A memória em disputa no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental Nº 153

AutorAna Carolina Rezende Oliveira, Mariana Rezende Oliveira
Páginas253-272
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A MEMÓRIA EM DISPUTA NO
JULGAMENTO DA ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL Nº 153
Ana Carolina Rezende Oliveira1
Mariana Rezende Oliveira2
Resumo: O presente trabalho objetiva analisar de que forma a tese
do acordo político acerca da Lei de Anistia (6.683/79) adotada pelo
Ministro Eros Grau no julgamento da Arguição de Descumprimen-
to de Preceito Fundamental nº 153 impacta a consolidação da tran-
sição democrática brasileira. A partir da constatação da existência
de uma disputa pelos signicados da anistia opondo, de um lado, a
anistia como esquecimento defendida pelo regime militar e, de ou-
tro, a anistia como liberdade defendida pelos militantes, pretende-se
compreender as consequências da referida decisão para a cons-
trução das políticas de memória e para os processos de reparação
psíquica individuais e sociais. Por m, analisar-se-á a hipótese de
que a adoção da tese do acordo político explicita a imposição de
um esquecimento forçado acerca das violações de direitos humanos
ocorridas durante o regime militar, o que tem como consequência a
perpetuação dessas violações contemporaneamente.
Palavras-chave: Anistia. Memória.
1. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGD/UFRJ); Especialista em Políticas e Gestão da Saúde na Secretaria de Estado da
Saúde de Minas Gerais. E-mail:
acarolina.rezende@gmail.com
2. Graduanda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), extensionista
do Centro de Estudos em Justiça de Transição (UFMG).
E-mail:
mariana.rezende.oliveira@gmail.com
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
Resumen: El trabajo tiene como objetivo examinar como la tesis
del acuerdo político acerca de la Ley de Amnistía brasileña (Ley
6.683/79) adoptada por el Ministro Eros Grau, en el juicio de
Alegación de Incumplimiento del Precepto Fundamental (Ação
de Descumprimento de Precepto Fundamental – ADPF) nº 153
impacta la consolidación de la transición democrática brasileña.
A partir de la constatación de la existencia de una disputa por los
signicados de “amnistía” que opone, por un lado, la amnistía como
sinónimo de olvido, acepción defendida por el Régimen Militar y,
por el otro lado, la amnistía como liberdade, conforme defendida
por los militantes, se pretende comprender las consecuencias de
la ya mencionada decisión para la construcción de las políticas de
memoria y para los procesos de reparación psiquica individuales y
sociales. Por último, se analizará la hipótesis de que la adopción de
la tesis del acuerdo político deja clara la imposición de un olvido
forzado acerca de las violaciones de derechos humanos ocurridas
durante el régimen militar, lo que se traduce en la perpetuación de
las violaciones contemporáneamente.
Palabras clave: Amnistía. Memoria.
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No julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Funda-
mental (ADPF) nº 153, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu
pela conformidade com a Constituição da interpretação do art. 1º,
§ 1º, da Lei de Anistia (6.683/79) segundo a qual estariam incluídos
entre os crimes conexos os crimes de homicídio, desaparecimento
forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado
violento ao pudor, entre outros, praticados por agentes públicos con-
tra opositores políticos ao regime militar.
Na ocasião, um dos principais argumentos utilizados pelo Mi-
nistro relator do acórdão Eros Grau para embasar a decisão foi que
a referida lei signicou um acordo político entre a sociedade civil e
o governo militar, negociado e promulgado no âmbito do Congresso
Nacional, razão pela qual não caberia ao Poder Judiciário revê-la.
Isso signicou, portanto, o impedimento da persecução penal dos
agentes estatais responsáveis por tais violações.
A decisão da ADPF 153 tornou-se emblemática, primeiramen-
te, por ir de encontro ao desenvolvimento da Justiça de Transição na

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