Minha mãe pintou meu pai de branco: afetos e negação da raça em famílias interraciais

AutorLia Vainer Schucman, Belinda Mandelbaum, Felipe Luis Fachim
Páginas439-455
439
Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 51, n. 2, p. 439-455, jul-dez 2017
Este artigo, parte de uma pesquisa maior
sobre famílias inter-raciais, tem como propósito
descrever as formas pelas quais o negro, a história
negra e a ancestralidade negra têm sido negadas
no discurso das famílias inter-raciais. Para esta
compreensão, apresentaremos o estudo de caso de
duas famílias. Os resultados obtidos na pesquisa
maior nos mostraram que a família é um espaço
privilegiado para o desenvolvimento de estratégias
de enfrentamento da violência racista vivida na
sociedade de forma mais ampla, mas também o
locus de legitimação e vivência racistas. E dentro
destas vivências foi possível perceber que um dos
mecanismos psíquicos usados para negociar os
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interior das famílias é a negação do Outro como
negro.
Palavras-chaves: Racismo. Negação. Famílias
Interraciais. Raça, Branquitude.
This article, a piece of a bigger research
about interracial families, aims to describe the
ways in which black, black history and black
ancestry have been denied in the discourse of
interracial families. For this understanding we
present the case study of two families with the
intention of thinking about the place of the race in
these dynamics. The results obtained in the bigger
research pointed out that family is a privileged
institution for the development of strategies
against racial violence expriencied in society on a
larger scale, but also the place where it is possible
to legitimate racist experiences and race violence.
And, within these experiences, it was possible to
realize that the psychosocial mechanism of denial
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and racial tensions that are enunciated within
these families.
Keywords: Racism. Denial. Interracial Families.
Race. Whiteness.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo central descrever, através do estudo de
caso de duas famílias inter-raciais, as formas pelas quais o negro, a história
negra e a ancestralidade negra têm sido negadas no interior das dinâmicas
de famílias inter-raciais. O impulso para esta análise se deu a partir dos
resultados de outra pesquisa, mais ampla, desenvolvida por nós. Esta pesquisa
teve como objetivo investigar e compor uma análise de como famílias inter-
raciais vivenciam, negociam, legitimam, constroem e desconstroem os
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pelos membros não brancos destas famílias.
Os resultados desta pesquisa mais ampla mostraram que existem
diferentes formas individuais e coletivas de responder às hierarquias raciais
Minha mãe pintou meu pai de branco: afetos e negação da raça
em famílias interraciais
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interracial families
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2017v51n2p439
Lia Vainer Schucman, Belinda Mandelbaum e Felipe Luis Fachim
Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil
440
Schucman, L. V.; Mandelbaum, B.P. H.; Fachim, F. L. Minha mãe pintou meu pai de branco: afetos e...
que estruturam a sociedade brasileira. Essa diversidade no interior das famílias
mostra que ali é um dos espaços privilegiados para o desenvolvimento de
estratégias para o enfrentamento, acolhimento e elaboração da violência
racista vivida na sociedade de forma mais ampla, mas também aponta o
lugar de legitimação das hierarquias raciais da estrutura social na qual estas
famílias estão inseridas. Para este artigo em especial, escolhemos observar
um mecanismo que nos pareceu bastante recorrente e importante para se
pensar as formas pelas quais membros destas famílias legitimam o racismo
estrutural de nossa sociedade: o mecanismo de negação do negro.
A discussão sobre raça e racismo no campo das Ciências Sociais e
Humanas tem sido tematizada por intelectuais e pesquisadores brasileiros e
estrangeiros desde a criação das primeiras universidades no Brasil. Contudo,
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bem como incipientes os trabalhos que falam de vínculos afetivos e a relação
com os processos de racialização no país.
No Brasil, o estudo de Barros (2003) traz à tona a necessidade de um
novo modelo de análise das famílias inter-raciais que esteja de acordo
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qualitativamente o tema. Outra constatação que tivemos ao analisar as
pesquisas que enfocam casamentos e famílias inter-raciais no Brasil é o
fato de que a maioria destas pesquisas problematiza suas análises apenas
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por meio das quais o casamento inter-racial é visto como estratégia de
ascensão social e embranquecimento, contribuindo para que os brancos e as
brancas que escolhem esta maneira de se relacionarem também não sejam
mencionados em tais análises. É exatamente para lidar com esta lacuna na
literatura que este artigo foi pensado. Nós trabalharemos aqui com o intuito
de apontar uma das dinâmicas possíveis pelas quais os membros brancos
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
Este entrecruzamento de perspectivas evidencia que a raça e o racismo
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discussão e o aprofundamento dos assuntos referentes aos modos como as
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para a elaboração de referenciais teóricos que nos apontem caminhos
alternativos ao sofrimento psíquico causado pelo racismo em membros de
famílias inter-raciais.

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