Mobilidade do capital e estratégias de acumulaão capitalista na amazônia e cerrado brasileiros

AutorMarcel Theodoor Hazeu, Marcela Vecchione Gonalves, Solange Maria Gayoso da Costa
Páginas434-456
MOBILIDADE DO CAPITAL E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA E
CERRADO BRASILEIROS
Marcel Theodoor Hazeu1
Marcela Vecchione Gonçalves2
Solange Maria Gayoso da Costa3
Resumo
O presente artigo debate o avanço do capital e os desdobramentos por entre e sobre os territórios do movimento combinado
de acumulação e expropriação, que funciona em concomitância à apropriação e despossessão dos bens comuns e dos
modos de vida na Amazônia e no Cerrado brasileiros. Analisam-se duas situações distintas: 1) a “guerra” entre uma
comunidade tradicional e uma empresa m ultinacional situada no município de Barcarena/ Pará; 2) um cenário de lut a da
diversidade de vida contra a economia de um plantio na região do denominado Matopiba, no leste maranhense e no
norte do Tocantins. Por fim, ressaltam-se os Protocolos de Consulta como instrumentos de luta e afirma-se que tão
importante quanto olhar as situações, compreendendo a territorialização do capital, é contrapor estas narrativas, desde
formas política e juridicamente de reivindicação do direito à própria existência enquanto permanência.
Palavras-chave: Amazônia e Cerrado. Mobilidade do capital. Expropriação. Povos tradicionais. Resistência.
CAPITAL MOBILITY AND CAPITALIST ACCUMULATION STRATEGIES IN THE BRAZILIAN AMAZON AND CERRADO
Abstract
This article discusses the advance of the capital and the deployment between and over the territories of the combined
movement of accumulation and expropriation, which works in conjunction with the appropriation and dispossession of
common goods and ways of life in the Brazilian Amazon and Cerrado. Two different situations are analyzed: 1) the “war”
between a traditional community and a multinational company located in the municipality of Barcarena/ Pará; 2) a scenario of
struggle for the diversity of life against the economy of a single crop plantation in the region of the so-called Matopiba, in the
east of Maranhão and in the north of Tocantins. Finally, the Consultation Protocols are emphasized as instruments of
struggle and it is stated that, as important as looking at the situations understanding t he territorialization of capital, it is to
oppose these narratives, from the political and legal forms of claiming the right to existence as permanence.
Keywords: Amazon and Cerrado. Capital mobility. Expropriation. Traditional peoples. Resistance.
Artigo recebido em: 11/11/2019. Aprovado em: 30/01/2020
1 Cientista Ambiental. Doutor em Ciências Socioambientais. Professor Adjunto da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal do Pará (UFPa). Endereço: Rua Augusto Corrêa, 1, Guamá, Belém (PA), Brasil, CEP 66075-110.
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4106-0678. E-mail: celzeu@gmail.com.
2 Cientista em Relações Internacionais. Doutora em Ciência Política/Relações Internacionais pela McMaster University. Professora
do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPa). Endereço: Rua Augusto Corrêa,
1, Guamá, Belém (PA), Brasil, CEP 66075-110. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9171-5161. E-mail:
marcela.vecchione@gmail.com.
3 Assistente Social. Doutora em Ciências Socioambientais. Professora Adjunto IV da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal do Pará (UFPa). Endereço: Rua Augusto Corrêa, 1, Guamá, Belém (PA), Brasil, CEP 66075-110.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5542-3663. E-mail: gayososol@yahoo.com.br.
MOBILIDADE DO CAPITAL E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA E CERRADO
BRASILEIROS
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1 INTRODUÇÃO
A acumulação de capital na Amazônia e nas áreas de transição com o Cerrado brasileiro
tem se caracterizado pela exacerbação da exploração do trabalho e da apropriação da natureza e dos
bens comuns destas constituintes. Nesse processo, destacam-se historicamente os empreendimentos
logísticos de infraestrutura, particularmente os relacionados ao agronegócio e mineração, cada vez
mais conectados aos primeiros. Todos esses projetos se inserem em uma lógica de desenvolvimento
em curso no Brasil, que, na contemporaneidade, está relacionada a uma fase de expansão do
capitalismo em que se combinam investimentos em e na exploração e circulação material, combinada
aos rendimentos em títulos financeiros, usualmente decorrentes do endividamento das próprias
empresas transnacionais do agro-hidro-mineronegócio.
Nas áreas amazônicas e de transição entre a Amazônia e o Cerrado, onde estão os
maiores aportes de investimento internacional e, ao mesmo tempo, de violência contra povos
tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares, percebem-se, de um lado, os atos do Estado e
do capital promovendo estratégias de eliminação por meio de políticas de ordenamento territorial, de
conservação e de discursos e principalmente, práticas de desenvolvimento que cada vez mais
demandam a criminalização de lideranças e movimentos sociais, transformando o impedimento de
perpetuar e viver seus modos de vida em um estado de exceção permanente. Por outro lado,
observamos que os sujeitos criminalizados e violentados m afirmado sua r-existência por meio de
ações coletivas, estratégias jurídicas, em reafirmação do vínculo com a terra, confirmando e
construindo em luta e em movimento suas identidades. Dessa maneira, o presente artigo objetiva
debater os poderes do avanço do capital, compreendendo como se desdobrou por entre e sobre os
territórios o movimento combinado de acumulação e expropriação, que funciona em concomitância à
apropriação e despossessão dos bens comuns e dos modos de vida.
Ao fazer isso, propõe-se olhar para duas situações distintas, na Amazônia paraense e na
região de transição do Matopiba. Na primeira, apresenta-se a mais recente fase da “guerra” entre uma
comunidade tradicional (Tauá) e uma empresa multinacional (Hydro), numa área de floresta primária e
secundária, alterada por atividades agrícolas, madeireiras e a indústria de beneficiamento de bauxita,
situada no município de Barcarena, no estado do Pará. A segunda situação se refere à região do
denominado Matopiba1, particularmente nas bordas das chapadas cerratenses, no leste maranhense e
no norte do Tocantins. A área, rica de recarga de água e abundante em diversidade de vida, é a
paisagem transformada pela soja; seja pela possibilidade de sua chegada ou por sua consolidada
expansão. Em um cenário de luta da diversidade de vida tão presente nos buritizais, nos campos de
mangaba, nos pomares e nos quintais contra a economia de um plantio, que é a soja, e de

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