neuroimagem,
são importantíssimos para o melhoramento das capacidades huma-
nas, para a cura de doenças e para melhor compreensão do compor-
tamento humano. Tais avanços são positivos e irreversíveis. No en-
tanto, é de fundamental impor tância questionar o uso ético dessas
novas descobertas. Daí a neuroética ser um campo tão importante.
Porém, no que concerne à interface da neurociência com o
dores de cabeça, motivo que o levou à procura de um médico. Um escâner cerebral
revelou um enorme tumor no córtex orbitofrontal de Alex. D epois da retirada do
tumor, o desejo sexual de Alex voltou completamente ao normal. Menos de um
ano após a cirurgia, o comportamento pedofílico retorna, com o consumo de por-
nograa infantil. O tumor não havia sido totalmente extirpado na cirurgia: uma
pequena parte escapara. Novamente submetido à cirurgia, seu comportamento vol-
tou ao normal. (EAGLEMAN, David. Incógnito. As vidas secretas do cérebro. Rio de
Janeiro: Rocco, 2012).
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Aos vinte e três anos, casado e com uma lha pequena, Ken Parks dorme ao sofá
enquanto assistia televisão. Levanta-se no meio da noite, dirige até a casa dos s eus
sogros – com quem tinha ótimo relacionamento – e lá estrangula seu sogro e esfa-
queia sua sogra. Depois, dirige até uma estação policial e diz ao ocial que lhe aten-
de que achava que tinha matado alguém. Ken não se lembrava de absolutamente
nada. Enquanto esteve preso, s eu advogado s olicitou serviços de um especialista
em sono para medir os sinais do eletroencefalograma de Ken enquanto ele dormia
à noite. Descobriu-se que Ken sofria de sonambulismo. Esse distúrbio do sono, in-
clusive, afetava parte de sua família. Assim, s em ter como falsicar os resultados
do estudo do sono e com histórico familiar extenso, Ken Parks não foi considerado
culpado pelo homicídio dos seus sogros. (EAGLEMAN, David. e Brain. New
York: Pantheon Books, 2015).
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