Os Meios de Defesa no Processo do Trabalho

AutorAgnaldo Gomes de Souza
Páginas145-169

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5. 1 Causas de impenhorabilidade

Tratamos das causas de impenhorabilidade relacionadas diretamente a penhora on-line, especialmente aquelas que envolvem a constrição de valor depositado em conta corrente bancária e caderneta de poupança, bem como demais ativos financeiros do devedor, por meio eletrônico, no processo de execução trabalhista. Como se sabe o pagamento do rendimento salarial, dos proventos de aposentadoria, pensão e as demais hipóteses tratadas no art. 649 do CPC e abordadas no presente trabalho, atualmente é efetuado através de conta corrente bancária, sendo procedimento comum a manutenção de pequena aplicação em caderneta de poupança.

A natureza jurídica da penhora encontra divergência em três correntes doutrinárias. A primeira corrente a define como ato cautelar, sendo a medida cautelar de preservação, com o que não concordamos, em razão da penhora ser um ato independente e não guardar, necessariamente, relação com o ato de urgência a ser praticado no processo de execução (periculum in mora) e nem com um direito provável (fumus boni iuris), já que a penhora é amparada em direito certo. A segunda corrente admite a penhora como um ato misto, ou seja, representa um ato cautelar e um ato executivo.

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A terceira corrente, que é a predominante, reconhece na penhora ato essencialmente executivo, com o fim de apreender bens do devedor245. Humberto Theodoro Júnior doutrina que a penhora compreende providências de três naturezas: de afetação, de expropriação e de satisfação, conceituando-a como um ato de expropriação do processo de execução, visando individualizar a responsabilidade na execução, com a apreensão direta ou indireta dos bens do devedor246.

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Os bens impenhoráveis são tratados no art. 649, incisos I a X, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Civil247, com redação alterada pela Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, nos termos do art. 769248e art. 889249, ambos da CLT, em razão da omissão da CLT e da Lei nº 6.830/90.

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Analisamos no Capítulo 3, item 3.1 o assunto sobre as causas de impenhorabilidade previstas no art. 649 do CPC, dando ênfase às peculiaridades inerentes ao processo civil. Por essa razão preferimos abordar o assunto sobre impenhorabilidade no processo do trabalho em capítulo próprio, tendo em vista o operador do direito se apegar na exegese voltada para atender os princípios essenciais do processo do trabalho. O Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente ao processo trabalhista, no que for compatível com os princípios deste. Isso justifica a auto-nomia da disciplina do Direito Processual do Trabalho.

A impenhorabilidade prevista no art. 649 do Código de Processo Civil, impõe limite na aplicação da regra prevista no art. 591 do CPC250, o qual determina que o devedor, responde à execução judicial com todos os seus bens. Athos Gusmão Carneiro251entende que o direito assegura um patrimônio mínimo e garante a dignidade do executado, a exemplo dos valores depositados em caderneta de poupança no limite de até 40 (quarenta) salários mínimos, nos moldes do art. 649, inciso X do CPC, cuja proteção tem o condão de assegurar ao devedor uma re-

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serva necessária ao seu amparo em momentos de crise econômica pessoal.

Diante das causas de impenhorabilidade previstas no art. 649 do CPC e aplicadas subsidiariamente ao processo do trabalho, bem como dos novos recursos de informatização existente na sociedade contemporânea, que se convencionou chamar de Sociedade da Informação, especialmente as inovações pertinentes à constrição de bens, por meio eletrônico, na conta bancária e nos demais ativos financeiros do devedor, o Juiz do Trabalho deve utilizar os recursos de interpretação da lei na hermenêutica jurídica.

Deve fazer não apenas por meio do silogismo lógico, mas aplicando os princípios essências do Direito do Trabalho e do processo trabalhista, valendo-se da razoabilidade e equidade252, buscando o equilíbrio na colisão aparente entre princípios, para se chegar a uma decisão equânime e condizente com o Direito Social. O princípio de proteção do trabalhador visa assegurar condições mínimas e dignas ao obreiro, que é a parte mais fraca na relação processual trabalhista e busca a tutela jurisdicional

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para pleitear crédito proveniente da sua força de trabalho, que tem natureza jurídica alimentícia.

A penhorabilidade é a regra, a impenhorabilidade é a exceção, ou seja, são impenhoráveis apenas os bens que a lei taxativamente enumera e cuja regra de impenhorabilidade está prevista no art. 649 e seus incisos do Código de Processo Civil. Doutrina e jurisprudência têm apresentado divergências quanto à aplicação da penhorabilidade dos salários. Já em relação à impenhorabilidade de valores depositados em caderneta de poupança, o entendimento majoritário é pela inaplicabilidade do art. 649, inciso X do CPC no processo do trabalho.

Adalberto Martins se posiciona no sentido de repelir a impenhorabilidade de valores depositados em caderneta de poupança, limitado até 40 (quarenta) salários mínimos, entendendo inaplicável o dispositivo legal do art. 649, inciso X do CPC no processo do trabalho, em razão de se tratar de “injustificável privilégio ao devedor em detrimento do crédito trabalhista”.253Mauro Schiavi254comunga da mesma opinião, ou seja, não concorda com a aplicação do art. 649, inciso X do CPC no processo trabalhista, que determina a impenho-

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rabilidade de valores depositados em caderneta de poupança, até o limite de quarenta salários mínimos.

Ao abordar a impenhorabilidade prevista no inciso X do art. 649 do CPC, Francisco Antonio de Oliveira255, menciona que sempre houve preocupação exagerada com o devedor, baseada no princípio da execução menos onerosa, não concordando com a aplicação do disposto no inciso X do CPC no processo trabalhista.

Já em relação à constrição de renda proveniente de salário, doutrina256e jurisprudência acolhem a impenhorabilidade, porém com reservas, ou seja, ora a doutrina257

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e a jurisprudência admitem a impenhorabilidade absoluta do salário258, cabendo o ônus da prova ao devedor, que deverá demonstrar que o saldo bancário existente na conta é proveniente de renda salarial, ora admitem a impenhorabilidade relativa do salário259. Em princípio a impenhorabilidade do salário é admitida, dependendo do caso concreto em análise. A impenhorabilidade passa a ser relativa, podendo o juiz fazer um justo equilíbrio na colisão aparente de princípios260. Há entendimento mino-

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ritário em negar a aplicação do art. 649, inciso IV do CPC, no processo trabalhista, mesmo se tratando de penhora on-line em conta salário em instituição financeira, com fundamento na inconstitucionalidade da impenhorabili-dade261.

A proteção ao salário, nos moldes do art. 649, inciso IV do Código de Processo Civil tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, que assegura ao devedor condições mínimas de sobrevivência, com a proteção do seu salário, o que se harmoniza com o princípio da menor onerosidade do devedor no processo judicial, insculpido no art. 620, do CPC. Portanto, quando é realizada a penhora on-line de salário em conta bancária para atender a satisfação do credor no processo do trabalho, se verifica a existência de conflito aparente entre princípios, já que o credor no processo do trabalho é o trabalhador, cujo crédito tem natureza alimentar, o qual, também, tem abrigo no princípio da dignidade da pessoa humana, que depende da verba salarial para suprir a sua sobrevivência. Além do que a ordem de preferência na

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constrição de bens do devedor prioriza em primeiro plano o dinheiro, na forma do art. 655, I do CPC e do art. 882, da CLT.

Diante do conflito aparente de princípios, em virtude dos valores em destaque e com alcance protetor, tanto para o credor como para o devedor, a doutrina e a jurisprudência têm aplicado o princípio da proporcionalidade, de modo que prevaleça o crédito do trabalhador no processo trabalhista sobre os princípios protetores do devedor. Esse princípio está no Enunciado nº 70 da 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho do Colendo Tribunal Superior do Trabalho262, bem como o Enunciado n. 29 da 1a Jornada Nacional de Execução Trabalhista realizada em novembro de 2010263. Tais Enunciados admitem

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a penhora no percentual de até trinta por centro sobre o rendimento salarial do devedor, como meio de equilibrar a colisão aparente de princípios, o que vem sendo adotado, também, pela doutrina264e pela jurisprudência.265Diante do confronto aparente de princípios que tratam sobre direitos de natureza alimentar, ou seja, de um lado o

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“princípio de proteção do trabalhador”, representado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e, de outro lado o “princípio da menor onerosidade do devedor”, que protege o seu salário e está agasalhado, também, no “princípio da dignidade da pessoa humana”, o intérprete deve se valer da exegese para dirimir o conflito, aplicando a hermenêutica jurídica e o modo de interpretação de acordo com os princípios da disciplina do direito em questão.

Marcelo Freire Sampaio Costa266entende que quando houver conflito entre princípios hierarquicamente iguais deve prevalecer o “princípio da proteção ao hipossuficiente”, que em geral protege o trabalhador e “o princípio da dignidade da pessoa humana”, salvo em situações excepcionais. Discordamos do entendimento do autor apenas no que diz respeito à existência de hierarquia entre os princípios, adotada pelo mesmo, já que a nossa posição é que os princípios são independentes e autônomos e os conflitos entre princípios são aparentes. O que deve ser levado em consideração é o juízo de ponderação e o equilíbrio dos valores em discussão na lide judicial, através da aplicação do princípio da...

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