Methodological Contributions of Marxist Dependency Theory to Marxist Critique of Law/ Contribuicoes metodologicas da teoria marxista da dependencia para a critica marxista ao direito.

AutorPazello, Ricardo Prestes
CargoResena de libro
  1. Introducao a relacao entre dependencia e direito

    Os estudos sobre o fenomeno juridico carecem, ainda hoje, de perspectivas criticas. Se e verdade, porem, que subsistem as assim chamadas teorias criticas do direito, elas demandam uma subversao em seu quefazer analitico. Para os fins da presente exposicao, e-nos suficiente apontar para uma dupla iracundia, que desloque a zona de conforto na qual tais teorias criticas se petrificaram: de um lado, uma critica rigorosa, teoricamente alicercada no materialismo historico que a teoria marxista proporciona; de outro, uma critica descolonizante, atrelada ao crivo geopolitico que apenas a experiencia periferica do capitalismo, no caso latino-americano, permite desvendar.

    O ensaio que aqui apresentamos, nao sem a humildade de quem escreve sabendo da precariedade dos primeiros passos dados, pretende valerse dessa dupla irresignacao para ousar aproximar dois campos de estudos aparentemente desconexos. Seguindo as possibilidades abertas tanto pelo pensamento critico latino-americano quanto pelas perspectivas juridicas criticas, damo-nos a tarefa de posicionar dialogicamente a critica marxista ao direito e a teoria marxista da dependencia. Especificamente, supomos necessario, neste caso, averiguar quais as contribuicoes metodologicas da primeira em relacao a segunda. Nossa justificativa para tanto se deve a relativa consolidacao empirica da teoria marxista da dependencia, bem como a sua preocupacao com mediacoes geopoliticas, traduzindo as conclusoes do marxismo para o contexto da periferia do capitalismo (no fundo, estamos identificando um deficit empirico nas analises marxistas sobre o direito--ainda que nao proponhamos uma perspectiva empirista--e uma subestimacao do contexto periferico--necessario para se compreender a totalidade e nao para subscrever teses particularistas).

    Subvertendo a critica bem comportada do direito, que se apraz com avaliacoes morais de tipo multiculturalista, cremos estar contribuindo para o avanco de uma construcao de agenda renovada de pesquisas para a critica juridica marxista na America Latina.

    Pelas razoes que teremos oportunidade mais a frente de expor, escolhemos dar enfase as contribuicoes de Ruy Mauro Marini, identificado como um dos maiores expoentes da teoria marxista da dependencia, ao nivel de seus avancos metodologicos. Temos por hipotese que os resultados aos quais ele chega em suas pesquisas sao bastante interessantes para o aperfeicoamento de uma abordagem critica ao direito, em especial a que segue a senda do teorico sovietico Evgeny Pachukanis, tambem tido como o principal continuador do metodo de Marx para a esfera juridica. O dialogo entre ambos os autores, portanto, se impoe como necessidade, para que sejam admitidos avancos em termos do duplo deslocamento acima mencionado.

    A interlocucao tematica entre o problema da dependencia e o fenomeno juridico nao e totalmente nova se pensarmos na trajetoria juridica critica do continente--ainda que Marini e Pachukanis nao tenham sido ate agora protagonistas dessa interface. No debate pioneiro da teoria critica do direito latino-americana, a questao apresentou-se como central em relevante obra do argentino Carlos Maria Vilas, intitulada Direito e estado em uma economia dependente, publicada em 1974. Ali, Vilas se refere ao direito como "expressao de uma determinada estrutura socioeconomica" (VILAS, 1974: 6) e defende que estuda-lo e antes conhecer a sociedade na qual ele se encontra. Assim e que ele chega a questao da dependencia, ja que ela caracteriza nossas sociedades.

    Vilas privilegia, contudo, abordagens nao marxistas para se referir a dependencia e, alem disso, carrega uma concepcao que nao deixa de ser normativista sobre o direito, por acentuar normas e ordenamento juridico como explicativos do fenomeno--ainda que criticando o "ordenamento juridico-positivo da classe dominante" (VILAS, 1974: 7).

    Esta obra impacta profundamente a producao teorica inicial do mexicano Jesus Antonio de la Torre Rangel, que escreve livro, em 1984, inspirado em uma frase do prefacio de Vilas, que tinha o entendimento de que "o direito pode chegar a ser uma efetiva ferramenta de libertacao" (VILAS, 1974: 8). (1) De la Torre e um dos mais importantes teoricos criticos do direito do continente e a obra seminal O direito como arma de libertacao na America Latina traz a influencia do debate entre dependencia e direito, ainda que de forma relativamente diluida. Na ultima edicao de seu livro, nos diz que sua proposta tem de partir do "funcionamento da juridicidade latinoamericana" (DE LA TORRE RANGEL, 2007: 65), em sua especificidade. Como esta especificidade tem a ver com a formacao social do continente, a tematica da dependencia se faz presente, ainda que dissolvida no texto.

    Tambem no caso de De la Torre, porem, nao se trata de apreciacao marxista a respeito do direito (ja que esta mais proxima do uso alternativo do direito, nao propriamente marxista) e tampouco a partir da teoria da dependencia.

    Tudo isto quer dizer que uma sistematizacao ainda esta por ser feita no que toca a relacao entre dependencia e direito, especialmente tomando com rigor as propostas marxistas, o que exige, a nosso ver, resgatar obrigatoriamente (ainda que nao apenas) as teses de Marini, para o ambito dependentista, e de Pachukanis, para o juridico.

    De nossa parte, empreendemos ja alguns esforcos iniciais, notadamente em nossa tese de doutoramento, em cujo texto elaboramos a nocao de "forma (ou relacao) juridica dependente", para nos referirmos a "constitutividade, para as relacoes juridicas, da troca de mercadorias em nivel internacional", bem como a superexploracao da forca de trabalho, "combinando as mais-valias relativa e absoluta" (PAZELLO, 2014: 476 e 478). Aqui, o dialogo Marini-Pachukanis ja comecou a ser por nos explorado. Compreendemos, todavia, que muito ha por se avancar, dai termos insistido no debate (PAZELLO; CAMARGO NETO, 2015) que acabou por se notar em producoes teoricas que consideramos proximas das nossas (Cf. CAMARGO NETO, 2015: 101 e seguintes; e BITTENCOURT, 2015).

    Por ora, nosso proposito nao e fazer uma arqueologia exaustiva dos trabalhos de juristas criticos (e certamente ha outros para alem de os citados) que enfrentaram o horizonte teorico da dependencia. O que aqui nos interessa propriamente e realizar um renovado exercicio de aproximacao que assuma explicitamente as perspectivas metodologicas de Marini como contribuicoes a critica marxista ao direito, de extracao pachukaniana, para sensibiliza-la da importancia do crivo geopolitico. Nossas subversao e irresignacao teoricas continuam a seguir, apresentando aproximacoes ao problema do metodo para interpretacoes dependentistas, notadamente as marxistas, para depois aprofundarmo-nos na proposta de Marini e concluir com construcao categorial que viabilize a interseccao entre as teorias marxistas da dependencia e do direito.

  2. Aproximacoes ao problema do metodo na teoria marxista da dependencia

    A vertente da teoria da dependencia que se atribui a afiliacao ao marxismo nao poderia reivindicar outro metodo senao o do materialismo historico. Nesse sentido, entendemos que ha dois niveis de preocupacao que precisam ser expostos aqui: de uma parte, o metodo da teoria marxista da dependencia diz respeito ao materialismo historico, com suas caracterizacoes atreladas a uma teoria de base especifica, aquela que deriva de Marx (e mesmo nesta seara ha variacoes a depender da corrente marxista que for enfocada); de outra parte, porem, os dependentistas contribuem com avancos metodologicos diferenciados, ja que a metodologia mantem-se no horizonte do materialismo historico, mas explora aspectos diversificados dos procedimentos de pesquisa resultantes dos avancos cientificos e gnosiologicos da decada de 1960 em diante.

    Entre os autores da primeira geracao de teoricos marxistas da dependencia (os mais representativos foram Andre Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra e Theotonio dos Santos) ha uma pressuposicao do metodo geral, trabalhando-se com suas categorias e formas de exposicao nos especificos interesses de pesquisa de cada um que, via de regra, dizem respeito a temas socioeconomicos da America Latina.

    Ja entre os continuadores da teoria marxista da dependencia (ou em textos mais recentes dos autores da primeira geracao) costuma-se frisar, em posicao explicativa, qual o metodo e teoria de base desta corrente. E o caso de Adrian Sotelo Valencia, cujo comentario tomaremos como exemplar para toda a gama de revisoes interpretativas sobre a teoria marxista da dependencia, sintetizando a questao da seguinte maneira: "o objeto de estudo da teoria da dependencia e a formacao economico-social latino-americana a partir de sua integracao subordinada a economia capitalista mundial". Ademais, "o marco teorico e o metodo de analise da teoria da dependencia e, justamente, o marxismo [...], e parte da teoria do valor-trabalho em Marx e de outras nocoes, como o lucro, a renda da terra e a mais-valia" (SOTELO VALENCIA, 2008: 152-153).

    O proprio Sotelo, em outra oportunidade, acentuou que a "lei do valor organiza e regula a atividade humana na sociedade capitalista" (SOTELO VALENCIA, 2009: 27). A partir daqui comecamos a vislumbrar as contribuicoes iniciais da teoria da dependencia para a interpretacao do direito. Ainda que venhamos a nos deter mais sobre isso posteriormente, desde logo fica corroborada a tese de que o direito nao e contrafatico e tampouco que se refere a uma heteronomia (ou seja, normativismo estatal) com relacao a regulacao da sociedade civil. Nesta esfera, reconhecemos o potencial explicativo do marxismo para o fenomeno juridico, que se encontra nas proprias relacoes sociais de producao e circulacao de mercadorias. Em pesquisa anterior, isto nos chamamos de forma juridica fundante (PAZELLO, 2014: 141 e seguintes), ja que o valor e o que regula a atividade humana sob o capitalismo, como diria Sotelo. Entretanto, como e insuficiente apontar...

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