Moçambique e a questão da terra: um olhar audiovisual

AutorTacilla da Costa e Sá Siqueira Santos
CargoDoutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-doutoranda pelo Programa de Pósgraduação em Relações Internacionais da UFBA. E-mail: tacillasiqueira@yahoo.com.br
Páginas180-200
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 365-385, 2016
MOÇAMBIQUE E A QUESTÃO DA TERRA: UM OLHAR
AUDIOVISUAL
Mozambique and the land issue: an audiovisual look
Tacilla da Costa e Sá Siqueira Santos
Resumo
A questão da terra é um dos pontos nevrálgicos de Moçambique, cujo destaque ampliou-se com a
democratização do país em 1990 e a tentativa de adequação da economia ao novo contexto político
interno e internacional, que inclui a possibilidade de investimentos privados, assim como o uso e a
ocupação das terras moçambicanas. Não obstante a intenção de levar investimentos internacionais ao
país, a disponibilização das terras depara-se com questões ambientais, legais expressas na “lei de
terras” –, e com a relação do povo moçambicano com as mesmas, não somente no que diz respeito a sua
utilização para a subsistência ou para atividades econômicas, mas também a uma forte ligação de
identidade e ancestralidade. Neste trabalho, buscamos colocar em discussão os desafios que envolvem
a questão da terra em Moçambique, sobretudo relacionados à ocupação desta por grandes empresas
estrangeiras. O “olhar” que lançamos para este fenômeno se dá, principalmente, através de dois filmes-
documentários produzidos pela organização não governamental moçambicana Centro Terra Viva
Estudos e Advocacia Ambiental (CTV). Por meio de dois percursos audiovisuais, expressos nos filmes
“Terra: Amanhã Será Tarde!” e “Quitupo Hoyé!”, aliados à pesquisa contextual referente, buscamos
caminhos que desvelam a disputa que envolve cidadãos moçambicanos, o governo do país, organizações
não governamentais, e empresas privadas internacionais, em uma lógica que coloca em confronto a
estrangeirização das terras de Moçambique e os direitos dos seus habitantes.
Palavras-chaves: Moçambique. Terra. Audiovisual. Sociedade Civil. Estrangeirização.
Introdução
Quando me sento descalça
sobre o sapato do menino pobre
que me enche o pé
muito mais que outro qualquer
me lembro que existir
não é sozinha
é com toda gente.
(Tania Tomé.
In: Moçambique)
Este artigo é uma contribuição original resultante de investigação científica. T em seus principais argumentos
baseados nos achados da pesquisa A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional com Angola
e Moçambique: en tre o discurso solidário e prática pragmática, que conta com apoio financeiro de Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia; e também da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ( CAPES) através de Bolsa
obtida por meio do Edital N.º 006/2014 Programa de Bolsas de Pós-doutorado FAPESB/CAPES.
 Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-
graduação em Relações Internacionais da UFBA. E-mail: tacillasiqueira@yahoo.com.br
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 365-385, 2016
O colorido dos tecidos das vestes do povo moçambicano contrasta com o tom terroso
do chão que pisam. Tom da terra que habitam e que lhes é, muitas vezes, condição de existência.
Falar da relação dos moçambicanos com a terra é falar de legado, riqueza, história e
ancestralidade. É falar de identidade e sobrevivência. A terra em Moçambique é direito e luta,
mas é, igualmente, disputa.
Objeto de muitas produções acadêmicas, análises e discussões de diversas ordens, a
questão da terra em Moçambique ganhou maior destaque com a democratização do país em
1990 e a tentativa de adequação da economia ao novo contexto político interno e internacional,
e a possibilidade de investimentos privados que incluem o uso e a ocupação das terras
moçambicanas. Não obstante a intenção de levar investimentos internacionais ao país, a
disponibilização das terras depara-se com questões ambientais, legais expressas na “lei de
terras” –, e com a relação do povo moçambicano com as mesmas, que inclui não somente a sua
utilização para a subsistência ou para atividades econômicas, mas também uma forte ligação de
identidade, respeito e ancestralidade.
Na busca por caminhos que desvelassem a Moçambique contemporânea, o seu povo,
a relação com a terra e os conflitos decorrentes da “corrida” dos investidores estrangeiros para
“entrar” no país, nos deparamos com o cinema moçambicano e, mais especificamente, com a
produção audiovisual do Centro Terra Viva Estudos e Advocacia Ambiental. Alguns dos
filmes-documentários produzidos por esta organização não governamental moçambicana
“Terra: Amanhã será tarde!”; “Quitupo, Hoyè!” e “Wanbao: the future I will not have” –
passaram a compor, ao lado dos filmes “Maputo: ethnography of a divided city”
1 e “O último
voo do flamingo”2, o acervo do CINEMAMUNDO3”, projeto realizado pelo Laboratório de
Análise Política Mundial da Universidade Federal da Bahia (Labmundo-Bahia)4 em parceria
com o Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da mesma universidade
(PPGRI/UFBA), que consiste na exibição e discussão de filmes que abordem questões
correlatas à política internacional. A primeira edição pública do “CINEMAMUNDO”, nesta
1 Realizado por João Roxo, João Graça & Inge Tvedten, o filme faz parte do projeto "A etnografia de uma cidade
dividida. Sócio-Política, Pobreza e Género em Maputo, Moçambique”, financiado pelo Conselho de
Investigação da Noruega (2012-2015).
2 Realizado e dirigido por João Ribeiro, o filme é baseado no livro “O último voo do flamingo” do escritor
moçambicano Mia Couto.
3 A primeira edição do “CINEMAMUNDO” aconteceu, entre os dias 18 e 20 de abril de 2016, e contou com
exibições gratuitas de filmes moçambicanos seguidas de discussões entre professores convidad os e a plateia.
4 O Labmundo-Bahia e o “CINEMAMUNDO” são coordenados pela Profa. Dra. Elsa Kra ychette, professora
Adjunta do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA).

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