Medidas excepcionais sobre as relações familiares e a sucessão hereditária

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama/Thiago Ferreira Cardoso Neves
Páginas147-175
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MEDIDAS EXCEPCIONAIS
SOBRE AS RELAÇÕES FAMILIARES
E A SUCESSÃO HEREDITÁRIA
O RJTE, instituído pela Lei nº 14.010/2020, também se preocupou com os impactos
da pandemia do COVID-19 no âmbito das relações familiares e sucessórias, notadamente
em virtude das determinações e/ou recomendações feitas pelas autoridades públicas.
Diante das notícias científ‌icas referentes aos modos de contágio do COVID-19 e de seus
possíveis efeitos letais, notadamente em relação às pessoas consideradas integrantes de
grupos mais vulneráveis – tais como os idosos e as pessoas com alguma doença pree-
xistente de natureza cardíaca ou respiratória –, algumas medidas vêm sendo impostas
e outras recomendadas pelas autoridades públicas (e até por cientistas ligados às pes-
quisas científ‌icas referentes à transmissão do COVID-19) e que alteraram o “modus
vivendi” no âmbito das relações familiares. A Lei 13.979/20, ao prever as medidas de
combate à pandemia do COVID-19 que podem ser impostas pelo Poder Público, ex-
pressamente consigna que tais medidas devem ser limitadas no tempo e no espaço ao
mínimo indispensável à promoção e preservação da saúde pública, sem que possam
signif‌icar violação à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais da
pessoa (art. 3º, §§ 1º e 2º, III).
As medidas de distanciamento social, de utilização de certos equipamentos para
prevenir o contágio, aliadas às realidades decorrentes das mudanças operadas nos seg-
mentos das atividades prof‌issionais – tais como o trabalho remoto em casa (home off‌ice)
e a possibilidade de redução da jornada de trabalho com proporcional diminuição do
salário na iniciativa privada1 –, ao mesmo tempo que ensejaram, em muitos casos, a
suspensão do convívio presencial entre alguns familiares (tais como avós e netos, tios e
sobrinhos e irmãos), simultaneamente permitiram a potencialização do contato efetivo
e mais permanente entre os cônjuges, os companheiros, e os pais e f‌ilhos.
A Lei nº 14.010/2020 prevê duas regras emergenciais e transitórias para tratar das
questões envolvendo as famílias: a) a questão referente à situação do devedor de ali-
1. A Medida Provisória 927, de 22.03.2020, dispõe sobre as medidas trabalhistas que podem ser adotadas no período
de duração da pandemia da COVID-19, com objetivos de preservação do emprego e da renda (art. 1º), facultando
ao empregador e ao empregado a celebração de acordo individual escrito a respeito de tais medidas (art. 2º), que
terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos e negociais. O STF, ao apreciar algumas ações
diretas de inconstitucionalidade, manteve o indeferimento do pedido de concessão de liminar (ADI’s 6.344, 6.346,
6.348, 6.349, 6.352 e 6.354).
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DIREITO PRIVADO EMERGENCIAL • GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA E THIAGO FERREIRA CARDOSO NEVES
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mentos com prisão civil decretada; b) a suspensão temporária das regras legais quanto
ao início e ao término dos inventários, adjudicações de herança ou partilha de bens.
Outros temas propositadamente não foram incluídos na Lei nº 14.010/2020, tais
como possíveis alterações do regime jurídico da guarda dos f‌ilhos comuns, modif‌icação
da obrigação dos alimentos especialmente quanto à redução do quantum ou exonera-
ção, ainda que na tramitação do projeto de lei que levou à edição do RJET tenham sido
apresentadas propostas para inclusão de tais questões2.
Há, também, outros temas referentes às relações familiares e sucessórias que não
foram tratados na Lei nº 14.010/2020, tais como a possibilidade de a habilitação e a ce-
lebração do casamento civil se realizarem, a admissibilidade de realização de testamento
comum sob a modalidade do testamento público, entre outras.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Corregedoria Geral de Justiça baixou
o Provimento 31/2020, tratando de medidas que podem ser implementadas no âmbito
dos serviços notariais e de registro público no âmbito territorial estadual durante o
período da pandemia do COVID-19. Para a habilitação para o casamento civil, há a
previsão do contato prévio do of‌icial do registro civil em meio remoto através de fer-
ramenta eletrônica que permita a conversa simultânea dele com os dois nubentes; de
que os nubentes deverão comparecer à serventia acompanhados das testemunhas para
assinar o requerimento de habilitação, desde que adotadas as cautelas e determinações
das autoridades de saúde pública; de que os interessados poderão fazer uso de certif‌icado
digital, emitido em conformidade com o padrão ICP-Br (Provimento 31/20, art. 23).
E, quanto à celebração do casamento civil, há a previsão de que, munidos os noi-
vos do certif‌icado de habilitação, poderá ser designada data e hora para a cerimônia de
celebração, que “poderá ser realizada por videoconferência para permitir a participação
simultânea de nubentes, juiz de paz, registrador e preposto, além de duas testemunhas,
servindo-se para tanto de programa que assegure a livre manifestação” (Provimento
31/20, art. 24), sendo dispensada a autorização para o casamento ser celebrado fora
da sede do cartório. Tais providências, por óbvio, deverão ser cercadas das cautelas
necessárias para assegurar a livre manifestação da vontade dos noivos com a presença –
em tempo real (em meio remoto) – das duas testemunhas, do juiz de paz, do of‌icial do
registro civil ou de seu preposto.
Outro tema que merece redobrada atenção é o da possibilidade de confecção de
cédulas testamentárias em razão das restrições e proibições existentes quanto ao contato
presencial, sendo digno de nota o tratamento dado no Código Civil ao testamento mi-
litar nuncupativo (CC, art. 1.896), único admitido a ser feito sob a forma de declaração
verbal, mas nas estritas condições previstas na lei.
2. As Emendas 47, 48 e 49, dos Senadores Soraya Thronicke e Rodrigo Pacheco, tinham como objetivo instituir
regras transitórias para permitir a redução do valor anteriormente estabelecido da pensão alimentícia e ensejar a
alteração das condições da guarda dos f‌ilhos menores pelos pais nos tempos de “quarentena” ou de isolamento
social. Tais emendas não foram acolhidas sob o fundamento de que a legislação brasileira já prevê mecanismos
para tais hipóteses.
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