O middle ground

AutorRichard White
CargoPh.D., Emeritus Professor of American History Margaret Byrne, Stanford University, Department of History, Stanford, California, CA, Estados Unidos da América
Páginas554-602
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 46, p. 554-602, set./dez. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e74818
tradução
554/623
O
MIDDLE GROUND
The middle ground
Richard Whitea
E-mail: whiter@stanford.edu
a Universidade Stanford, Departamento de História, Stanford, Califórnia, CA,
Estados Unidos da América
histórias em contextos globais
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 46, p. 554-602, set./dez. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e74818 555/623
RESUMO
Na região dos Grandes Lagos da América do Norte de meados do século XVII a meados do XVIII,
nativos algonquinos e agentes coloniais franceses interagiram em meio ao complexo processo de
contato colonial. As condições de existência naquele espaço impeliam algonquinos e franceses a um
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concepções comuns de adequados modos de agir, isto é, aquilo que denominamos de middle ground.
A necessidade inevitável de comunicação nos termos do outro gerou um processo de oportunos e
criativos mal-entendidos mútuos, os quais produziam novos conteúdos culturais que, ao se tornarem
convenções entre as partes envolvidas, se transformavam num novo referencial que orientou as
ações dos sujeitos históricos. A abordagem teórica desse conceito é discutida nesse texto por meio
da análise das relações cotidianas nas quais algonquinos e franceses produziram essa zona de
inteligibilidade mútua. As congruências culturais, que deram forma ao middle ground, eram respostas
a problemas e controvérsias que giravam em torno de questões como sexo, violência e comércio. A
análise das medidas tomadas nesses campos relacionais expõe que os conteúdos híbridos surgiam
de reiteradas tentativas de se encontrar conexões entre os referenciais normativos franceses e
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exclusivamente francesas ou algonquinas, mas como improvisações e criações emergidas em pontos
onde as culturas se cruzavam e promoviam uma zona cultural intermediária em que as expectativas
de cada lado poderiam encontrar um grau aceitável de satisfação.
PALAVRAS-CHAVE
Middle ground. Contato colonial. Mal-entendidos.
ABSTRACT
In the Great Lakes region of North America from the mid-17
th
to the mid-18
th
century, Algonkin natives and
French colonial agents interacted in the midst of the complex process of colonial contact. The conditions
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This happened in such a way that they produced common conceptions of adequate ways of acting, that
is, what we call middle ground. The inevitable need for communication in terms of the other generated a
process of opportune and creative mutual misunderstandings, which produced new cultural contents that,
when they became conventions between the parties involved, became a new reference that guided the
actions of historical subjects. The theoretical approach of this concept is discussed in this text through
the analysis of the daily relationships in which Algonkins and French produced this zone of mutual
intelligibility. Cultural congruencies, which formed the middle ground, were responses to problems and
controversies that revolved around issues such as sex, violence and trade. The analysis of the measures
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connections between French normative references and Algonquin customs. The responses produced in
these situations were not exclusively French or Algonkin notions, but rather improvisations and creations
that emerged at points where cultures intersected and promoted an intermediate cultural zone in which

KEYWORDS
Middle ground. Colonial contact. Misunderstandings.
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 46, p. 554-602, set./dez. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e74818 556/623
Richard White
Por todo o tempo nós fazemos os outros parte de uma
“realidade” que nós inventamos sozinhos, negando sua
criatividade por usurpar o direito de criar, nós usamos esses
povos e seus modos de vida e os tornamos subservientes a
nós mesmos
(Roy Wagner, The Invention of Culture).
Em ação, os povos colocam seus conceitos e categorias
em relações ostensivas com o mundo. Tais referenciais
colocam em jogo outras determinações dos sinais, além de
seus sentidos recebidos, a saber, o mundo real e os povos
envolvidos
(Marshall Sahlins, Islands of History).
I
Porque os franceses e os algonquinos eram parceiros de comércio e aliados,
as fronteiras dos mundos algonquino e francês derreteram-se nas bordas e se
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a existir, se uma determinada prática ou forma de fazer as coisas era francesa ou indígena,
depois de um tempo, não era tão clara. Isso não aconteceu porque indivíduos índios se
tornaram “franceses” ou porque os franceses fossem nativos, embora ambos possam
ter ocorrido. Em vez disso, era porque os algonquinos, que se sentiam perfeitamente à
vontade com seu status
modos franceses, precisavam lidar com pessoas que não compartilhavam nem seus
valores nem suas crenças sobre o modo apropriado de realizar tarefas. Eles tinham
que chegar a alguma concepção comum de formas adequadas de agir; eles tiveram
que criar o que eu já tenho referido como um middle ground.1
A criação do middle ground envolveu um processo de invenção mútua tanto
pelos franceses como pelos algonquinos. Esse processo passou por vários estágios,
dos quais o mais antigo é ao mesmo tempo o mais notado e o menos interessante. Foi
nessa fase inicial que os franceses, por exemplo, simplesmente assimilaram os índios
em sua própria ordem conceitual. Os índios tornaram-se sauvages e os franceses
reduziram a religião indígena à adoração do demônio e feitiçaria. Os algonquinos, por
sua vez, pensaram nos primeiros europeus como manitous. Em ambos os lados, novas
pessoas foram espremidas em categorias existentes de maneira mecânica.2
1 A impossibilidade de considerar qualquer sociedade em isolamento é um dos principais temas de Eric
Wolf (1982, p. 3-23, 385). É também uma posição tomada por Anthony Giddens (1981, p. 23-24).
2 Para se concentrar nas imagens europeias, ver Bernard Sheehan (1980); Olive P. Dickason (1984);
Cornelius Jaenen (1976, p. 195) está correto quando aponta que os franceses não tinham o poder de
forçar os índios americanos a se aculturar. O trabalho de James Axtell é uma exceção à tendência usual
de impor categorias estáticas a índios e a brancos, e Karen Kupperman (1980) contesta o quanto os
conceitos culturais derivados de relatos primitivos realmente governavam as relações. Nota do Tradutor:
no original, nesta nota de rodapé não há a indicação da data do trabalho de James Axtell. No decorrer
do livro, White faz referência a dois estudos de Axtell: 1) The Invasion Within: The Contest of Cultures
in Colonial North America (New York: Oxford University Press, 1985) está referenciado na nota 19 do
capítulo 4, intitulado "The aliance", situada na página 154; 2) “The White Indians of Colonial America”,

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