A mistanásia no contexto pandêmico: relativização de garantias constitucionais

AutorRenata Oliveira Almeida Menezes, Priscilla Karine Medeiros Dantas
CargoGraduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)/Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com período sanduíche na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA/UFCG
Páginas63-90
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 1, p. 63-90, jan.-jun., 2021 | ISSN 2595-0614
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Revista Direitos Fundamentais e Alteridade
A MISTANÁSIA NO CONTEXTO PANDÊMICO:
RELATIVIZAÇÃO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
MYSTHANASIA IN THE PANDEMIC CONTEXT:
RELATIVIZATION OF CONSTITUTIONAL GUARANTEES
Priscilla Karine Medeiros Dantas1
Renata Oliveira Almeida Menezes2
RESUMO: O presente trabalho trata sobre o tema mistanásia no contexto da pandemia da
COVID-19. A mistanásia é a morte miserável, dolorosa, antecipada e evitável, causada por
diversos fatores biopsicossociais, em virtude das desigualdades econômicas, sociais e das
vulnerabilidades enfrentadas pela população mais humildes. Objetiva-se analisar a mistanásia
ocasionada pela omissão do poder público quanto à prestação dos serviços de saúde, além de
investigar a ocorrência desse instituto em face da limitação do sistema de saúde que provoca a
relativização de direitos e garantias constitucionais dos pacientes, justificada no contexto de
pandemia pela reserva do possível. A metodologia utilizada consiste em pesquisa qualitativa,
bibliográfica, descritiva, com abordagem conceitual, contextual, interdisciplinar, utilizando o
método hermenêutico de interpretação teleológica e axiológica restritiva. Conclui-se que a
ocorrência da mistanásia agride o Estado constitucional, uma vez que violam preceitos
fundamentais impostos pela Constituição Federal de 1988. Existe a necessidade de debate e
compreensão da temática que requer enfrentamento imediato.
Palavras-chave: Mistanásia; Pandemia da covid-19; Direito e garantias constitucionais.
ABSTRACT: The present work deals with the theme mysthanasia in the context of the
COVID-19 pandemic. Mysthanasia is a miserable, painful, anticipated and preventable death,
caused by several biopsychosocial factors, due to economic, social inequalities and the
vulnerabilities faced by the most humble population. The objective is to analyze the
mysthanasia caused by the omission of the public power regarding the provision of health
services, in addition to investigating the occurrence of this institute in view of the limitation of
the health system that causes the relativization of patients' constitutional rights and guarantees,
justified in the context of pandemic by the reservation of the possible. The methodology used
consists of qualitative, bibliographical, descriptive research, with a conceptual, contextual,
interdisciplinary approach, using the hermeneutic method of restrictive teleological and
axiological interpretation. It is concluded that the occurrence of mysthanasia attacks the
constitutional State, since it violates fundamental precepts imposed by the Federal Constitution
of 1988. There is a need for debate and understanding of the issue that requires immediate
confrontation.
Keywords: Mysthanasia; Covid-19 pandemic; Constitutional law and guarantees.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E PROTEÇÃO
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO PACIENTE; 2.1 DA DIGNIDADE DA
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Técnica em Informática e
Técnica em Segurança do Trabalho pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnol ogia do Rio Grande do
Norte (IFRN).
2 Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com período sanduíche na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA/UFCG.
Mestre em Direito Privado pela UFPE. Professora da UFRN.
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PESSOA HUMANA; 2.2 O DIREITO DA SAÚDE NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL; 2.3
DIREITO À VIDA E O DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA DO PACIENTE; 3
ASPECTOS GERAIS DA MISTANÁSIA; 4 A MISTANÁSIA NO CONTEXTO
PANDÊMICO DA COVID-19; 5 RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS DOS PACIENTES
NA PANDEMIA; 6 MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO DA MISTANÁSIA PARA
PROTEÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PERÍODO PANDÊMICO;
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A mistanásia é um instituto correlato à eutanásia, mas designa uma morte marcada
pela dor que acontece antes e fora do seu tempo, sobretudo evitável quando o paciente tivesse
recebido o socorro adequado. Este trabalho objetiva analisar a ocorrência de mortes miseráveis
durante a pandemia da COVID-19 (coronavirus disease 2019).
O cenário pandêmico conduzido pelo novo coronavírus evidenciou um sistema de
saúde sucateado com limitações estruturais, materiais e humanas. A grande demanda de
pacientes rapidamente provocou o esgotamento dos recursos sanitários.
Nessa perspectiva, o capítulo 2 teoriza sobre as garantias constitucionais e os
direitos da personalidade do paciente com o intuito de problematizar mais adiante os direitos
que estão em risco no atual período de crise sanitária. Assim, observa-se a obrigação da
prestação positiva dos direitos fundamentais pelo Estado, especialmente, o direito à saúde, à
vida, à integridade física do paciente, interesses esses respaldados pelo princípio da dignidade
da pessoa humana.
No capítulo 3, busca-se abordar os aspectos gerais da mistanásia, neologismo de
origem brasileira, que é bastante frequente no Brasil e na América Latina. Localidades
marcadas por determinantes sociais que acentuam as desigualdades e vulnerabilidades,
especialmente, da população mais carente e desprovida de recursos. Assim sendo, discute-se a
denominação, o conceito, a classificação e a caracterização da mistanásia para, no capítulo 4,
delimitar-se o campo de estudo, isto é, a prestação precária dos serviços de saúde como fator
gerador de mortes mistanásicas, particularmente, no contexto pandêmico da COVID-19.
O capítulo 5 apresenta as consequências da limitação dos recursos da saúde na
esfera da materialização de direitos. Evidencia-se que, diante do estado de calamidade pública,
ocorre relativização de direitos de acordo com a cláusula da reserva do possível. Ademais,
discorre sobre os critérios utilizados pelos profissionais da saúde para decidir sobre a alocação
dos últimos recursos disponíveis.

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