Mitos e equívocos sobre a participação do senado no controle de constitucionalidade

AutorFábio Carvalho Leite
Páginas67-97
Mitos e equívocos sobre a participação do
senado no controle de constitucionalidade
Myths and mistakes about the senate participation in
judicial review system
Fábio Carvalho Leite*
Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
1. Introdução
A história que o Direito brasileiro conta para si mesmo a respeito da parti-
cipação do Senado no controle de constitucionalidade pode ser resumida
nas seguintes linhas.
A Constituição de 1934 atribuiu competência ao Senado para sus-
pender a execução do ato normativo declarado inconstitucional pelo STF,
resolvendo assim o problema experimentado na vigência da Constituição
de 1891, quando o reconhecimento de inconstitucionalidade de uma lei,
mesmo pelo STF, f‌icava restrito ao processo julgado. Essa novidade, con-
tudo, foi suprimida no texto da Constituição outorgada pouco mais de
três anos depois (10/11/1937), com a dissolução do próprio Senado (e do
Poder Legislativo em geral, em todas as esferas federativas – art. 178). A
experiência do modelo de controle concreto-difuso (inaugurado na Pri-
meira República) com a participação do Senado só ocorreu a partir da
Constituição de 1946, que restabeleceu o sistema def‌inido em 1934. O
controle de constitucionalidade naquele período tornou-se mais dinâmico,
já que o Senado a partir de então daria ef‌icácia erga omnes às declarações de
inconstitucionalidade proferidas pelo STF, evitando assim novas demandas
judiciais sobre a mesma questão.
* Doutor em Direito Público (UERJ), Professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação, mestrado
e doutorado da PUC-Rio. Bolsista de Produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenador da PLEB – Grupo
de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil. E-mail: fabiojur@puc-rio.br
Direito, Estado e Sociedade n.52 p. 67 a 97 jan/jun 2018
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Fábio Carvalho Leite
A Constituição de 1946 também previu uma representação interven-
tiva a ser julgada pelo STF (art. 8º, parágrafo único), semelhante àquela
criada na Constituição de 1934 (art. 12,§ 2º), mas com objeto distinto: se
antes a Corte Suprema deveria declarar a constitucionalidade da lei federal
que decretava a intervenção nos Estados, a partir de 1946 o STF deveria
declarar a inconstitucionalidade do ato normativo estadual para que a in-
tervenção (nas hipóteses do art. 7º, VII) eventualmente fosse decretada. O
STF, contudo, não poderia suspender a ef‌icácia da lei estadual, nem comu-
nicar a decisão ao Senado para fazê-lo. Nesse caso, a Constituição atribuiu
ao Congresso Nacional a competência para “suspender a execução do ato
arguido de inconstitucionalidade, se essa medida bastar para o restabele-
cimento da normalidade no Estado” (art. 13). O Senado passou a dividir
com o Congresso a competência para suspender a execução de lei decla-
rada inconstitucional pelo STF: o primeiro, quando se tratasse de controle
concreto, e o segundo, quando se tratasse de representação interventiva. A
narrativa histórica poderia se encerrar aqui, já que a inovação que se seguiu
foi a criação, em 1965, da representação de inconstitucionalidade, inau-
gurando o controle abstrato-concentrado no país. No entanto, mesmo as
decisões proferidas em sede de controle abstrato foram, por mais de uma
década, encaminhadas ao Senado, já que “[d]urante algum tempo houve
dúvida a respeito da competência do Senado, se abrangente também das
declarações de inconstitucionalidade em tese, ou se pertinente apenas às
declarações de inconstitucionalidade in casu1– dúvida que foi encerrada
em 19772, quando então passou-se a “atribuir ef‌icácia geral à decisão de
inconstitucionalidade proferida em sede de controle abstrato, proceden-
do-se à redução teleológica do disposto no art. 42, VII, da Constituição de
1967/69 [relativo à competência do Senado]”3.
A atuação do Senado no controle de constitucionalidade, portanto,
estava restrita ao controle concreto. E o Senado só poderia suspender a
execução de lei declarada total ou parcialmente inconstitucional pelo STF,
não podendo ir além nem f‌icar aquém do que o tribunal tivesse decidido.
E, uma vez editada a resolução suspensiva, não poderia o Senado editar
nova resolução, revogando a primeira. Também não poderia suspender
1 CLÈVÈ, 1995, p. 91.
2 CLÈVÈ, 1995, pp. 91-92; MENDES, 2004, p. 155; BARROSO, 2014, p. 156.
3 MENDES, 2004, p. 155.

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