O Modelo Constitucional do Processo

AutorEduardo Rodrigues Dos Santos
Ocupação do AutorMestrando em Direito Público Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas81-94

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Conforme identificado pela melhor doutrina processualista pátria e estrangeira, existe um modelo processual estabelecido na Constituição que serve como base para todos os ramos do direito processual, não podendo ser ignorado e, muito menos, afrontado. Esse modelo único de processo estabelecido pela Constituição é conhecido como Modelo Constitucional de Processo.

Desse modo, todo e qualquer estudo que se refira à matéria processual deve partir desse “modelo”, que se encontra sedimentado, sobretudo, nas garantias fundamentais processuais (quase sempre positivadas em forma de princípios jurídicos). Assim, iniciar-se-á o presente trabalho tendo como ponto de partida o Modelo Constitucional do Processo, bem como algumas temáticas inerentes a ele. Sigamos.

2. 1 A Constitucionalização dos Direitos

O Direito, como um todo, passa atualmente por um processo de constitucionalização, isto é, por um processo de adequação à Constituição. Um processo que não é privilégio do sistema jurídico brasileiro, mas que se desenvolve, de modo geral, nos Estados democráticos contemporâneos.

Fruto do Neoconstitucionalismo9, esse movimento inspira-se sobretudo na Supremacia da Constituição e na consequente necessidade de amoldamento do restante do ordenamento jurídico à ordem jurídica estabelecida pela Carta Maior (SARMENTO, 2009), superando assim

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a pretérita visão de que a Constituição seria um mero documento político procedimental, que estabeleceria apenas metas para o Estado de Direito, como acreditavam, por exemplo, Carl Schmitt10(2007a) e Ferdinand Lassalle (2001).

Na seara desse pensamento, Luís Roberto Barroso ensina que o Neoconstitucionalismo e o consequente processo de constitucionalização dos direitos possuem três marcos fundamentais, que se dividem em i) histórico; ii) filosófico; e iii) teórico (BARROSO, 2006).

O marco histórico consiste no constitucionalismo do pós-guerra, isto é, no desenvolvimento das Constituições garantistas da última metade do século passado, no Brasil representado pela Constituição de 1988. O marco filosófico consiste na superação do modelo positivista do Direito pelo Pós-positivismo Jurídico, sobretudo no que concerne ao reconhecimento da normatividade dos princípios11. O marco teórico

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divide-se em três grandes transformações que, em conjunto, possibilitaram a adequação do conhecimento convencional ao Direito Constitucional: a) o reconhecimento da força normativa da Constituição, ideia difundida por diversos autores do pós-guerra, entre eles Konrad Hesse (1991); b) a expansão (ampliação) da jurisdição constitucional; e c) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional pautada, sobretudo, em princípios instrumentais trazidos pela própria Constituição (BARROSO, 2006).

Por sua vez, Luís Prieto Sanchís ensina que o processo de constitucionalização dos direitos se desenvolve sobretudo nas Constituições que conjugam duas características fundamentais: a materialidade e o garantismo. De modo que ele as chama de Constituciones materiales y garantizadas12(SANCHÍS, 2009).

Para Prieto, material é a Constituição que:

Presenta un denso contenido sustantivo formado por normas de diferente denominación (valores, principios, derechos o directrices) pero de un idéntico sentido, que es decirle al poder no sólo cómo ha de organizarse y adoptar sus decisiones, sino también qué es lo que puede e incluso, a veces, qué es lo que debe decidir 13(SANCHÍS, 2009, p. 4).

Já Constituição garantizada significa que:

Como ocurre con cualquier otra norma primaria, su protección o efectividad se encomienda a los jueces; o si se prefiere, que en el sistema existen normas secundarias, de organización y procedimiento, destinadas a depurar o sancionar la infracción de las normas sustantivas o relativas a derechos 14

(SANCHÍS, 2009, p. 4).

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As Constituciones materiales y garantizadas de Prieto são, majoritariamente, como o próprio autor observa, as Constituições democráticas que se desenvolveram na última metade do século passado, que possibilitaram a concepção da Constituição, simultaneamente, como garantia e como norma diretiva fundamental (SANCHÍS, 2009).

Em sentido semelhante encontra-se o raciocínio do professor Barroso. Segundo ele, a constitucionalização do Direito está ligada diretamente à expansão normativa constitucional cujo conteúdo material e valorativo se irradia por todo o ordenamento. Por sua vez, os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados pelas normas constitucionais passam a condicionar a validade das normas de todo o ordenamento infraconstitucional. Como consequência, a constitucionalização reflete sobre a atuação dos três poderes e das relações privadas, influindo diretamente em suas decisões, que jamais poderão contrariar ou, até mesmo, deixar de cumprir com as determinações constantes da Constituição (BARROSO, 2006).

Não obstante esse importante passo dado pelo Direito, é preciso advertir que existe uma linha tênue entre a Constitucionalização do Direito e a banalização do Direito Constitucional e, sobretudo, dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o professor Leonardo Martins (2011) lembra que há aqueles que acreditam que tudo seja Direito Constitucional, que tudo possa ser resolvido pela Constituição, ou, pior, há quem acredite que tudo seja direito fundamental. Essa generalização desprovida de razão, bom senso e juridicidade, coloca em risco a própria efetividade do Direito Constitucional e dos direitos fundamentais estabelecidos pela Carta Maior, além de desconstruir institutos jurídicos importantes para a regulação de diversas áreas do Direito, sobretudo do Direito Privado15.

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Nesse sentido, Luís Roberto Barroso afirma que, não obstante o benéfico processo de constitucionalização, “não deve passar despercebido o fato de que a constitucionalização exacerbada pode trazer consequências negativas”, tais como o esvaziamento do poder das maiorias e o decisionismo judicial, de modo que “não se deve alargar além do limite razoável a constitucionalização por via interpretativa16, sob pena de se embaraçar, pelo excesso de rigidez, o governo da maioria, componente importante do Estado democrático”, até mesmo porque “a Constituição não pode pretender ocupar todo o espaço jurídico em um Estado democrático de direito” (BARROSO, 2010b, p. 392-393).

Ante o exposto, pode-se afirmar que a constitucionalização dos direitos se irradia por todos os ramos jurídicos, devendo eles adequar-se à Constituição, vez que Ela é o fundamento de validade de todas as normas jurídicas vigentes no Estado Democrático de Direito. Contudo não se pode olvidar da temerária banalização do Direito Constitucional, sobretudo dos direitos fundamentais em face do seu uso indiscriminado e desprovido de parâmetros pertinentes, isto é, não se pode deixar levar pelo clímax do momento de constitucionalização e passar a se afirmar que tudo é Direito Constitucional, ou, pior, que tudo é direito fundamental, como fazem alguns mais “entusiasmados”, para não se usar outras expressões. Enfim, a Constituição traça as normas maiores, mas não dita todas as normas, pois se assim fosse não precisaríamos de Códigos, Leis, Decretos etc.

2. 2 Breve delineamento da incursão histórica do Modelo Constitucional do Processo

O Direito Processual não é diferente dos demais ramos do Direito, devendo, por isso, amoldar-se à ordem constitucional para que seja

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considerado válido, ou seja, ele também se submete a esse processo de constitucionalização.

Em razão disso, emerge na ciência processual contemporânea o modelo constitucional de...

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