Meninas e criminalidade: um estudo de caso do Centro de Reeducação Social São Jerônimo (CRSSJ) / Girls and criminality: a case study about the Re-education Center São Jerônimo

AutorAna Flávia Arruda Lanna Barreto
CargoPós-doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais na área Memória e História, com ênfase no período das ditaduras militares dos países do Cone Sul na América Latina e do Brasil. Professora Adjunta do Curso de Direito do Centro Universitário UMA. E-mail: annaflav@prof.una.br
Páginas2906-2946
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29817
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2906-2946 2906
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Este artigo trata de um estudo de caso acerca da criminalidade de adolescentes que cumpriam
medidas socioeducativas de internação no Centro de Reeducação Social São Jerônimo (CRSSJ)
em Belo Horizonte, Minas Gerais. É descrita a história da unidade, sua estrutura, seus principais
objetivos, rotina de atividades e funções do corpo técnico e administrativo. Além disso, são
analisadas as dificuldades enfrentadas na unidade socioeducativa, conceitos de violência,
principais valores das adolescentes. O estudo sobre a realidade observada nos possibilitou
conhecer, mesmo que parcialmente, o universo moral e social das adolescentes em conflito
com a lei, seus medos, expectativas e modos de vida que refletem a violência por elas praticada
e vivenciada. Percebe-se, a partir da análise de dados qualitativos e quantitativos recolhidos em
pesquisa empírica, que as adolescentes são submetidas ao uso indiscriminado da violência, a
ausência de mecanismos de sociabilidade e identidade social, a inexistência de valores
humanísticos norteadores da formação humana. Essas condições têm levado à ocorrência de
ações arbitrárias e criminosas capazes de romper com o humano e valorizar a violência como
instrumento de poder, dominação e exclusão.
-: Criminalidade. Barbárie. Adolescentes. Unidades socioeducativas. Reintegração
social.
This article is a case study about the crime of adolescents who underwent socio-educat ional
measures of hospitalization at the São Jerônimo Social Re-education Center (CRSSJ) in Belo
1 Pós-doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais na área Memória e História, com
ênfase no período das ditaduras milit ares dos países do Cone Sul na América Latina e do Brasil. Professora
Adjunta do Curso de Direito do Centro Universitário UMA. E-mail: annaflav@prof.una.br
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DOI: 10.12957/rdc.2018.29817
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2906-2946 2907
Horizonte, Minas Gerais. It describes the history of the unit, its structure, its main objectives,
routine activities and functions of the technical and administrative staff. In addition, the
difficulties faced in the socio-educational unit, concepts of violence, and adolescents main
values are analyzed. The study of the observed reality allowed us to know, even partially, the
moral and social universe of adolescents in conflict with the law, their fears, expectations and
ways of life that reflect the violence they practiced and experienced. It can be seen, from the
analysis of qualitative and quantitative data collected in empirical research, that adolescents are
subjected to the indiscriminate use of violence, the absence of mechanisms of sociability and
social identity, the absence of humanistic values guiding human formation. These conditions
have led to the occurrence of arbitrary and criminal actions capable of breaking with the human
and valuing violence as an instrument of power, domination and exclusion.
K: Criminality. Barbarism. Adolescents. Socio-educational units. Social reintegration.
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29817
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“A minha consciência é a minha alma/ a letra
do meu rap é a minha bala/ quando eu abro a
boca estou puxando um gatilho/ e quando sai
minha voz estou dando um tiro”2.
“Poesia, minha tia, ilumine as certezas dos
homens e os tons de minhas palavras. É que
arrisco a prosa mesmo com balas
atravessando os fonemas. É o verbo, aquele
que é maior que o seu tamanho, que diz, faz e
acontece. Aqui lhe cambaleia baleado. Dito por
bocas sem dentes e olhares cariados, nos
conchavos de becos, nas decisões de morte. A
areia move-se nos fundos dos mares. A
ausência de sol escurece mesmo as matas. O
líquido-morango do sorvete mela as mãos. A
palavra nasce no pensamento, desprende-se
dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às
vezes essa magia sonora não salta à boca
porque é engolida a seco. Massacrada no
estômago com arroz e feijão a quase palavra é
defecada ao invés de falada. Falha a fala. Fala
a bala”3.
As citações acima destacam a importância da ação comunicativa nas relações humanas,
ora na promoção de um novo homem, através da mobilização de grupos e assimilação de novas
ideias, ora na exclusão da novidade, quando a palavra perde o poder da fala e a violência fala.
Ambos os trechos são exemplos de formas figurativas de comunicação entre grupos de raps, de
gangues, de movimentos de jovens, de intelectuais e de romancistas que procuram um
equilíbrio cultural e social em meio a um naufrágio da criatividade humana, tempestuosamen te
engolida pelo progresso e pela modernidade.
Nesse ambiente, a busca de uma forma de comunicação que aproxime as pessoas, indo
ao encontro de si mesmas, faz com que as cu lturas urbanas desenvolvam formas alternativas de
linguagem. Afinal, o ser humano é conduzido por paixões e desejos que dão significado e
sentido as suas ações, as quais são manifestadas sobretudo em sua ação comunicativa.
Entretanto, quando a “fala” não consegue enco ntrar relação entre o pensamento e a ação, tem-
se um esgotamento da ação comunicativa como instrumento de aproximação das pessoas. A
partir daí a condução das ações humanas poderá ocorrer de forma imprevisível e muitas vezes
2 Lobão, ex-integrante de uma gangue e criador de raps. Trecho retirado de: DIÓGENES, Glória.
Cartografias da Cultura e da Violência. Gangues, galeras e movimentos hip hop. São Paulo: AnnaBlume
Editora, 1998.
3 LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 23.

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