O modelo de pós-graduação: o dilema da qualidade e da produção

1. Ford versus Da Vinci

O jornal espanhol El País, em sua edição de 18 de novembro de 2017, publicou notícia com o título “Educação endurece os critérios para ser professor e catedrático universitário”. Na Espanha, o equivalente brasileiro a professor titular é o catedrático, enquanto o titular espanhol corresponde ao professor associado no Brasil. Em que consistiu esse endurecimento de critérios? De acordo com a reportagem, o candidato ao cargo de catedrático de Direito deverá comprovar a publicação de quatro monografias, 15 capítulos de livros e 15 artigos. Essa é, digamos, a “barreira de entrada” para concorrer à cátedra. Em outras áreas, o rigor também aumentou: em Matemática, são necessárias 35 publicações em revistas reconhecidas internacionalmente, ao passo que, em Física ou Química, o interessado deve comprovar a publicação de 50 artigos em periódicos indexados.

O que esses números querem dizer?

Na coluna anterior, deu-se início a uma reflexão sobre a natureza, a função e o papel das pós-graduações em Direito sob uma perspectiva comparada. Na conclusão do texto anterior, deixou-se em aberto um problema: qual a abordagem a ser dada à pós-graduação no Brasil, considerada sua realidade assimétrica em termos regionais, econômicos e políticos?

Parafraseando o livro de H.G. Wells, de 1897, A Guerra dos Mundos, que narra a invasão da terra por marcianos, a universidade passou (e ainda passa) por uma guerra de (concepções) de mundo(s). Os fordistas, em uma analogia com o modelo de linhas de produção inaugurado por Henry Ford na fábrica de automóveis que leva seu nome, e os renascentistas, uma figuração para qualificar os que trabalham artesanalmente em busca de seu opus magum, como Leonardo da Vinci, serão as personagens principais desta coluna. Como cenário, a pós-graduação em Direito.

O objetivo desta coluna, que dá sequência ao debate, é apresentar como se deu a transformação da pós-graduação em geral e no Direito, em particular, em um espaço de disputa entre o modelo fordista e o modelo renascentista. O fordismo venceu. O que fazer com a cidadela ocupada? Qual o papel dos renascentistas nas ruínas de uma ciência reflexiva, que foi tomada por controles preponderantemente quantitativos?

2. Crônica de uma ruína anunciada

O abandono do modelo renascentista de pós-graduação (não apenas em Direito) remonta ao câmbio ocorrido na organização burocrática dos controles acadêmicos no século XX. É possível datar o início desse processo no período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. É igualmente possível localizá-lo: no Reino Unido e na Irlanda do Norte.

O historiador britânico Paul Johnson narra um episódio que simboliza (e sintetiza)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT