Meios de recuperação: reestruturação societária de grupos. de sociedades

AutorLeandro Vilarinho Borges
Páginas330-357

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Ementa: Agravo de Instrumento. Recuperação Judicial. Aprovação do plano de Recuperação Judicial. Decisão que concede a Recuperação Judicial, com dispensa da apresentação das certidões negativas de débitos tributários, exigidas pelo art. 57, da Lei n. 11.101/2005 e art. 191-A, do CTN. Recurso interposto pela Fazenda Estadual. Exigência do art. 57 da LRF que configura antinomia jurídica com outras normas que integram a Lei n. 11.101/2005, em especial, o art. 47. Abusividade da exigência, enquanto não for cumprido o art. 68 da nova Lei, que prevê a edição de lei específica sobre o parcelamento do crédito tributário para devedores em recuperação judicial. Dispensa da juntada das certidões negativas ou das positivas com efeito de negativas mantida. Agravo desprovido.

(TJSP, Seção de Direito Privado, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais - AI 472.540-4/7-00 - São Paulo - P Vara de Falências e Recuperações Judiciais - agte.: Fazenda do Estado de São Paulo - agda.: Viação Aérea São Paulo/VASP, em recuperação judicial - rel. Desembargador Pereira Calças, j. 25.4.2007, v.u.)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 472.540-4/7-00, da Comarca de São Paulo, em que é agravante Fazenda do Estado de São Paulo sendo agravado Viação Aérea São Paulo - VASP (em recuperação judicial): Acordam, em Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "negaram provimento ao recurso, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores José Roberto Lino Machado e Romeu Ricupero.

São Paulo, 25 de abril de 2007 - Pereira Calças, Presidente e Relator.

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VOTO N. 12.769

Vistos.

  1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo contra decisão que concedeu recuperação judicial para VASP - Viação Aérea São Paulo S/A, dispensando-a da apresentação das certidões negativas de débitos tributários estaduais, infringindo o disposto no art. 57, da Lei n. 11.101/2005 e no art. 191-A, do Código Tributário Nacional. Diz que o art. 47 da LRF, ao prever a recuperação judicial com o escopo de viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo da atividade econômica, estabelece quais os requisitos que o devedor precisa atender para obter referido benefício. É prevista, ainda, no art. 57 da LRF, que após juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores, o devedor apresentará as certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 do CTN. Por isso, ao ser concedida a recuperação judicial à agravada, sem que esta tenha apresentado as certidões negativas fiscais, houve negativa de aplicação ao art. 191-A, do Código Tributário Nacional, que estabelece que a concessão da recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 do mesmo diploma legal. Aduz, ainda, que o MM. Juiz afirmou, em sua decisão, que a exigência das certidões negativas tributárias viola o princípio da continuidade da empresa e o da proporcionalidade e, ao assim decidir, afrontou o princípio da legalidade, insculpido no art. 5o, II, da Carta da República. Além disso, exorbitou dos limites da função jurisdicional, já que invadiu o campo da atuação legiferante, o que é proibido pelo princípio da separação de poderes, fundamento do Estado de Direito (art. 2o, CF). Enfatiza que a exigência da apresentação das certidões negativas fiscais foi opção do legislador, que não pode ser inobservada por simples discordância do julgador, que não tem o poder de julgar o acerto ou erro do Poder LegisLativo. Pede o provimento do agravo para ser reformada a decisão hostilizada, a fim de ser exigido o cumprimento do contido nos arts. 57, da Lei n. 11.101/2005 e 191-A, do Código Tributário Nacional, sob pena de violação ao princípio da legalidade (art. 5o, II, da CF) e da separação de poderes (art. 2o, CF).

    A agravada apresentou contraminuta em que postula o desprovimento do recurso (fls. 60/69).

    O Administrador Judicial manifestou-se pelo não provimento do agravo (fls.71/76).

    A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Leila Mara Ra-macciotti, opinou pelo improvimento do recurso (fls. 78/80).

    Relatados.

  2. O presente recurso envolve questão da mais alta relevância e se refere à aplicação do art. 57, da Lei n. 11.101/2005, que dispõe o seguinte: "Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional".

    O digno magistrado "a quo", Dr. Alexandre Alves Lazzarini, encampou entendimento constante de parecer do Ministério Público de São Paulo, nos termos de manifestações do Dr. Alberto Caminã Moreira e Dra. Marisa Man-tilla Marques Leite, que também configura entendimento doutrinário já existente sobre o tema e reconheceu que a exigência do art. 57, da Lei n. 11.101/2005 e do art. 191-A, do CTN: a) fere o princípio da proporcionalidade e o da preservação da empresa; b) o descumprimen-to do referido dispositivo legal não acarreta o automático decreto da falência, consequência não desejada pela lei, mas, que fatalmente ocorrerá, pois, empresa que está em recuperação judicial, evidentemente, está em débito com tributos e encargos previdenciários; c) a dispensa da certidão não implica proibição de cobrança dos tributos pelas vias próprias, isto é, pela execução fiscal, já que as execuções fiscais não se suspendem em face da concessão da recuperação judicial, tendo, por isso, sob o arnês dos princípios da proporcionalidade e da preservação da empresa, inseridos na Constituição Federal e, com base na doutrina sobre o tema, afastada a exigência da apresentação das certidões negativas dos débitos tributários.

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    Entendo, "permissa venia", que a questão em exame, das mais importantes da nova Lei de Recuperações e Falências, pode ser solucionada no âmbito do Tribunal de Justiça, sem que seja examinada a eventual inconstitucionalida-de do art. 57, sob o enfoque dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade ou, ainda, sem ser invocada a interpretação conforme a Constituição, pois, se assim se procedesse, ter-se-ia que observar a cláusula de reserva de plenário, a teor do art. 97 da Constituição Federal, instaurando-se o incidente previsto nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil.

    O art. 57, da Lei n. 11.101/2005, cuja incidência foi expressamente afastada pela douta decisão recorrida, pode ser analisado no próprio contexto da nova Lei de Falências e Recuperações e em confronto com o Código Tributário Nacional, para se aferir a eventual antinomia jurídica entre regras, e não aquela que pode se configurar entre princípios e regras jurídicas.

    Alega a Fazenda Pública que o art. 57, da Lei n. 11.101/2005, praticamente reproduzido no art. 191-A, do CTN, é razoável, já que a lei não impõe a prévia quitação dos tributos para que seja deferida à empresa a recuperação judicial, bastando a apresentação da certidão positiva com efeitos de negativa, consoante preconiza o art. 206 do Código Tributário Nacional.

    Com efeito, o art. 187, do Código Tributário Nacional, estabelece: "A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento". Ademais, segundo o art. 186, do mesmo "codex", o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho.

    Disso resulta que é inegável que os créditos tributários terão que ser pagos pela empresa em recuperação judicial e, não o sendo, ensejarão o ajuizamento de execuções fiscais, cumprindo lembrar que, as execuções que já estiverem em processamento, ao contrário das demais execuções, não se suspenderão em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial, nos termos do art. 52, inciso III, c/c o art. 6o, § 7°, ambos, da Lei n. 11.101/2005. Em suma, a concessão da recuperação judicial para a empresa em crise econômico-financeira não tem qualquer influência na cobrança dos tributos e encargos previdenciários.

    Cumpre ressaltar que é irrefutável que há previsão de parcelamento para os tributos federais naLein. 10.522/2002, a teor do art. 155-A, do Código Tributário Nacional, que preconiza "O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecida em lei específica", que estatui, no seu § 3o, que "Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial", e, não havendo lei específica, deverá, na dicção do § 4o, do mesmo dispositivo, ser aplicado o parcelamento regulado na lei geral.

    Impende destacar, no entanto, que, a Lei Federal que autoriza o parcelamento dos créditos tributários, permite o parcelamento máximo em 60 meses, período considerado curto pelos especialistas, ao atendimento do passivo fiscal para empresa que esteja em crise econômico-financeira.

    O...

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