Entre o medo e o odio: uma resenha de "O odio a democracia" de Jacques Ranciere.

AutorHillani, Allan M.

Arepressao estatal aos protestos de Junho de 2013, a barbarie elitista apos as ultimas eleicoes, ou os pedidos de volta da ditadura militar tem uma coisa em comum: a ideia de que somos "democraticos" demais. A "sociedade democratica", que prega o individualismo egoista ilimitado, se converte no seu oposto, o mais puro "totalitarismo" popular, afinal, a democracia se caracteriza por representacao, leis e instituicoes fortes, e nao pelo abuso do poder do povo. E precisamente sobre essa forma de enxergar o mundo e a politica, sobre o que e a democracia e como ela e condenada contemporaneamente, que trata O odio a democracia, o ultimo livro de Jacques Ranciere publicado no Brasil.

Jacques Ranciere e um dos principais nomes da filosofia politica contemporanea. O pensador, que ja foi um dos principais discipulos de Louis Althusser (e que rompeu com seu mestre depois de Maio de 68), hoje desenvolve uma teoria polemica baseada em um igualitarismo radical e em uma releitura do marxismo e da filosofia politica classica de Platao e Aristoteles. Sua conclusao e bastante incomum: tudo o que geralmente conhecemos por "politica" de politica nao tem nada. A politica se da, justamente, na discussao sobre os seus termos, na discussao sobre o que e ou nao "politico". Geralmente consideramos a politica como sendo as instituicoes, os processos de governo, a representacao, o exercicio do poder, etc. A isso Ranciere da o nome de policia. Nao se deve confundir, no entanto, essa policia com o que ele chama de "baixa policia", as instituicoes policiais, os aparelhos repressivos do Estado: deve-se recuperar o conceito ampliado original de policia que Michel Foucault desenvolveu no final dos anos 70, a ideia de policia como ordenacao, como ordem policial. Ela e a constituicao simbolica do social e sua essencia reside na definicao de um sistema de coordenadas que determina a lei que divide a comunidade em grupos, posicoes sociais, hierarquias, funcoes, que delimita o que e visivel e audivel, o que e toleravel e aceitavel.

A logica da policia e a logica de divisao do proprio e do improprio dos lugares, a visao subjacente a toda hierarquia. Uma das premissas do pensamento de Ranciere e, inclusive, a afirmacao da contingencia inerente a toda hierarquia e a toda a ordem, uma recusa fundamental a existencia de qualquer embasamento para essas disposicoes. Ranciere parte de uma compreensao de igualdade intelectual radical entre as pessoas que ele apropria da pedagogia de...

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