Meio ambiente do trabalho

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas385-393

Page 385

1. Significado, natureza jurídica e abrangência

O Direito a um meio ambiente sadio costuma ser enquadrado na terceira geração dos direitos fundamentais, os de solidariedade ou de fraternidade, e são diversos os tipos de meio ambiente (natural, artificial, cultural, arqueológico e do trabalho, dentre outros), todos a merecer atenção e preocupação da comunidade.

O meio ambiente natural abrange flora e fauna, água e ar, é a natureza na sua essência. O meio ambiente artificial são os prédios, os logradouros públicos, as vias de circulação, as áreas urbanas. O meio ambiente cultural é patrimônio artístico e intelectual de uma comunidade, incluindo suas manifestações populares. O meio ambiente arqueológico refere ao patrimônio histórico, sítios arqueológicos, imóveis que retratam arquitetura antiga, ruínas do passado, de modo a retratar os ancestrais de um povo. E, nesses últimos tempos, podemos identificar um novo tipo de meio ambiente, acerca do qual pouco ou nada se escreveu, mas que está a merecer bastante atenção: o meio ambiente espiritual, envolvendo, dentre outras coisas, os sentimentos de serenidade, afeto, fé, amor, de que seriam exemplos manifestações religiosas como o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará, ou as peregrinações dos muçulmanos a Meca (o hadjdj), onde nasceu Maomé, o profeta do Islã.

Entende-se por meio ambiente de trabalho todos os locais onde o trabalhador, em razão de seu ofício, desenvolve suas atividades laborais, seja interna (instalações da empresa) ou externamente (motorista, viajante, trabalhador rural, v. g.), e se encontre sob controle direto ou indireto do empregador. Pode ser incluído, não exclusivamente, também no meio ambiente artificial.

Devemos considerar nesse tipo de meio ambiente, as condições do local de trabalho quanto à qualidade de vida do obreiro, da mesma forma como os bens, instrumentos e meios, materiais e imateriais, para o homem desenvolver seu trabalho. No Brasil, quando cuidamos de meio ambiente do trabalho, nota-se que se trata do local onde é desenvolvida atividade laboral, e protegido pela Constituição de 1988, art. 200, VIII, e 7º, XXXIII.

Sua natureza jurídica é de direito humano fundamental, devendo ser preservada a saúde do trabalhador, cabendo inclusive ao sistema único de saúde colaborar na sua proteção (art. 200, VIII, da Constituição). A Constituição prescreve que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo ao Estado e à sociedade o dever de sua defesa e preservação para garantir a sobrevivência da espécie (art. 225).

Essa preocupação existe pelo menos desde a Idade Média, quando medidas de quarentena foram adotadas no mar Mediterrâneo a fim de evitar que as tripulações dos navios que singravam os mares de então levassem à Europa doenças trazidas de outras regiões. No século XIX, surgiram leis na Grã-Bretanha objetivando melhorar condições de trabalho e proteger o menor e o mesmo ocorreu na França e Alemanha.

Na Europa, o grande marco da preocupação com o meio ambiente é representado pelas Diretivas Seveso sobre lixo industrial, a partir de um grave acidente de poluição industrial, ocorrido a 10.07.1976, na cidade italiana de Seveso, quando tanques contendo dioxina TCDD romperam-se espalhando o produto em região da Lombardia, no norte da Itália. Daí resultou a primeira, a Diretiva n. 82/501, que deu lugar à Diretiva n. 96/82/CE, de 09.12.1996.

Page 386

Atualmente, o tema é tratado pela Diretiva Seveso III, que é a 2012/18/UE, de 04.07.2012, aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, relativa ao controle dos perigos associados a acidentes graves que envolvem substâncias perigosas. As Diretivas Seveso são importante marca no sentido de preservar o meio ambiente para as gerações futuras.

Diversas constituições modernas cuidam especificamente do meio ambiente do trabalho. A da Argentina fala em condições adequadas de trabalho (art. 14 bis). A do Paraguai cuida de ambiente saudável de trabalho (art. 7º). A do Uruguai, de trabalho com higiene física (art. 54). Saúde e segurança são preocupações das Constituições de Cuba (art. 49), de Honduras (art. 128, 6) e de Portugal (art. 59, 1, c), dentre outras.

No Brasil, é a Lei n. 6.938/1981 que cuida da política nacional de meio ambiente, e, quando se trata de responsabilidade por dano ambiental, adotamos o mesmo princípio admitido pela União Europeia e pela OCDE, a de que o poluidor paga, consoante prevê o art. 225 da Constituição.

2. Preocupações com o meio ambiente do trabalho

A partir de 1972, com a I Conferência das Nações sobre o Meio Ambiente Humano, passou-se a ter expressiva preocupação com o desenvolvimento sustentável e equilibrado, ainda que, àquela altura e um pouco mais além, mediante preferencialmente normas de soft-law, sem força obrigatória, com a pioneira Declaração de Estocolmo, de 16.06.1972, que, para o meio ambiente, equivale à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Em Nova York, a 09.05.1992, foi aprovada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, e, por ocasião da II Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) (Rio de Janeiro, 1992), registrou-se a aprovação da Convenção sobre Diversidade Biológica (05.06.1992), ambas ratificadas pelo Brasil, não sendo, todavia, nenhuma direcionada a meio ambiente do trabalho, embora sejam normas de hard-law, e, portanto, de grande significado.

A atuação da OIT, como organização internacional que visa buscar a melhoria de condições de trabalho para os seres humanos, tem sido acentuada e relevante, exercendo papel preponderante na elaboração de normas gerais protetoras dos trabalhadores, especialmente no que refere a combate ao trabalho infantil, adoção de normas de garantia de acesso ao mercado de trabalho pelas mulheres, eliminação de todas as formas de trabalho forçado, e pertinentes ao meio ambiente do trabalho.

Neste particular, a par da Resolução de 24.06.1975, cuidando de melhoria do meio ambiente do trabalho, dezenove convenções internacionais foram adotadas ao longo de sua profícua existência, que são as seguintes:

· N. 103 - proteção à maternidade;

· N. 115 - proteção dos trabalhadores contra as radiações ionizantes;

· N. 136 - proteção contra os riscos de intoxicação pelo benzeno;

· N. 139 - prevenção e controle dos riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos; ? N. 148 - proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, o ruído e a vibração no local de trabalho;

· N. 152 - segurança e higiene nos trabalhos portuários;

· N. 155 - segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho; ? N. 159 - reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes;

· N. 161 - serviço de saúde no trabalho;

· N. 162 - utilização de asbesto com segurança;

· N. 167 - segurança e saúde na construção;

· N. 170 - segurança nos produtos químicos no trabalho;

· N. 171 - trabalho noturno;

· N. 174 - prevenção dos grandes acidentes industriais;

· N. 176 - saúde e segurança nas minas;

· N. 182 - piores formas de trabalho infantil;

· N. 183 - proteção da maternidade;

Page 387

· N. 184 - segurança e saúde na agricultura; e,

· N. 187 - marco promocional para a segurança e saúde no trabalho.

O Brasil ratificou, praticamente, a totalidade das convenções relacionadas, exceto as de ns. 183, 184 e 1871.

3. A convenção n 155 da oit

A Convenção n. 1552, sobre segurança e saúde dos trabalhadores, foi aprovada em Genebra, por ocasião da 67ª Conferência Internacional do Trabalho, a 22 de junho de 1981, sendo a mais específica dentre todas, com seus trinta artigos abrangendo todos os ramos da atividade econômica (art. 1, 1), podendo cada Estado membro, consoante entendimentos com os sindicatos correspondentes, excluir transportes marítimos e de pesca (art. 1º, 2).

De acordo com essa norma, meio ambiente de trabalho não é apenas o local exclusivo do trabalho, mas todos aqueles que estão sobre controle direto e indireto do empregador (art. 3º, c), demonstrando profunda preocupação com a sua higidez física, tanto que, com relação ao trabalho, saúde abrange a ausência de doença ou de enfermi-dade, os elementos físicos e mentais que afetam a saúde diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho (art. 3º, e).

Importantíssimo ressaltar que a Convenção n. 155 destina-se a empregados públicos e privados (art. 3º, b), reforçando o papel dos sindicatos, sempre chamados a opinar em questões relevantes do tema (art. 4º, 1), propondo uma política de segurança e saúde do trabalho e do meio ambiente específico (art. 4º, 2). A tanto, deve precisar as funções e responsabilidades respectivas, em matéria de segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, das autoridades públicas, dos empregadores, dos trabalhadores e de outras pessoas interessadas, tendo em conta o caráter complementar dessas responsabilidades, assim como as condições e a prática nacionais (art. 6º).

Esta política ambiental trabalhista com cinco grandes esferas:

  1. A concepção, a experimentação, a escolha, a substituição, a instalação, a organização, a utilização e a manutenção dos componentes materiais do trabalho (locais de trabalho, ambiente de trabalho, ferramentas, máquinas e materiais, substâncias e agentes químicos, físicos e biológicos e processos de trabalho);

  2. As relações que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT